Uma surpreendente surpresa

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— Relaxa, vai dar tempo. A festa só começa quando eu chego.

De volta ao banco do carro, ele retoma a consciência.


Que porra é essa?

Espalhando-se por toda a extensão do seu torso até encontrar um caminho pela sua perna esquerda, há pequenos pontinhos de dor que Kenma pode sentir arder, queimando em pequenos incêndios pelo seu corpo, devorando-o. Lentamente, com o passar dos segundos, eles vão ficando menores, e menores, e menores. Morrendo.

O que havia acabado de acontecer?

— O que eu acabei de fazer? — ele deixa o murmúrio escapar, a cabeça rodando com a confusão. Kenma precisa se apoiar no banco à sua frente para não se deixar cair para o lado. Sua cabeça roda, roda, roda.

Akaashi é o primeiro a notar a seriedade, o temor incerto em sua voz e a se virar para tentar encará-lo, as rugas entre as suas sobrancelhas sobressaltadas ao não entender o questionamento de Kenma, mas ainda sim desejando que a noite vá o melhor possível.

— Ei, — chama Akaashi, e a sua voz é tão suave quanto veludo. — Não vai ser tão ruim assim.

Kenma nem precisa tentar processar a banalização contida na frase para que solte um longo, pesado e trêmulo suspiro. Ele observa o tremelicar de suas mãos apertadas contra o couro do carro, e decide escondê-las nos bolsos da sua calça jeans. Seu celular não está lá. Kenma sente uma gota fria de suor escorrer pelas suas costas, um sentimento preso em sua garganta como um dilacerante e travado grito. É uma sensação estranhamente familiar. Aonde foi que já sentiu isso antes?

Essa eufórica inquietação, o medo primitivo de não saber o quê, mas ter a certeza de que tem algo errado.

Tem algo errado.

Mas como de costume, Kenma se limita ao silêncio, à tentativa de controle de sua respiração e ao arrepio que lhe toma a espinha. Preferia isso a ter que sustentar o olhar em Akaashi mais uma vez, ouvir de frente outra de suas expressões irritantes, como a célebre dita pelo mesmo antes que saíssem de casa: "Não pode dizer que não gosta se nunca experimentou"

Quanta besteira. Ele nunca foi atropelado por um ônibus, e mesmo assim-

Há uma dor dilacerante que queima por trás de suas costelas e ele consegue ouvir gritos ao seu redor e sentir seu próprio pulso pesado.

Mesmo assim...

Sua visão se vai rapidamente, tudo vai escurecendo em pequenos pontinhos e tá tudo molhado de repente e ele não tem certeza se são lágrimas ou sangue e-

— E, Kuroo, sério. Já deu, não?

Kuroo abre um belo sorriso travesso.

— Não. Na verdade, eu acho que vou-

Kenma arfa, e então é dado partida numa corrida para que ele possa interrompê-lo:

— Não precisa colocar brinco nenhum.

A imediata resposta é oferecida mesmo sem ser requisitada ou esperada, e é recebida com um arregalar de olhos em sua direção, uma surpreendente surpresa, se há permissão para ser chamada dessa forma. Contudo, logo essa impressão é superada por Kuroo.

— Ora, mas eu poderia-

E a voz de Akaashi, por fim, é ágil em decidir a questão pelos dois. — Já deu.

E ponto final.

Kenma respira fundo, e abre a porta do carro. No segundo em que seus pés se firmam no chão, Kenma sente que, na verdade, não há firmeza alguma, tombando até conseguir apoiar-se no carro. Suas pernas são tão úteis quanto duas gelatinas de carne e sangue, maldosas estruturas frágeis que não suportam seu próprio peso. O equilíbrio frívolo faz com que Kenma fique um pouco para trás, e consiga ouvir com mais clareza a discussão de duas pessoas. Os ombros de Kenma tensionam ainda mais. Já não havia ouvido isso antes?

O aniversário no fim do mundoOnde histórias criam vida. Descubra agora