Prólogo

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Conheceram-se numa manhã de sol entre nuvens, em uma lanchonete. Ela não tinha como pagar. Com duas malas nas costas, ele pensou que talvez ela fosse estrangeira. Ou estivesse fugindo. Nunca apoiou pessoas impulsivas, mas resolveu ajudá-la. Pagou-lhe as duas fatias de bolo e o café. Ela não negou tanto quanto ele esperava e muito menos recusou quando ele ofereceu um suco.

Sentaram-se, conversaram. O nome dela era Fiona. Diferente, foi a primeira coisa que ele pensou. Apresentou-se.

-Sou Diego.

Soube então que Fiona queria estudar teatro e música na capital. Por complicações familiares, acabou fazendo-o da maneira mais impulsiva. E a grana tinha terminado na noite anterior.

Acabaram passando aquele sábado juntos. Passearam pelo centro, almoçaram e assistiram ao crepúsculo no gramado do parque. Trocaram histórias, riram e admiraram, em silêncio, os olhos um do outro. Diego a convidou para ficar no apartamento dele. Embaraçou-se ao tentar explicar que era apenas temporário, já que ela nem tinha dinheiro para um café da manhã decente, quem diria um quarto de hotel. Explicou que o apartamento era modesto, mas tinha um cômodo vazio, e não havia problema de ser usado por ela.

No primeiro instante ela hesitou, mas acabou cedendo. Mesmo porque, a sua realidade era bem clara. E desesperadora. No entanto, disse mais de dez vezes que o pagaria tudo de volta, assim que ela tivesse condições.

Uma noite se tornaram noites. E noites se tornaram semanas. E logo, meses. A situação acabou se aconchegando em parceria. Fiona agora trabalhava e junto de Diego, dividia a casa, a comida e a roupa lavada. E acima de tudo, compartilhavam conquistas, segredos e sofrimentos. Quase como um casamento. Só que não estavam juntos.

Quero dizer, há uns meses, eles bem que tentaram. A atração não foi ignorada. Fiona não era uma moça que passava despercebida. E Diego tinha seu charme. Envolveram-se, mas ao contrário do que se esperaria, fora ele quem temeu as prováveis complicações e encerrou tudo. Ela, magoada, ficou dias evitando-o. Mas depois passou. Como tudo nessa vida.

Os amigos, próximos ou não, não compreendiam como duas pessoas que se davam tão bem (e até moravam juntas) estacionaram na amizade. A resposta sempre vinha de Diego:

-Descobrimos que somos apenas amigos. Tipo, já somos complicados sozinhos, juntos éramos o caos.

O caos. Todos sempre riam, interpretavam como uma piada.

O caos. Juntos eles eram o caos, Fiona repetia em sua mente. O que aquilo significava, "o caos"? A pessoa com quem dividia absolutamente tudo na vida achava que a intimidade que tiveram era como uma pegada na balada? Porque na sua cabeça aquilo não fazia sentido - ela não mudou o comportamento com ele, a não ser quando sua barriga explodia de borboletas quando ele se aproximava. Ou quando tinha saudades dele durante o dia. Não consegui entender o que ele dizia com "o caos". Ele a conhecia mais do que ninguém, e aparentemente nada aquilo passou de uma atração meramente física. Eram questionamentos que a magoavam. Que a fustigava. E assim, se calava.

Certa noite, no entanto, não conseguiu mais se manter em silêncio. Jantavam pizza com os amigos em um restaurante próximo de casa, riam e se divertiam. E mais uma vez, o assunto desviou ao casal quase perfeito.

-Diegão, você deve ser muito xarope como namorado pra Fin não querer nada contigo!

Risos.

-Sem dúvida! Conta aí, Fin!

Diego posicionou-se como orador, entre risos:

-Ah galera, qué isso! Eu não sou um namorado ruim! Já disse que tudo é questão do conjunto. Eu e a Fin não servimos um para o outro. Somos o caos juntos.

-"Somos o caos juntos".

Fin murmurou, emergida em seriedade.

O tom da voz mudou:

- "Somos o caos juntos"?

As risadas cessaram, como fogo diante de uma tempestade. Os olhares de incompreensão eram unânimes. Diego sorriu embaraçado, meio indeciso de como reagir.

-Ora Fin, nós enlouquecemos um ao outro, foi isso que eu quis dizer.

-Não. Você não disse isso. Você usou a palavra caos. Caos!

Ela colocou o casaco, tirou dinheiro da bolsa, jogou na mesa e preparou-se para levantar. Diego colocou-se em alegação.

-Fin, qué isso! Não leve isso a sério.

-Claro, eu deveria levar as coisas na brincadeira, como você!

-Qué isso Fin, você não entendeu.

-Eu sei. Eu nunca entendo nada. A culpa é toda minha mesmo, relaxa.

-Você está exagerando. Vamos conversar.

Fiona abandonou a mesa e o restaurante. Ele foi atrás.

-Fin, por favor. Vamos conversar.

-Te vejo em casa, garanhão.

E ela atravessou a rua em passos acelerados, deixando-o perdido entre os olhares curiosos.

Meia hora depois, Diego voltou para casa. E ela não estava.

Na cabeça dele, um rapaz que vivia da praticidade e da racionalidade, era evidente que sua companheira tinha exagerado. Afinal, o que tiveram era passado, estava arquivado e apenas borbulhando lembranças. Houve tempo de mágoa e houve tempo de superação. Assim, a conclusão: para ele, a reação de Fiona foi exagerada sim.

Se tinha sido ou não, não era o ponto. A verdade era que em algum lugar no coração dela, o tempo era diferente do usual. De alguma maneira, as palavras de Diego despertaram uma mágoa insone na jovem, cujas vozes não foram ouvidas em nenhum momento e agora, tornaram-se sólidas em suas convicções e não se calariam mais.

Diego tentou esperá-la, mas adormeceu no sofá. E no dia seguinte, havia perdido novamente Fiona de vista: ela já tinha saído.

Tudo bem, ele logo pensou. Aquilo passaria e tudo voltaria ao normal.

No entanto, o tempo que ele teria para se convencer do contrário foi longo demais. E notou, gradualmente, que não encontrava mais Fiona em casa; e quando ele chegava, ela já havia deixado bilhetes do tipo "fui ao mercado", "fui ao shopping" ou "estou no pilates". Pilates? Desde quando Fiona virara fã de exercícios? Era óbvio que ela estava fugindo da inevitável confrontação. Ou seja, Diego logo se persuadiu de mais um exagero da amiga e sentiu por cima da carne seca, resolvendo adotar uma nova estratégia: fingir que não ligava mais.

E assim foi: Diego indo ao trabalho, ao futebol, ao bar com amigos, e ignorando as mensagens de Fiona – e ela, é claro, seguiu o roteiro de ressentimento desde o começo.

Quando menos repararam, não se viam mais, não deixavam mais bilhetes, não ligavam para o outro, não enviavam mais mensagens, não conversavam horas a fio sobre os acontecimentos mais (ou menos) importantes do dia.

Quando menos repararam, não participavam mais da vida um do outro.

Por um lado, Diego culpava Fiona pela desastrosa discórdia infantil, enquanto do lado de Fiona, não se sabia bem o que ela culpava ou não: era apenas evidente que seu coração estava querendo cicatrizar o que havia sido quebrado.

A reviravolta aconteceu quando Fiona apareceu com flores e brilhos nos olhos. Foi em um dos poucos dias em que Diego encontrou-a em casa. Observou-a de longe, no corredor, ligando para alguém discretamente no celular. Ela abriu-se em sorrisos e gestos nervosos. Desligou e virou-se, deparando-se com seu companheiro de apartamento. Sorriu, ele tentou sorrir de volta. Assim, ela apenas passou por ele e entrou no quarto.

Ela estava apaixonada.

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