Era 23 de agosto de 1966, eu tinha 13 anos. Estava de pé desde as 6 da manhã. Tinha planejado uma despedida para meu amigo de infância, Tobias Adams, do qual se mudaria no dia seguinte para outro estado. Íamos passear em um bosque perto do bairro onde morávamos, era nosso lugar secreto para fugir de nossas realidades. Tomei meu café, ajudei minha mãe com minha irmãzinha e sai ao encontro de Tobias.
Tobias morava apenas a algumas casas da minha, então não demorei para encontrar o garoto em frente sua casa. O sol fazia com que seus olhos castanhos claros se destacassem de sua pele bronzeada. Seus cachos continuavam desajeitados, como sempre, o que me fez abrir um sorriso. Me aproximei do rapaz e o cumprimentei. Não podíamos ter nenhum tipo de contato físico, pois o pai de Tobias era totalmente contra ele dar abraços ou encostar em outros garotos, então apenas acenei para cumprimenta-lo e Tobias retribui o gesto. Ele se vira em direção a porta de sua residência, onde seu pai estava parado e se despede do mais velho para seguirmos com o nosso dia.
Seguimos andando até o bosque, quando estávamos longe o suficiente de qualquer local povoado, Tobias me abraça com toda sua força. Não sou muito de contato físico, nunca sei como reagir a esse tipo de coisa, mas naquele momento, por mais estranho que eu me sentisse, retribui o gesto.
-- Não acredito que irei embora amanhã.. -- Diz ele, me prendendo em seus braços. -- Irei sentir falta de te deixar desconfortável! -- Ele solta uma risadinha e olha em meus olhos.
-- Não sentirei falta disto. -- Dei um pequeno sorriso para o garoto.
Ele me solta e passa o braço em volta do meu pescoço, andando ao meu lado. Ficamos conversando o caminho todo até chegar em um pequeno acampamento improvisado do qual eu e ele fizemos a alguns anos. Ele se senta num tronco deitado ao chão, do qual dizíamos que era nossa mobília. Me sentei no outro tronco, ficando a sua frente e encarei o garoto fazer desenhos na terra com um graveto.
-- Meus pais irão se separar. Minha mãe não irá conosco. -- Ele menciona, mantendo o olhar direcionado ao chão.
-- Eu sinto muito. -- Disse a ele, numa tentativa chula de consola-lo. Eu entendia pelo o que estava passando, meus pais são divorciados desde que tinha 7 anos. -- Sei o quão difícil é.
O garoto dá de ombros e joga o graveto longe, ele se levanta e direciona seus olhos aos meus. Pela primeira vez desde que o conheço, seu olhar era de uma dor inexplicável. Isso fez meu corpo queimar, não entendia o que era... mas era uma sensação agradável.
-- É a vida, as pessoas se separam. Relacionamentos podem ser difíceis e cansativos. Não vou dizer que gosto da decisão deles, mas, contudo.. é melhor do que eles continuarem juntos por minha causa e serem infelizes. -- A voz do garoto pesava como se ele dissesse "a culpa disto é minha."
-- É.. você tem razão. -- Disse ficando de pé também. -- mas não vamos pensar nisto agora.. é sua despedida, vamos nos divertir.
-- Realmente. -- Ele abre um sorriso. -- Já estou pensando o que será de você sem mim aqui.. Não consegues nem mesmo falar com seus vizinhos, quem te ajudará a falar com garotas?!
-- Quem disse que quero falar com garotas?
-- E que garoto não quer? Um dia teremos que arranjar alguém com quem montarmos uma família.
-- Eu passo, obrigado.
-- Hum! Que chato! -- Ele faz beicinho, como uma criança birrenta. -- se não quer isso, o que quer para teu futuro?
Aquela pergunta me pegou, não sabia o que queria, mas sentia que nada do que consideravam "a vida perfeita" me chamava atenção. Não queria construir uma família, nem ter um emprego clichê.. eu apenas queria seguir um rumo diferente dos outros. Quando nao obteve resposta, Tobias seguiu até suas coisas e pegou uma maleta preta, do qual eu já havia visto antes. Ele me entrega a maleta.
-- É para você. Para que não se esqueça de mim. -- ele sorri.
Eu abro a maleta e o que eu imaginava que era, estava lá. Um violino, do qual pertencia a Tobias. Passei meus dedos pelas cordas e olhei para o garoto.
-- Não posso aceitar.. isto é teu.
-- Ora, mas estou a dar-te! É seu agora. Você sabe toca-lo melhor do que eu e meu pai me comprará outro quando chegarmos na nova cidade. Apenas aceite, não tens escolha!
Eu olhei novamente para o instrumento e o tirei da maleta, o posicionando acima de meu ombro e encostando em meu maxilar. Tobias de sentou no mesmo tronco que eu, mas manteve uma certa distância. Respirei fundo e toquei a melodia de "Danse Macabre, Op 40", um poema tonal composto por Camille Saint- Saëns em 1874. Era a música favorita de Tobias, eu havia aprendido para tocar-la para ele.
Ficamos sentados ali o resto do dia, conversando, jogando jogos e relembrando de tudo que havíamos passado juntos em todos esses anos. Em um momento, Tobias deixou algumas lágrimas caírem. Por impulso, o abracei e ficamos deste jeito até a hora de ir para casa. Caminhamos juntos até em casa, onde Tobias e eu fizemos a promessa de sempre escrever para o outro. Fiquei ali parado até o garoto entrar em casa, depois segui para a minha.
Na metade do caminho, me deparei com uma gata, do qual parecia ter parido poucas horas antes, devorando um de seus filhotes. Achei aquilo repugnante. Um sentimento que não soube identificar tomou conta de mim. Vi uma pedra não muito longe, a peguei e levantei, me preparando. Esmaguei a cabeça da gata e fiz o mesmo com os filhotes.
"Por que os filhotes?" Você se pergunta.. Bem, eles não iriam sobreviver de qualquer forma.
Aquilo fez com que eu me sentisse bem. Uma euforia do qual eu não sentia a muito tempo. Voltei para casa com a pedra ensanguentada na mão.. onde a guardei em meu quarto.
No dia seguinte, fui a estação de trem, me despedir de Tobias e seu pai, junto com minha família. Minha mãe me levou para passear depois, para que eu não ficasse muito triste. Comemos doces e sobremesas, passeamos pelo parque e na hora de irmos embora, em um dos becos do local, havia uma multidão de gente ao redor da entrada. Curioso, me aproximei para ver o que era.
Ao passar pelas pessoas, me deparei com o corpo de uma mulher no chão, sem os olhos, com a boca cortada, formando um sorriso até a ponta da orelha e em seu tórax haviam sinais de facadas. O sangue escorria do corpo morto da moça. Fiquei perplexo com aquela imagem, não conseguia parar de olhar. Minha mãe me puxou para longe dali, para que eu não visse mais nada e fomos rapidamente para casa.
Passei o resto do dia pensando no que havia presenciado. Todos estavam horrorizados com o ocorrido, já eu.. não me sentia do mesmo jeito. Me sentei em minha escrivaninha, paguei a caneta e um pote de tinta, junto a um papel e comecei a fazer a primeira carta para Tobias.
"Querido T.A, hoje presenciei algo novo, do qual despertou coisas que desejo entender um pouco mais. Irei sair um pouco da zona de conforto e assim aprender coisas novas. Espero que tenha chegado bem e que consiga se estabilizar logo em sua nova vida. Já sinto falta de suas brincadeiras irritantes."
Ass: E.W
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Na mente de um sociopata
Misterio / SuspensoUma vez me disseram: "Tome cuidado com quem anda, as piores pessoas estão disfarçadas das melhores." Mal sabiam que essa pessoa, seria eu. Meu nome é Edgard William e em 12 de dezembro de 1988, matei meu melhor amigo.. e amante.