Vidas Cruzadas

2 - Lisboa

Há uma gelataria na Rua do Carmo que vende o tal do "melhor bolo de chocolate do mundo". Mas que petulância, não? Autodenominar seu bolo de chocolate de o melhor do mundo? Eu andava mesmo a refletir sobre isso quando cruzei a esquina dos Armazéns do Chiado e resolvi entrar na tal gelataria, que por sinal é uma loja muito agradável, com suas mesas redondas brancas e poltronas confortáveis com o acolchoado vermelho. O ambiente era muito atrativo e agradável, mas não significava que o tal bolo fosse o melhor do mundo por causa do design da loja. Fui até o caixa, cuja funcionária, que vestia um uniforme muito bonitinho nas cores padrões da loja, me atendeu sorrindo. Ela disse: "Bom dia, senhora. Seja bem-vinda à nossa gelataria. Em que posso ajudá-la?"

- Eu gostaria de uma fatia do melhor bolo de chocolate do mundo. Esse bolo tem dado o que falar. Ele é tão gostoso quanto dizem?

- Ele é a nossa especialidade, senhora. Tenho certeza de que não se arrependerá.

- Pois bem. Dá-me uma fatia então - eu respondi sorrindo, para retribuir a gentileza da funcionária.

Ela entrou na cozinha e voltou trazendo um prato todo decorado com uma generosa fatia de bolo. Realmente a apresentação do bolo era muito atraente: três camadas de massa de chocolate separadas por algum tipo de recheio super cremoso que escorria pelas bordas e  coberto com calda de chocolate e pedaços de nozes. Fiquei com água na boca se de olhar.

Sentei numa mesinha de canto, próxima à entrada da loja que ficava de frente para a loja do Nespresso (muito convidativa por sinal. Aliás, todas as lojas do Chiado tinham esse aspecto convidativo em comum) e finalmente pude saborear o bolo. Fico feliz em dizer que gostei de todos os sabores que senti: o tal recheio cremoso era uma espécie de ganache de chocolate com avelãs, baunilha e pimenta doce. Não sei se tinha mais algum segredo nesse recheio, mas esses foram os sabores que eu identifiquei. A massa de chocolate era bem leve e dava pra sentir o gosto marcante do cacau de boa qualidade. A calda era quente e as nozes estavam bem crocantes. O que posso dizer? Era um ótimo bolo de chocolate. Mas não tanto assim para ser considerado o melhor bolo de chocolate do mundo... E sinceramente, sem querer ser petulante, nem recalcada, não duvido nada de que eu possa fazer um bolo melhor do que esse. Sempre fui uma ótima confeiteira e aprendi desde menina com a minha avó a pôr capricho, dedicação e amor em cada receita desenvolvida.

Eu estava a juntar dinheiro há algum tempo, pois já tinha a ideia de ser uma pequena empreendedora. Mas essas visitas constantes ao Chiado me fizeram juntar as pecinhas que faltavam no meu quebra-cabeça. Reuni algumas informações sobre negócios, receitas, estratégias de marketing e também a coragem que seria necessária para mergulhar de cabeça no meu sonho. E, finalmente, tirei do papel a Leituras e Bolinhos, minha confeitaria/cafeteria inspirada nas histórias do chá da tarde da Alice no país das maravilhas e que também tinha um espaço todo dedicado aos amantes da literatura

A loja não era muito grande, mas tinha um tamanho confortável. A cozinha era bem equipada, o balcão expositor era bem extenso e o marceneiro fez um excelente mostruário de bolos. A "Sala do chá" tinha um piso de porcelanato branco o e papel de parede com estampas do chá da Alice. A sala foi decorada com cinco mesinhas redondas brancas rodeadas por cadeiras azuis. O "Cantinho da Leitura", que foi inspirado na biblioteca do filme A Bela e a Fera, continha uma estante branca de madeira não muito alta, porém extensa de um lado à outro da parede, o chão era coberto com tapetes macios e havia poltronas confortáveis com pequenas mesinhas ao lado onde as pessoas poderiam ler um livro enquanto tomavam um bom café. A fachada da loja era branca com letreiro moderno e luminoso. E foi isso o que eu consegui fazer com as minhas economias e com um empréstimo do banco. Não era muito, mas era minha realização pessoal! Meus planos sempre foram oferecer um serviço simples, parecido com o lanche da tarde bem gostoso que a gente toma na casa da avó, e conquistar o cliente pela qualidade.