Sonhos Inflamáveis

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notas:

não fumem, crianças!

essa história foi escrita pro desafio #fobiaoutboy22  

playlist: https://cutt.ly/YZABfbS

essa história faz parte da saga spiritverse, você pode acompanhar (e entender melhor caso não tenha lido a 1ª história) aqui: https://cutt.ly/c9H39cC

boa leitura!

Heeseung tinha os dedos cansados e Jake estava estressado

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Heeseung tinha os dedos cansados e Jake estava estressado.

— Você faz parecer tão mais difícil do que é. — O sotaque do australiano soa ainda mais forte com a reclamação.

Heeseung engole em seco, Jake parecia tão gostoso quando estava bravo. Mas aquilo não era momento pra isso, Volta pra terra Heeseung!, pensa.

— É difícil. — Retruca.

— E o que não é? — Acende (mais) um cigarro e suspira. — A gente pode continuar outra hora, já tô vendo que hoje não vai dar em nada.

Heeseung sente uma pontada de culpa. Tocar guitarra não era fácil, não pra ele. Jake deslizava os dedos pelas cordinhas como se fosse a porra de um anjo tocando harpa, fazia parecer tão fácil. Mas assim que o instrumento decrépito (pedindo ajuda, implorando para que ele comprasse um novo) ia parar em suas mãos, ele sentia como se as articulações dos dedos enrijecessem e aquela merda ficava tão difícil de tocar. Ele era o pior guitarrista do mundo, com toda certeza, e os esforços de Jake para o ensinar lhe davam um pouco de dó. Ele queria poder ajudar mais, se dedicar mais (mais por Jake do que por si mesmo ou pela banda).

— Desculpa por ser o pior guitarrista do mundo.

— Você podia pelo menos tentar.

Podia, mas não ia. Não hoje.

Heeseung rouba o cigarro dos dedos de Jake e dá uma tragada, posteriormente devolvendo ao dono. Massageou as têmporas quando lembrou que havia perdido um ensaio da banda, imaginando as ligações perdidas e as mensagens repletas de mau humor de Jay que deveriam estar em seu celular.

Um, dois, mil e um ensaios, que os amigos o perdoassem, mas ele perderia quantos ensaios fossem precisos para estar ali com Jake. Mesmo que Jake se estressasse quando ele cometia os mesmos erros mais vezes do que podia contar. Mesmo que ele não aprendesse porra nenhuma no final das contas. Só estar ali com ele já valia a pena, mesmo nos momentos agridoces.

Jake era um professor atencioso, explicava tão bem que Heeseung conseguiria compreender até as baboseiras de física que ele se metia a falar de vez em quando. Heeseung gostava, especialmente, quando Jake o abraçava por trás e o ensinava os acordes. Gostava quando ele cantarolava os acordes e as notas em seu ouvido. Essa era a parte doce.

A parte amarga era que ele era um bosta tocando e mesmo com tudo isso, toda a atenção de Jake, toda a dedicação do professor-namorado, ele continuava errando absolutamente tudo. E Heeseung tava de boa com isso, o que machucava era foder com as expectativas do loiro-desbotado.

Mas mesmo isso terminava de um jeito bom. Depois de controlar a raiva Jake dava um jeito de consolar Heeseung. Isto é, porque ele achava que suas críticas nem tão doces afetavam ele e deixavam o garoto cabisbaixo. Heeseung não dizia nada, gostava de ser mimado e não queria parecer um gado que só se importava com o namorado.

Os dois eram uma bagunça do caralho, cada um do seu jeito mentalmente instável de ser. Jake e Heeseung eram como gin e querosene; um mais inflamável que o outro. Bastaria apenas um fósforo, uma faísca, e tudo pegaria fogo. Faísca essa sempre próxima demais, geralmente na ponta da língua, pendendo na boca e com gosto forte de câncer ou câncer-mentolado — porque Heeseung gostava mais dos cigarros com sabores.

E eram nesses momentos agridoces (e nos amargos, e nos doces, eles abusavam daquilo, sabiam) que a faísca se tornava acesa, que o isqueiro acendia um, dois ou três. Tomariam mais tarde bronca dos pais de Jake — porque os Sim ainda não aceitavam que o garoto tinha 20 e não 16 — por fumar com a janela fechada, e dos psicólogos, provavelmente. Um dia iriam parar, juravam todas as vezes. E iam, uma vez que descobrissem que na farmácia da esquina vendiam adesivos de nicotina.

Só que, tirando a parte dos cigarros, os dois se ajudavam a melhorar. As duas chaminés sempre se provavam ser perfeitos um para o outro, pelo menos o quão perfeito um rockeiro pútrido por dentro poderia ser para um outro rockeiro pútrido por dentro. Do jeito perfeito que duas substâncias inflamáveis se completavam, apenas esperando o momento certo do incêndio.

Quando o cigarro terminou e Heeseung saiu da nuvem esfumaçada de pensamentos intermináveis, tão densos que ele teve que abrir a janela pra ventilar, eles se sentiam melhores. Talvez mais fadados ao futuro, mas um tiquinho melhores.

Se jogaram na cama, um ao lado do outro, de mãos dadas. Jake colocou alguma música de rockeiro decrépito pra tocar e Heeseung cantou junto do alto falante do celular (surpreendentemente potente). A playlist continuou e os pensamentos de Heeseung voltaram a flutuar, sem fumaça dessa vez.

— Não quer entrar na banda? Fala sério, Jake, você toca bem pra caralho e eu não aguento mais olhar pra uma guitarra. — Quando deu por si, falou.

— Prefiro meu lugar de groupie.

Heeseung levantou o torso, o encarando diretamente.

— Tá brincando com a minha cara, né? Se você tocar aquela merda, eu vou poder só cantar!

— E eu não vou poder mais andar de skate na pracinha pra ir nos ensaios, nem assistir os festivaiszinhos de merda da plateia, nem puxar briga com ninguém pra não sair fodido e prejudicar o resto da banda. Tem responsabilidades que eu sei que eu não consigo arcar. — Heeseung continuava com os olhos incrédulos. — Eu tenho medo da Kazuha, porra!

— Caralho... — Deitou de novo. — Prefere me deixar me fodendo tocando guitarra. Tá, ela é assustadora quando tá brava, mas...

— Tá bom, eu toco essa merda! — Heeseung sorriu, Jake sempre cedia pela pressão. — Mas você quem vai falar com ela.

— Se eu apresentasse um papagaio como guitarrista ela ia aceitar. — Eles riram. — Qualquer um seria melhor, ela só não fala isso porque acha que vai me machucar. Mas sendo você, aí sim ela vai endoidar. Quem sabe a gente não consiga tocar até no festival da cidade vizinha agora...

E os sonhos flutuaram alto pela cabeça de Heeseung, sonhos com a banda, sonhos com Jake... Sonhos feito gin e querosene, esperando apenas uma faísca pra queimar.

Gin e QueroseneOnde histórias criam vida. Descubra agora