Prólogo

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Eles eram crianças na primeira vez que se encontraram.

O garoto se lembra da areia quente envolvendo seus pés pequenos e trôpegos, de como o sol parecia tocar sua pele de uma maneira diferente, do sussurro das marés a sua volta, como se o oceano também não entendesse sua chegada a Awa'Atlu. Ele se lembra de ter chorado todo o caminho, assustado com aquela jornada ao desconhecido, e também se lembra de encontrar olhos azuis marejados como os seus, tão tragicamente incomodados por aquele encontro quanto ele. Este foi o primeiro segredo que compartilharam.

A menina à sua frente parecia ter pouco menos de sua idade. Uma criança frágil e assustada. Ela era diferente do que ele imaginava, como todos os demais que o receberam ali: a pele azul mais clara, meio esverdeada, e os olhos azulados. Suas mãos, maiores do que as dele, brincavam com os próprios cachos em nervosismo.

Eles eram jovens demais para entender a importância daquele encontro; mas sentiam-se pesados com a tensão ao redor, da expectativa feroz pela forma com que iriam interagir. Qualquer fala desagradável e um mal presságio estaria escrito.

— Neteyam, esta é Tsireya, segunda filha de Tonowari e Ronal, sua prometida sob os olhos de Eywa. — Era estranho ouvir sua mãe sendo tão formal com ele, nenhum rastro do sorriso gentil que sempre dirigia aos seus filhos. — Quando tiverem a  idade certa, você será um guerreiro poderoso e ela uma formidável Tsahík, e seu laço, assim como o laço dos Metkayina e os Omaticaya, será inquebrável.

Sentindo-se dissecado pelos olhos curiosos, o pequeno Neteyam desajeitadamente fez o sinal de "eu vejo você" para Tsireya. A menina retribuiu, tentando sorrir. Em outra vida, talvez ele perguntasse do que ela gostava de brincar, sua cor favorita, ou por que usava tantas conchas em seu colar. Mas agora, tudo o que ele diz é:

— Farei o meu melhor para honrar os nossos clãs e para honrá-la, futura Tsahík.

Ele espera ter soado confiante o suficiente, respeitoso o suficiente, adulto o suficiente. Pela forma como seu pai sorriu orgulhoso, ele acha que conseguiu.

— E eu farei o possível para que Eywa sempre abençoe nossa união. — ela o saúda.

E então eles conversam até a chegada do eclipse. A partir daqui, são apenas lapsos em sua memória, mas tem certeza de que eram eloquentes e gentis um com o outro, jamais esquecendo de um sorriso polido — e sempre se certificando de que sua dança perfeita estava sendo assistida.

Ele sabe que ela ensaiou suas falas por que ele ensaiou as suas também. Este é o segundo segredo que compartilharam.

Sob os olhos de Eywa (Aonung X Neteyam)Onde histórias criam vida. Descubra agora