Prólogo

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N.A: olá ! Somente uns avisos antes de começarmos a leitura: 1.Nesta história Jules Bianchi morreu em 2019 e não em 2015, o que altera alguns fatos da realidade na carreira dos meninos.
2.Marie é uma mulher negra, mas ainda não apresentei características dela. Isso vai acontecendo ao decorrer da história.
3. Em alguns capítulos haverá insinuações de sexo, luto, abusos e outros tópicos que poderá dar gatilhos a quem lê, porém irei sempre colocar o aviso antes de começar a história.
Sem mais avisos! Aproveitem e boa leitura! :)
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Aviso: Menção a morte de Jules e problemas em lidar com o luto.

19 de Abril de 2019- Monte Carlo, Mônaco.

Puxar o ar. Um, dois, três. Soltar.
Puxar o ar. Um, dois, três. Soltar.
Puxar o ar. Um, dois, três. Soltar.
Puxar o ar. Não chorar. Um, dois, três. Soltar.
Puxar o ar. Não chora, porra! Um, dois, três. Soltar.
Puxar o ar. Acorda Marie. Um, dois, três. Soltar.
Puxar. Por favor acorda, por favor. Um, dois, três. Soltar.

-Marie?- Ouvir a voz de Charles faz com que eu eu me perca no passo a passo. - Nós precisamos entrar. - Ele diz.  Estou de costas para ele. Não quero olhar para ele. Não quero que a primeira imagem que eu tenha dele seja de preto, em uma igreja. No velório de um dos nossos melhores amigos.

Puxar o ar. Não chorar. Não olhar para o meu ex namorado. Acordar desse pesadelo horrível. Soltar.

-Querida, vamos. Temos que fazer isso por ele.- Ele toca meu ombro.

Frio. A mão de Charles está fria sobre o meu ombro. Fria demais. Fria como um cadáver. Fria como Jules.

Eu não estou de casaco? Por quê eu não estou de casaco? Não lembro de ter posto um. Inferno, eu esqueci de por um casaco antes de sair de casa.

-Eu esqueci de por um casaco. - E é o que eu digo. A primeira coisa que eu digo para o meu ex namorado depois de seis meses sem se ver. É o que eu digo para Charles, em frente à igreja, onde será velado o corpo do nosso melhor amigo.

Charles não diz nada. Ele retira sua mão do meu ombro. Posso sentir e ouvir a sua movimentação atrás de mim e em poucos segundos depois, o calor do seu paletó me aquece.

-Está melhor agora?- Ele pergunta. Mas não está melhor. Eu preciso do meu casaco.

-Eu preciso ir para casa pegar o meu casaco. - Eu digo.

-Fique com o meu, Marie. - Ele diz. Voz tensa e cansada.

Mas eu não quero.  Não quero aceitar esse paletó. Quero ir para casa e pegar meu casaco.

-Não. - Eu repito. - Quero o meu casaco. Não quero o seu paletó. Preciso ir para casa pegar o meu casaco, Charles. - Eu me viro para ele. 

E lá estava: A sombra de um homem que um dia eu amei e ainda amo. Quebrado. Sem vida. Quem   olhasse para ele agora poderia jurar que é ele quem seria enterrado hoje.

Os olhos verdes, sem vida, sem esperança. Apenas cansados, exaustos.  Eu o odiava agora. Odiava ter que olhar para ele assim. Vê-lo acabado. Eu não estou acostumada a isso. Não estou acostumada a esquecer meu casaco. Não estou acostumada a perder amigos nem a enterrá-los.

-Marie...- Ele respira fundo. - Não faça isso, por favor. Vamos entrar. Eles precisam da gente. - Os olhos sem vida brilham em lágrimas.

O meu coração aperta. Não quero sentir isso agora.

Puxar. Um, dois, três. Soltar.

-Não quero entrar lá sem o meu casaco, Charles. - Dói.

-Eu sei. Mas você precisa entrar lá, Marie. - Ele diz. - Você precisa entrar lá comigo.- a voz dele está baixa. - Você precisa entrar lá comigo, porque eu não posso fazer isso sem você. Eu preciso de você agora, Marie. Por favor, por favor, por favor. - E ele chora.

A sombra do homem que eu amo, chora. E eu choro também. Porque dói. E dói porque está errado. Está errado porque eu não deveria usar o paletó do meu ex namorado. Está errado porque eu não deveria ter esquecido o meu casaco. Está errado porquê nós não deveríamos nos encontrar aqui. Está errado porque não deveríamos estar aqui. Está errado porque não deveríamos enterrar nosso melhor amigo. Está errado porque Jules não deveria ter morrido.

Nós não deveríamos  entrar no funeral de Jules, mas nós entramos mesmo assim. De mãos dadas. De almas pesadas e corações partidos. Eu e a sombra do homem que eu amo. Nós dois. Duas sombras do que costumávamos ser.

A mão de Charles continua fria, mesmo entrelaçada com a minha. O corpo dele treme, lentamente mas o suficiente para ser perceptível para aqueles que prestam muito atenção.

Os nossos passos são pesados pelo corredor da igreja. Há correntes invisíveis com bolas de chumbo nas pontas, que não nos permite caminhar mais rapidamente. E há mãos invisíveis pressionando nossas cabeças para baixo para não sermos capazes de erguer nossos olhares para frente. 

Nós paramos em frente aos poucos degraus que nos separam do caixão. Eu olho para Charles, Charles olha para mim. Ambos trajando luto. Ele assente para mim e eu aperto sua mão.  Subimos um degrau de cada vez. Devagar, sem pressa. Com muito medo de tudo ser real demais. De termos que nos despedir tão cedo.

-Vocês vieram. - A voz de Christine se fez presente atrás de nós.

Paramos de subir e nos encaramos, Charles e eu. Charles com seus olhos mortos cheios de lágrimas e eu com o coração apertado demais.

Viramos para trás, nossas mãos rapidamente se separando e se juntando novamente com o movimento. 

Christine está lá. Também trajada de luto. Sem vida e sem o coração que provavelmente esta dentro do caixão junto com o corpo sem vida de seu filho.

Eu queria poder falar alguma palavra de conforto para ela. Mas como tentar confortar uma mulher sem coração? Meus pêsames? Meus sentimentos? Tudo isso parece sem sentido nenhum agora. Parece vazio demais.

Charles pigarreia. O aperto na minha mão fica mais forte.

-Nós sentimos muito, Christine. - A voz dele soa ainda mais quebrada.

Eu apenas a encaro. Ali parada na minha frente, trajando aquele luto pesado que aquecia sua carne, mas deixava sua alma tão fria quanto a mão do meu ex namorado. Ela agradece as saudações de Charles e me encara. Os olhos tão inchados de chorar.

Sei  que dói para ela nos ver aqui tão vivos enquanto o corpo do filho dela está aos poucos se definhando naquele caixão.  Sei que passa pela cabeça dela o quanto isso é injusto. O quão errado é o filho dela que sempre lutou para nos manter juntos, ser o único a não estar aqui agora.

Ela continua me encarando, esperando. Mas eu continuo com a boca fechada e vazia, assim como todo o resto de mim . Passam-se minutos e nós duas nos encaramos com a dor. Eu queria dizer-lhe as mais belas palavras, porém agora, eu só consigo pensar nas mais feias e cruéis, porque nada disso é bonito. É horrível e cru.

Ela sobe alguns degraus, parando apenas um abaixo de onde estamos. Sua estatura alta nos deixando do mesmo tamanho. Ela estica a mão e pega na minha  que está livre do aperto de Charles. Então sem mais nenhuma palavra, ela me puxa em sua direção e me abraça. Eu a abraço de volta e puxo Charles para que se junte a nós. Não houve palavras. Apenas dor e luto.

Uma Família de Três (CL 16)Onde histórias criam vida. Descubra agora