prólogo. canção de ninar no fogo.

49 9 3
                                    

Se você olhasse bem de perto e por bastante tempo para um ponto específico, quase imperceptível, daquela gigantesca estante de livros, veria que um dos exemplares tinha uma capa diferente das demais. Se, com cuidado, fosse puxada revelaria um segredo que muitos não conheciam. Nem mesmo os mais sábios e estudiosos de Miris tinham o conhecimento daquilo, porém o jovem príncipe havia descoberto aquela passagem que dava para seu lugar favorito do castelo.

Vestindo seu pijama bordado com pequenos cavalos brancos alados e apenas uma lamparina de ouro na mão ele seguiu pelo corredor escuro, às vezes soltando baixas lamúrias pelas pedrinhas que machucavam a sola de seus pés, mas não incomodavam. Apressou-se em uma corrida desajeitada, quase aos tropeços, em uma euforia inocente de criança à medida que enxergava mais do brilho da lua no fim do corredor.

O aroma floral das rosas era o principal responsável pela beleza daquela primavera. O jardim recheado de vida e cores lembrava um arco-íris, tão lindo e intocado, parecia curar tudo aquilo que machucava seu frágil coração. Baixinho, quase em silêncio, desejava que também pudesse curar os hematomas que cobriam seu corpo miúdo aqui e ali.

A brisa da noite e a luz do luar dançavam junto dos vaga-lumes. Aos olhos do pequenino todos pareciam estar aproveitando um baile regado pela música dos mais talentosos bardos do reino. As bolinhas de luz rodeavam, passeavam e giravam entre as madeixas do cabelo escuro, fazendo com que risadinhas genuínas escapassem. Com a companhia das flores e dos pequenos animais escapando pelos buraquinhos da cerca de ervas, encontrou seu refúgio.

Ali era o lugar onde as lágrimas não precisavam fingir não existir.

Naquele jardim bonito não havia coroas, nem títulos pesados de responsabilidade que uma criança de cinco anos jamais entenderia. Não havia jóias ou roupas bonitas, muito menos aulas de etiqueta com uma professora que não se importava em olhar para seu rosto. Não havia culpa ou solidão. Era um lugar pacifico.

Bom, realmente, era.

No auge de seus onze anos o pior aconteceu.

— Movam-se! Este espaço é lar do pecado, ele deve ser destruído imediatamente!

Os soldados que guardavam o rei se formaram em fila perante o corredor de tapetes de cetim, sua majestade passando por entre eles, apressado e furioso. A mão direita agarrava dolorosamente o pulso do príncipe, arrastando-o pela passagem até a biblioteca. A mente da criança girava a todo vapor para notar a situação, não entendia o que estava acontecendo, mas tinha medo. Muito medo.

Seu corpo tremia em espasmos de pavor, os pensamentos negavam desesperadamente qualquer hipótese do motivo para a destruição que seu progenitor tanto gritava, porém tudo desabou assim que o homem mais velho tocou o exato livro que era tão difícil de se ver, abrindo caminho para o único lugar que encontrava felicidade verdadeira.

O rei havia descoberto o segredo de sua paz e arrancou-a do pior jeito, assim, sem mais nem menos, com um desgosto e rancor que cravaram em seu peito para o resto da vida. Tudo se foi em um piscar de olhos, misturando o antigo cheiro de conforto com o amargo da fumaça, destruindo a doçura com a visão das flores consumidas pelas chamas, dos animais correndo em agonia, desesperados para fugir do fogo que engolia cada pedaço de grama verde que um dia brilhou com a luz do sol.

Era um aviso. Um príncipe não deve ter vontades ou desejos. Não deve sequer sonhar. Não deve ter distrações. Seu único propósito é almejar a coroa, se tornar um só com ela.

— Jamais faça algo assim novamente! Você não deve estar em um meio tão impuro como esse. Você é realeza, Jimin! Não ouse esquecer isso.

Sentia-se enjoado, sequer havia brilho nos olhos nebulosos. Tudo se apagou, se perdeu. O único lampejo refletido no vazio opaco das íris era o das labaredas incendiando tudo que tocavam, desmanchando seu pequeno e único pedaço de serenidade. Os joelhos falharam em sustentar o próprio corpo, as lágrimas falharam em não descerem. Não passava de uma completa falha sua. 

O grito desconexo, alto, carregado de angústia e tristeza rasgou sua garganta. Estava perdendo algo especial, de novo.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Mar 10, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Entre Coroa e Espinhos • jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora