em nome de deus

3.4K 191 1.1K
                                    

A manhã no Rio de Janeiro era de sol.

No quarto do músico, um violão e algumas folhas rabiscadas sobre a cama denunciavam a insônia da noite.

Pela janela, alguns raios de luz entravam e iluminavam o cômodo escuro. Ao lado da cama, um copo vazio fazia par com uma garrafa de whisky pela metade.

Nero havia passado a noite em claro. Não sabia se o impulso criativo era a causa ou uma consequência da insônia, mas o abraçou de bom grado. O resultado? Uma letra sem melodia definida ㅡ que seria entregue nas mãos de Antonio ㅡ, mas com muito potencial para ser uma das melhores do álbum.

Ao sair do banho, com a toalha enrolada na cintura, Nero cantarolava alguns trechos:

Quero encontrar um amor / que tenha um ar diferente do meu / que seja um canal aberto pro céu... ㅡ O seu tom de voz era grave e rouco pelo horário. ㅡ E sempre na geladeira um vinho de primeira, roubado da adega de Deus...

Enquanto arrumava o cabelo do seu jeito meio desajeitado, Nero resgatou as lembranças do fim da tarde do dia anterior.

Antes de repassar novamente (talvez pela trigésima vez) cada detalhe da ligação, olhou para baixo e riu de si mesmo ao perceber o volume já aparente na toalha.

Sem muito esforço, sentia quase ser capaz de ouvir os gemidos e suspiros dela em seu ouvido outra vez. E para além de sentir, ele imaginava. Imaginava o cheiro e a textura da sua pele cuidadosamente bronzeada e a sensação de ter os fios dos seus longos cabelos enrolados em suas mãos.

Imaginava os macios lábios dela deslizando pelos seus, famintos por um beijo desde o primeiro encontro no Carioca. Imaginava, sobretudo, poder conversar com ela. Sem pressa, atropelamentos ou incertezas.

Não que fosse possível, claro, porque a vida é isso: pressa, atropelamentos e incertezas.

Mas, como um bom sonhador, ele sonhava.

Queria conhecê-la, compor sobre e para ela.

Com os braços apoiados na pia, Nero abriu os olhos e respirou fundo, tentando se recuperar. Olhou-se no espelho e jogou a cabeça para trás, na intenção de enviar para longe os pensamentos que o excitavam já ao amanhecer.

Sobre os lençóis bagunçados, o livro tantas vezes lido, A paixão segundo G.H., enfeitava a cama, aberto em uma página específica e com um trecho destacado:

"Terei toda a aparência de quem falhou. E só eu saberei se foi a falha necessária."

.

Com o olhar perdido no movimento das cortinas do quarto, Giovanna girava a aliança de ouro no próprio dedo. Não sabia em que momento o sol havia aparecido, mas supunha que há pouco, visto que Leonardo ainda dormia ao seu lado.

Sem querer esperar o anúncio do despertador, Giovanna se levantou e olhou para o homem deitado na cama.

Ela não sabia o que ainda sentia por ele, mas sabia que não era amor.

Caminhou até o banheiro, olhou-se no espelho e fez uma careta. Não estava disposta a viver o dia que se apresentava.

Entrou no banho e suspirou de alívio ao sentir a água deslizar pelo seu corpo, relaxando-o. Passou as mãos pelos cabelos e jogou a cabeça para trás, encostando-a na parede do banheiro.

Não sentia culpa pelo que passou, mas insegurança.

"Não nos encontraremos", pensou.

Apesar de dedicar parte do seu tempo a se auto enganar sobre as intenções que a levaram à ligação o dia anterior, Giovanna não conseguia deixar de lado a lembrança da voz dele.

magia pura | gnOnde histórias criam vida. Descubra agora