Rami Indra

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 A história de como eu perdi tudo começa em Shekupura, Paquistão.
Quando você nasce com medo de morrer, significa que tem uma armadura envolta na pele para resistir as aflições e ansiedades que futuramente virão, e pode acreditar, virão.

Nos não escolhemos nossa sorte, mas sim, podemos fazê-la, e aos meus quinze anos, entre massacres do ocidente, guerras civis e morte em massa, escolhi a linguagem da paz, a universal, onde eu poderia alcançar todos aqueles que dignamente se foram por odiosas situações de guerra.

O piano. Ainda que criança, eu sabia que era uma fonte inesgotável de transmissão de sentimentos. Eu alcançaria todos aqueles que não puderam ser ouvidos com os meus sons de melancolia e desespero, e ficaria feliz por transmitir os sons que a guerra repudia, e o meu embate ideológico nasceu em meio ao pó e cheiro de fumaça.

Eu tocava aquele  CASIO PX-860 BN, usado, o meu primeiro piano, como se não houvesse amanhã. Enquanto o caos tomava as ruas, as chamas queimavam o pé, as balas perfuravam as paredes e os tortuosos gritos de dor tomavam as ruas, eu ecoava sonatas de paz pelas ruas de Shekupura.

Talvez eu fosse mais um garoto egocêntrico, mas eu sentia que Chopin estava alinhando cada nota que eu tocava, e sem dificuldade alguma tocava.

Porém talvez fosse mais inteligente de minha parte ter a consciência de que meu som nunca superaria o som dos bombardeios, no qual levou meu irmão mais velho de mim.

- Zeke Indra, Zeke indra, ilumine meu coração.

- Zeke Indra, Zeke indra, ilumine meu coração.

E tão pouco pude observar, estava alocado no primeiro voo para o Brasil. Minha mãe sussurrava sem vontade um som ensurdecedor de agonia e perda. Meu piano, destruído em meio aos escombros, e de maneira rude o mal parecia vencer o bem.

Todas aquelas pessoas que eu eternizei com o meu piano, foram esmagadas junto a ele?

Não... Não... pensamentos e melodias são eternos, a morte e a harpa andam lado a lado com uma melodia sinistrérrima, com toda a certeza a minha música ecoa pelos corredores da destruição, mostrando aos que se foram que seus gritos de injustiça não serão cessados enquanto a melodia tocar, em algum ponto do tempo.

E o meu desembarque ocorreu, em uma cidade cinza. As pessoas transmitiam uma aura hospedeira, mas julgadora. Era como se tanto quisessem ser hospitaleiros, quanto estivessem me falando: "Aqui não é seu lugar, imigrante".

Minha casa, de madeira, evidentemente não parecia um local que esbanjava as maiores riquezas do mundo, mas como alguém como eu: que se importa mais com a música do que com a segurança do próprio irmão, poderia exigir que as coisas fossem favoráveis agora?

Eu vi exatamente o momento da morte do meu irmão, mas é claro, não posso contar agora. Tenho medo do julgamento de vocês, tenho medo do julgamento deles, tenho medo desse lugar, não sei me comunicar... O que devo fazer?

Sim, sim... Eu não falo língua deles, o que eu posso fazer? Como posso me comunicar? Como vou ter um futuro próspero?

Eu desisto da música, porque ela me tirou você, Zeke, e eu jamais poderei ver você sorrir novamente.

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O Pianista |DesgustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora