você amava limões e minha bebida favorita na infância era limonada.

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Meu desejo de escrever os sentimentos começou com você, e não era à toa que não tinha a mínima ideia do que estava fazendo. Queria que fosse algo bonito à sua altura, mas éramos tão novas, tão diferentes, e eu fui tão ruim que meus defeitos transbordaram pelos dedos. No atual ponto da vida não lembrava mais que você que me mostrou o que foi meu conto favorito por muito tempo. Minhas últimas memórias se perderam em um celular quebrado e uma garota irreconhecível que tentava me converter à sua religião. É tão triste lembrar. Comigo os amores sempre são tristes de lembrar. E você era tão linda e leve que me pesava, pesava antes mesmo de fazer alguma força contra mim.

Ouvir sua voz em meio ao pôr do sol me era uma alegria de fazer o coração borbulhar, porque de todas as minhas quase nulas amizades eu tinha você, boa demais para ser real, eu não te merecia. Sua alegria era contagiante demais para minha mente sempre exausta e sua tristeza veio em péssima hora para uma garota de quatorze anos sem um pingo de responsabilidade emocional que acreditava saber de todas as coisas. O meu perdão da época não foi suficiente, nunca foi e você sabe, mas o que ficou para trás não poderá ser recuperado.

Nossas conversas vespertinas sobre sonhos me acalentavam de uma forma inexplicável, porque quando sua energia não drenava completamente a minha, você era a melhor pessoa do mundo. Ouvir e contar os míseros detalhes de cada fantasia, história e lugar que nos servia de morada só me fez perceber que abusar da imagem de qualquer artista que gostávamos em comum não faria sentido algum, porque era sobre nós, e sempre foi somente sobre nós.

Cercadas pelas plantações de algodão dos vídeos que te ajudavam a dormir, a vida era mais fácil quando nossos cabelos ondulados voavam ao vento e escolher uma estética para os perfis de redes sociais bastava para ser feliz para sempre. Não sei quando minha mente desandou e se cansou da sua monotonia de falar de garotos mais velhos que não tinham nada a ver comigo, ou mesmo de não parecer mais se interessar pelos mesmos assuntos que eu e nem suas palavras favoritas sobre mel que escorre na boca fazerem mais efeito. Quando vi, me tornei exatamente aquilo que com tanto fervor repudiei quando te conheci, era mais alguém que, de certa forma, te rejeitava. Ironicamente, eu me sentia rejeitada também.

Ambas acreditávamos muito em magia e nos mistérios do universo e do destino, naquela época o sentimento era puro, nenhum garoto ruim nos tinha submetido àquilo para conseguir algo sujo em troca, e por isso me entristeço tanto ao lembrar o quanto nos dávamos bem. A verdade é que eu era louquinha para encontrar teus lábios nos meus, e você nem desconfiava! No fim das contas nem sei mais se seu amor por mulheres se deu até o fim ou se também acredita agora que isso leve ao inferno ou algo do tipo, e você nunca soube que eu não sou mulher mas isso também não é mais importante.

Em um instante sei que acabei indo para muito longe e já não te reconhecia mais. Seus próprios gostos e características pareceram de repente demonizados por si própria, pelo menos tenho o consolo de que Deus te deu o auxílio que eu em minha pequenez nunca consegui. E você me deixou cada vez menor, eu que já não era nada perto de você, recuando até as paredes porque passo mal sempre que vou à igreja e não é algo que eu possa controlar. A fé não é maléfica desde que não seja enfiada goela abaixo. E o seu perdão da época não foi suficiente, espero que você saiba também.

A vida não dá intervalos para remoer situações do passado, mas me pergunto como você está. Seus olhos certamente continuam brilhantes e oceânicos, será que tirou o aparelho? Eu tirei o meu, e também cortei o cabelo, mas você não gostaria dele assim. Talvez tivesse gostado da época das mechas vermelhas se tivesse presenciado, talvez das cor-de-rosa, quem sabe. O que me faz delirar é continuar com a impressão de que ainda vou te encontrar em alguma praia do Espírito Santo, ver sua mãe nas escolinhas que ela dava aula e fingir ser mulher por uns dias só para sair da rotina. Acredito pelo meu coração que você tenha melhorado sem fundamento algum, talvez porque acho que melhorei, mas você não precisa acreditar nisso.

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escrito dia  22/01/23
para alguém que nunca vai ler.

REBECAOnde histórias criam vida. Descubra agora