Após ver o fim do mundo ser causado por um fungo capaz de controlar as pessoas infectadas como marionetes para se proliferar, Elena Rivera passou os vinte anos seguintes da sua vida fazendo o que sempre fez: sobreviver. No entanto, agora carregava a...
Os cartões de comida na minha mão pareciam me encarar e rir da minha cara como se eu fosse uma grande piada. A manhã inteira limpando as ruas da cidade, a tarde inteira limpando lojas cujos espaços seriam utilizados exclusivamente pela FEDRA, e tudo isso para quê? Por míseros quatro cartões de comida. Se eu soubesse usá-los com sabedoria e economizar, eles durariam uma semana.
Suspirei e olhei para o céu acinzentado que escurecia um pouco mais a cada minuto. Miserável era pouco para descrever as pessoas que viviam na Zona de Quarentena, principalmente as que trabalhavam de forma honesta – embora eu não soubesse dizer se o uso dessa palavra era adequado para os dias de hoje. Os militares exploravam os civis a cada dia por meio do trabalho, o que era tudo o que nos restava, sendo nossa única opção, já que precisávamos comer.
Malditos militares. Maldita FEDRA.
Guardei os cartões de comida dentro do sutiã e caminhei em direção ao meu apartamento, sentindo os músculos das minhas costas doerem. Eu ainda tinha alguns minutos antes do toque de recolher, então andei a passos lentos, poupando o meu corpo o máximo que eu podia depois de um dia inteiro de trabalho braçal.
As ruas, que de dia ficavam muito movimentadas, estavam quase desertas, com apenas algumas poucas pessoas, que também andavam para as suas casas. Ninguém dentro da Zona de Quarentena – ou pelo menos a maioria – era louco de ficar nas ruas depois do toque de recolher. Aliás, de quebrar qualquer uma das regras importas. Quando a pena era pequena, teriam vários hematomas espalhados pelo seu corpo ainda no mesmo dia ou você passaria horas detido. Já se a pena era grande, bom, você não viveria por mais de dois dias.
As execuções costumavam ser por enforcamento, realizadas em um espaço aberto da cidade para que um grande número de pessoas pudesse ver. As pessoas condenadas serviam de exemplo para as outras, uma forma nada sutil de dizer que, caso não seguíssemos as regras, nosso destino podia ser igual aos deles.
Esses atos eram bárbaros, mostravam bem o quanto a humanidade piorou desde o fim do mundo, há vinte anos. Era enraivecedor e triste afirmar que as execuções aconteciam com mais frequência do que se podia imaginar.