- Kyra? Está tudo bem? - Ela dizia balançando as mãos à minha frente. Ela, Dona Elizabeth, a única pessoa que tenho, que sei que me ama e que irá cuidar de mim até quando puder. Dona Elizabeth cuida de mim desde que... bom, desde quando cheguei em algum lugar em que ela pôde fazer tudo isso que faz por mim. Essa parte da minha vida é bem vaga, confesso. Mas ela é uma senhora confiável, tem lá seus 72 anos e cuida de mim como uma filha que nunca teve. -
- Quer seus antipsicóticos? - continuou -.
- Não, obrigada vovó Beth.
Seus olhos claros encaravam os meus tristes. Tristes porque era volta às aulas, depois de longas férias eu teria de novo que ir para aquele colégio com pessoas estranhas, não estranhas como eu, estranhas como o resto da sociedade.
Pessoas sujas, que mentem, que magoam as outras, não entendo como elas que tem a vida perfeitamente normal fazem isso consigo mesmas. Mas talvez eu esteja apenas sendo egoísta por não enxergar os reais problemas delas, só por ter os meus, - que podem ser piores - não quer dizer que as outras pessoas não tenham.
- Suas coisas estão na sala, se apronte e desça, vou preparar o café da manhã. - seus lábios tocaram minha testa como que num até logo -
Entrei no banho e senti a água que sempre nos teus primeiros pingos me arrepiavam com a temperatura baixa. Meus olhos se viraram para um pequeno espelho que havia ali no pequeno banheiro do meu quarto.
Não vi aquela menina de olhos vivos, como esmeraldas, verdes por natureza. Não vi aqueles cabelos escuros como ébano, aquelas madeixas onduladas hoje já não eram tão definidas, mas mesmo assim, posso ter a consciência de que sou uma moça bonita.
Eu pareço mais madura para minha idade, 16, acho que por ser bem "vivida" tenho essa aparência. Depois de 4 anos desde a morte de minha mãe, não fiz questão de festas de aniversário, afinal, mal tinha amigos, me tornei fechada, não tinha mais graça compartilhar momentos felizes, e eu nem tinha mais momentos felizes mesmo...
[...]
Depois do café da manhã tomado, peguei meus pertences, materiais e segui para me despedir de Elizabeth. Ela sempre me dava um beijo na testa e dizia "vá com Deus". Eu não sei se Deus me acompanhava, se sim, era uma companhia meio inútil, eu não me sentia melhor depois daquela mesma frase - se era esse o efeito que deveria fazer -.
Como sempre ela disse as mesmas palavras e me beijou na testa.
Caminhei para o ponto de ônibus. Logo quando me aproximava recebi um aceno de Scott, um garoto que conheci esse ano no colégio, desde então andávamos sempre juntos.
Ele era bonito, admito. Branco, cabelos castanhos claros jogados para o lado, olhos escuros e usava uns óculos que lhe deixavam com aquela cara do típico nerd irresistível, também era muito magro. Era sempre muito gentil comigo, não sei se ele queria algo mas sempre era amável.
- Gostei do cabelo bagunçado, te dá um ar... digamos estiloso -riu irônico e fiz o mesmo-.
- Muito engraçado, levanta logo daí que o ônibus tá chegando.
[...]
Chegamos na escola e entramos na sala de aula, sentamos juntos nas carteiras da frente, assim não corria riscos de perturbação no fundo, essa era minha tática.
Logo Abigail entra com Madison, Abigail era a rainha da escola, sempre pisava em quem à desrespeitava, era a patricinha, aquela que todas odeiam mas não fazem nada à respeito. Madison era sua companheira, sua empregada na verdade, mas acho que ela faria tudo para continuar na cola da realeza.
O professor entra e logo atrás um rapaz que não conhecia. Aluno novo? Já na metade do ano?
Ele não foi apresentado, o que era bem estranho porque todos se apresentam, são quase obrigados. Ele apenas seguiu para o fundo da sala e se sentou de uma forma desleixada.
Era atraente, não minto. Alto e magro, pele bem pálida e cabelos bem escuros, um pouco mais que os meus, eram bagunçados de uma forma... digamos estilosa, não como o meu que era um bagunçado de falta de tempo, tinha os olhos em um tom verde frio. Com certeza era mais velho que todos, seu jeito não negava, nem sua barba mal feita.
Olhei para onde ele tinha sentado e um choque percorreu meu corpo. Nossos olhares se encontraram, mas não foi nada agradável. Tudo que se encontrava em perfeita paz em minha cabeça se revoltou, vozes e imagens novas apareceram me deixando em desespero.
O que havia acontecido? Não era normal com certeza.
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Delirium
HorrorNunca me viram como uma garota normal, eles estavam errados quanto à essas impressões precipitadas sobre mim. As coisas que via e ouvia não me deixavam em paz. Assim, eu realmente não conseguia ser normal. Mas eu juro que tentei. As imagens e voze...