Cloe parou e encarou o garoto que agora possuía um corpo mais humano e a forma menos borrada. Almas nunca tinham a aparência de seus corpos mortais, só quando eram libertadas, então, a alma teria a mesma aparência de seu corpo humano, só que mais clara.
Cloe viu que ele se levantava e olhava assustado para todos os lados. Viu uma família gritar, a mãe tapar os olhos das crianças com as mãos e sair correndo. Então, ela decidiu ajudar o pobre coitado que acabara de morrer.
- Olá. - ela disse.
- Oi. - ele respondeu com cara e tom de confusão. - Sabe me dizer o que está acontecendo?
Cloe deu uma risadinha. Ele não havia notado o que estava acontecendo. A menina já estava acostumada a ver almas perdidas como aquela, mas era sempre engraçado. Todos morriam, mas não aceitavam. Quando vivos, são ensinados de que a única coisa certa na vida é a morte, mas nunca estão preparados para ela.
- Você morreu. - Cloe respondeu com um pequeno sorriso no rosto. - Não prestou atenção quando atravessou a rua e foi atropelado por um caminhão.
Ela apontou para a rua, onde um grande caminhão ainda arrastava o corpo do garoto. Era apenas um borrão preto sem alma, mas era óbvio que era ele.
Cloe olhou novamente para o garoto. Sua expressão era de dor. Algo agonizante no peito.
- Está ficando roxo. Melhor se controlar. - ela disse.
- Não. Não pode ser verdade. Isso é algum tipo de pegadinha. - ele disse rindo. - Não posso estar morto.
- Sabe, geralmente as pessoas fazem mais perguntas quando digo que estão mortas. - Cloe respondeu.
- Certo. - ele parou e olhou para ela. Bem no fundo de seus olhos azul escuros. - O que está acontecendo? Isso é um sonho?
Ele ainda mantinha a calma. Cloe se impressionou. Não era sempre que eles se controlavam. Na verdade, nunca se controlavam. Sempre gritavam com ela dizendo que " estava louca" ou que "ela queria alguma coisa", mas nunca era nada disso. Cloe só queria levá - los para... um lugar melhor.
- Pode ser um sonho, pode não ser. - Cloe disse enquanto se sentava na calçada. - Você mesmo viu o corpo, o caminhão e aquela família não gritou por causa da porra de um pássaro. - sons de sirene ecoaram pela cidade, bem perto de onde eles estavam. - E que comece a brincadeira. Polícia, ambulância, bla bla bla. É sempre a mesma coisa. Não vai adiantar. O que podem fazer? Te dar flores? Bem, é tecnicamente o que vão fazer.
O rosto do garoto começou a mostrar que não estava contente por Cloe estar fazendo piadas as suas custas.
- Quem é você? - ele perguntou, ainda parado no meio da rua enquanto a encarava.
- Posso ser considerada muitas coisas. Um anjo, um demônio, uma simples viajante só de passagem. Tanto faz, já possuí muitos títulos. - Cloe respondeu.
- Qual é o seu título atual? - ele perguntou.
Foi a pergunta mais inteligente que Cloe já havia visto uma alma fazer.
- Sou uma guardiã. Sua guardiã, mais precisamente. - ela disse.
O menino a olhou de cima a baixo. Hoje Cloe estava usando suas roupas mais confortáveis. Calça jeans preta, blusa branca, jaqueta de couro preta e botas. Ele pareceu impressionado.
- Sim, eu uso roupas comuns para caralho para quem também está morta.
Ele a ignorou completamente e tentou correr atrás do caminhão que ainda arrastava seu corpo.
Cloe o seguiu tranquilamente, já havia passado por isso muitas vezes. Era sempre a mesma coisa. Descobre que morreu, mas continuou na Terra. Tenta descobrir como morreu e coisa e tal. Chaaato.
- Ei! - a menina gritou. - Não vai adiantar, seu idiota. Você está morto! Não vai poder enfiar a mão na cara do filho da puta que te matou.
Ela apareceu em frente a ele, que ficou extremamente desnorteado.
- É. É um truque bem legal. - ela disse e como se não fosse nada de mais.
- Você... Você estava... - ele gaguejou como uma criancinha enquanto apontava para trás, onde ela se encontrava alguns segundos antes.
Cloe revirou os olhos.
- Certo, agora vamos. Não podemos ficar por muito tempo. - ela sussurrou, mas ele a desobedeceu.
Ela jogou as mãos para o alto e continuou a segui - lo. Que trabalho chato!