1 - Lapa

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Durante muito tempo eu fui uma pessoa mediana com uma vida mediana. Até que aos 13 anos fui pela primeira vez ao Teatro Municipal da minha cidade e me apaixonei pela orquestra.

Pronto, tava decidido! Eu queria aprender música, eu precisava aprender música. Depois de tanto insistir, meu pai me matriculou num curso particular de violão... E, fala sério, violão é muito legal e eu adorava o jeito que a música invadia minha alma, mas ainda não era aquilo que eu procurava. Até que, uma vez, quando eu passava pelo corredor do curso para ir ao banheiro feminino, um som muito agradável invadiu meus ouvidos e tomou conta de mim. Até me esqueci de que estava apertada para ir ao banheiro e saí, feito uma louca, em busca do som que me hipnotizava. Duas salas à esquerda do banheiro feminino se encontrava a sala de piano. Xeque Mate! O som do piano era a droga que viciou minha alma. Era aquilo que eu queria para minha vida.

A partir daí, me recusei a levar uma vida mediana. A música foi o pontapé inicial que eu precisava para me sacudir por dentro, tomar uma atitude e sair da minha zona de conforto.

Agora sim, tava decidido... Não antes, como eu imaginava, mas agora sim eu sabia o que eu queria: ser uma pianista do Teatro Municipal. Não do Teatro Municipal da minha cidadezinha monótona e conformada. Não, de jeito nenhum! Pianista do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Sempre ouvi falar que o Teatro Municipal do Rio de Janeiro foi inspirado na Ópera Garnier de Paris... Oh là là, será mesmo verdade? Mas, não era isso que importava. O que importava é que se quisesse chegar tão longe – fosse no Rio ou em Paris – eu teria que me dedicar... E muito!

Aos 14 anos falei para papai que não queria mais saber de violão, que meu lance era aprender piano. Papai concordou em me colocar nas aulas de piano, até porque ele achou que eu fosse enjoar rapidamente, assim como enjoei do violão. Que tolo! Haha. Ok, enjoei do violão, mas isso foi só porque eu ainda não sabia o que queria da vida. Com o piano era diferente, era paixão à primeira nota.

Meu pai disse que nunca viu ninguém se dedicar tanto a alguma coisa quanto eu me dedicava à música... E é aí que entra o drama, rs. Lembra que eu falei que queria ser pianista do Teatro Municipal? Então, eu não estava brincando. Durante 5 anos me dediquei ao piano mais do que tudo. Calejei meus dedos de tanto tocar. Ensaiava todos os dias e chorava, jogava as partituras pelo chão e sofria de verdade toda vez que eu errava alguma sinfonia. Poxa, para entrar no Municipal eu teria que ser uma das melhores... E teria que me mudar para o Rio, claro.

Lembra que eu falei que houve drama? Então, meu pai fez o tal drama, quando eu o comuniquei que prestaria vestibular para a Escola de Música da UFRJ. Ele virou uma fera e ficou lançando palavras muito feias, muitas das quais nem vale a pena repetir. Mas só para você ter uma noção, ele disse coisas do tipo: "Eu me sacrifiquei a vida inteira para te dar uma criação decente e você me retribui assim? Música? Fala sério, Aline, música não vai te levar a lugar algum! Você vai morrer de fome... ou de decepção... ou vai ME matar de decepção! Em todo caso, é bem possível que você nem seja aprovada. Como uma menina como você acha que pode concorrer contra pessoas da cidade grande? Sinceramente, Aline, faça da sua vida o que você quiser, só não se arrependa e volte com o rabinho entre as pernas".

Resumindo, foi isso o que meu próprio pai me disse. Eu disse que não valia a pena reproduzir. Mas, sério, o que ele achava que eu queria com toda aquela dedicação aos ensaios, com toda aquela vontade de tocar perfeitamente? Enfim, apesar disso, eu juntei meus caquinhos e me inscrevi no vestibular assim mesmo. Se eu teria chance ou não, isso seria um problema para mais adiante. Agora, eu não teria chance alguma se não me inscrevesse. Então, tomei uma atitude.

E fui aprovada.

Minha nossa! É sério?! Nem eu acreditei ao ver meu nome na lista dos aprovados. Putz, meu Deus do céu! Agora era definitivo: eu iria estudar música na UFRJ.

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