VIII

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25 de Julho de 1998

O período de férias já estava acabando, o que era triste para todos os estudantes da cidade, que aproveitavam o verão da forma mais intensa que podiam. O sol irradiava nas epidermes, as regatas desgastadas, as sandálias coloridas, os macacões curtos que Taehyung gostava de usar.

Naquela tarde, estava ouvindo pelo pequeno rádio a música que fez o Baby V.O.X estourar, o som baixinho deixando o quarto com uma boa atmosfera. Se sentia exatamente como a letra de Ya Ya Ya, mesmo que aquilo parecesse um pouco ridículo, enquanto desenhava alguns cenários pacatos em uma folha de papel, o barulho do lápis sendo acompanhado pela sua voz cantarolando a canção fofa.

Abruptamente, um barulho vindo de sua janela fez o acastanhado errar o traço do desenho e pular de susto, encarando o vidro com medo. Mas logo o medo se tornou uma sensação borbulhante dentro da barriga. Reconheceria aquelas mãos em qualquer lugar.

"Guk!" sussurrou, tentando regular a respiração enquanto abria a janela e ajudava o moreno de capuz preto que batia na janela a entrar dentro do cômodo "O que você tá fazendo, seu louco? A gente tem porta da frente, sabia?!"

Contudo, no instante que o garoto levantou a cabeça, Taehyung entendeu o motivo dele não ter escolhido entrar em sua casa pela porta principal.

"Jungkook você... você tá chorando?" segurou a mão do rapaz e o sentou em sua cama, vendo outra lágrima solitária descer pelo rosto sem expressão, aéreo "O que aconteceu, Jungkook? F-Foi algo em casa?"

O de cabelos pretos nada respondeu, parecia estar inerte, acorrentado, sem conseguir expressar nenhuma emoção, mesmo que as lágrimas continuassem caindo.

Kim se levantou da cama e desligou o rádio, em seguida tirando o capuz da cabeça alheia e abaixando-se em sua frente, tentando capturar os olhos brilhantes nos seus.

"Você pode..." a voz quase soprada estava embargada, o que fez o peito do acastanhado comprimir "V-Você pode me abraçar?"

Não demorou menos de um segundo para o corpo envolto pelo moletom ser guardado pelos braços grandes de Taehyung, que faltou morrer de preocupação quando o rapaz afundou o rosto em seu ombro e finalmente reagiu ao choro, passando a tremer um pouco e a apertar as mãos delicadas nos suspensórios de seu macacão.

"Ggukie, me fala, por favor..." suplicou, suspirando enquanto passava as mãos num vai e vem pelas costas largas do lutador "Eu preciso saber o que passa em sua cabeça."

Taehyung esperou o choro do outro cessar e apenas as fungadas serem ouvidas para afastar-se, olhando para o rostinho vermelho a sua frente.

"T-Tudo bem, mas... você pode deitar?" indagou, ainda encolhido.

"Posso, claro" respondeu assentindo, mesmo que não entendesse o propósito daquilo.

Deitou na cama e esperou pacientemente Jungkook deitar-se ao seu lado, ambos olhando para o teto e respirando descompassadamente.

"Lembra do dia do campeonato de taekwondo? Você ouviu meus pais falando sobre mim" iniciou, a voz trêmula e instável, algo completamente raro para Kim, que estava acostumado com o jeito confiante de Jungkook "Acho que deu para notar pelo tom de voz que eu não sou o maior orgulho deles, não é?" riu de desgosto, parecendo reprimir um soluço "Meu irmão é o orgulho deles. Eu só fui o filho não planejado que trouxe dor de cabeça e que nunca fez nada útil."

Taehyung procurou a mão de Jeon e entrelaçou seus dedos, tentando mostrar que estava ali, o escutando.

"Eles nunca me apoiaram em nada que eu amo, s-sabe? Meu irmão fez cursos preparatórios desde cedo, sempre teve o apoio deles. Já eu nunca quis entrar num clube assim, gosto de pintar e lutar, só que pra eles não posso viver dignamente desse jeito" contava, como se aquilo não fosse a ponta do iceberg "Eu sempre achei que eles só queriam o melhor para o meu futuro, que as críticas eram para me fazer mais forte, mesmo que eu nunca tenha recebido um elogio. Por isso procuro ser o melhor nas coisas que gosto, mesmo sabendo que minhas medalhas de ouro no taekwondo nunca serão tão válidas quanto as medalhas de ouro de Byeong nas competições de cálculo".

"Byeong sabe que é melhor que eu e gosta dessa superioridade, o que é tão frustrante, porque eu costumava lhe enxergar como um super-herói, como um exemplo. Tentei tanto alcançá-lo, queria tanto que pelo menos ele tivesse orgulho de mim" Jeon chorava novamente, apertando a mão de Kim como se precisasse daquele suporte "Às vezes eu só queria agradá-lo, entende? E ele me desprezava. Dizia na frente do papai e da mamãe que pintar tanto me tornava uma bichinha, que eu não era bom lutando, mas o fazia para mascarar isso. É tão estúpido e sem sentido."

Taehyung não aguentou apenas ouvir o choro dele aumentando de intensidade, logo o puxou para perto, fazendo o rapaz lhe abraçar e esconder o rosto em seu peitoral.

"E o que aconteceu para você estar desse jeitinho agora, Gguk?" cautelosamente passou os dedos pelos fios macios dos cabelos alheios, contemplando o odor suave do shampoo de frutas vermelhas.

"Byeong passou numa faculdade, Tae. A única coisa que prendia meus pais nessa cidade era a conclusão dos estudos dele para que ele pudesse entrar numa boa universidade. E ele passou. Direito. Fala sério, não faz nem um ano que esse idiota terminou o colegial." proferiu, sua voz expressando mágoa, não irritação "Não preciso nem dizer que a pressão em cima de mim aumentou em níveis estratosféricos, e eu estava até disposto a ignorar isso, mas os meus pais, eles..." soluçou, parecendo querer se esconder nos braços do 'amigo' "Meus pais só estavam esperando ele sair de casa para poderem sair daqui. Vamos nos mudar, Taehyung."

No mesmo segundo o corpo de Kim tencionou, o ar pareceu escapulir dos pulmões, porém não da forma boa como quando Jeon lhe provocava ou lhe beijava, e sim de uma forma desesperadora.

"O-O quê?" murmurou, os olhos quebrados tentando encontrar algum vestígio de mentira naquela fala "Se mudar?"

"Vamos nos mudar para Sydney, na Austrália. Só basta o Byeong ir para o próprio apartamento" desfez o abraço assim que sentiu os dedos de Taehyung pararem de massagear suas madeixas, o encarando com os olhos inchados "Eles tem conhecidos lá, provavelmente vamos ser vizinhos dessas pessoas. É surpreendente que papai e mamãe já tenham começado a falar da filha deles, uma tal de Willow. Decepcionante, na verdade" riu a contragosto, engasgando com um soluço que escapou sem sua permissão.

Taehyung ainda tentava processar a informação, o coração batendo com uma urgência extrema e a vontade de chorar acometendo os seus sentidos. Contudo, por Jeon, resolveu ser forte.

"Q-Quando?"

"Ainda esse ano."

O acastanhado assentiu, jogando a cabeça para trás no travesseiro e escondendo o rosto com as mãos.

"A Austrália fica muito distante... Eu não quero te perder Jungkook. Eu não quero e-eu... eu..." negava veemente, enquanto o lutador sentava no colchão e abraçava os próprios joelhos.

"Eu também não quero te perder" sussurrou, respirando fundo e sorrindo triste "Nunca me apaixonei desse jeito antes, Taehyung. É tão maluco que meus olhos sempre estejam em você. E dói tanto, ao mesmo tempo que é tão, tão bom..." Kim o fez deitar em cima de si, os olhos conectados e os narizes encostando-se, como um beijinho de esquimó.

"Apaixonado?" sussurrou de volta, o peito doendo.

"Não finja que não sabe" sorriu fraquinho, passando os dedos em volta das sobrancelhas grossas e dos olhos chocolates de Taehyung, um hábito que o fazia relaxar "Paixão."

"Paixão" sorriu de volta, uma lágrima teimosa descendo pela bochecha rosada, que rapidamente foi beijada por Jeon "Eu realmente me apaixonei por você."

Quebrando o clima melancólico, Jungkook cantarolou risonho:

"If you wanna be my love, i wanna be your-"

"Cale a boca!" exclamou, tampando os lábios de Jeon com força enquanto ria "Meu Deus, Jungkook, não acredito que você..." a fala morreu na ponta da língua, a incredulidade tomando conta.

"O quê? Só você pode ouvir Baby V.O.X? Essa música tá bem popular nas rádios, tá legal?" brincou, sabendo que Kim a estava ouvindo antes de entrar no quarto.

Aquele, mesmo que implicitamente, foi um pedido para que não falassem mais sobre isso e simplesmente permanecessem abraçados ao som da canção que Taehyung tornou a deixar mais alta pelo pequeno aparelho presente em sua cômoda. Jeon ainda achava aquela melodia constrangedora, mas estar com o acastanhado era muito bom para gastar tempo pensando nisso.

Art of the century | taekookOnde histórias criam vida. Descubra agora