Quatorze

37.6K 2.8K 613
                                    

A semana passa e com ela vem o dia que mais odeio: o plantão da minha mãe no Hospital. O que significa um fim de semana inteiro na casa do meu pai, já que ele não aceita que eu fique sozinha no apartamento de Copacabana.

  Durante as aulas na manhã começo a me preparar psicologicamente para enfrentar a fera. Priscilinha fica decepcionada por saber que não vou poder ir ao ensaio dessa vez e, pra ser honesta, eu também. Não é todo dia que tenho oportunidade de ver o P.H.

   Hoje, infelizmente, isso não irá acontecer mesmo.

   No recreio (desisto de tentar falar "intervalo")conversando com as meninas, observo como os garotos mudaram com o Bernardo. Desde quinta passada eles tem o chamado pra tudo e agora vem monopolizando a atenção dele no recreio.

   Por um lado fico feliz que o Bernardo esteja se entrosando, por outro temo pelas más influências. Tudo bem, o Lucas é só meio avoado e tem umas ideias meio babacas, já o Daniel Amabile e o Caíque são péssimos exemplos pra qualquer um, e não sei se a suspensão de três dias deu um jeito neles.

   Pelo menos, até o momento, o Bernardo parece estar sabendo lidar direito com a situação e não está indo na onda dos bagunceiros.

   Do outro lado do pátio ele me dá um tchauzinho ao que eu retribuo sorrindo. Continuo o observando enquanto ele está jogando totó (ou pebolim como ele chama o jogo) e interagindo com os meninos. É engraçado como mesmo fazendo algumas caretas por causa da brincadeira ele consegue continuar fofo.

   Na saída do colégio recebo uma oferta de carona com o pai dele que veio busca-lo, mas recuso alegando estar de bicicleta e também ter que ir pra casa do meu pai.

   Ao chegar em Copacabana, já preparada para ouvir uma baita bronca por causa do meu atraso de menos de cinco minutos, recebo a notícia de Jurema de que papai saiu pra resolver algumas coisas no banco e no cartório. Por isso iremos comer sozinhos.

   Fico aliviada e, ao mesmo tempo, triste por ter esses sentimentos em relação ao meu pai. Mas vamos ser sinceras, ele não facilita nem um pouco.

   Não seria um suplício vir pra cá se ele não agisse como um ditador de um país africano.

   Meu irmão Samuel é que está aproveitando a folga que o ser supremo da casa nos deu e está jogando há horas no seu tablet.

   Ele só para para comer (muito) e logo volta para o jogo (chato).

   Termino de almoçar sozinha quando o telefone da sala toca. Jurema atende e me passa dizendo ser o "seu Rogério".

   Suspiro.

  -Oi, pai.

   -Tudo bem por aí, Cléo?

   -Sim.

   -Vocês almoçaram direito? Jurema fez a salada pro Samuel?

   É, fazer ela até fez, mas cadê que o garoto comeu?

   Vegetais e hortaliças são as kriptonitas do moleque. Tanto que ele argumenta não ser cupim pra digerir celulose. O que estão ensinando no quarto ano pra essas crianças? Eu não era esperta desse jeito.

   -Ahã. Fez sim, pai.- comer já é outra história...

   -Ótimo. Olha, vou demorar ainda aqui no cartório. Á tarde seu irmão tem que fazer uma hora de exercício físico. Leve ele pra andar na ciclovia de bicicleta, patins ou algo assim.

   -Tudo bem. – Concordo.

   Mas já sei que a tarefa é difícil. O Samuca e o sofá já desenvolveram uma simbiose tão forte que acredito que meu irmão vai simplesmente se desfazer quando descolar sua bunda dele.

Mens@gensOnde histórias criam vida. Descubra agora