One-shot

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Terminando de assinar o último documento, Deodora se preparava para subir a suíte, mas sabia que não iria simplesmente tomar um banho e ir tomar o chá da tarde como fazia quase todos os dias. Tinha discutido com Pajeú antes do almoço e desde então não estavam se falando.
Apagando a luz do cômodo, subindo as escadas ela se dirigia ao quarto, abrindo a porta e entrando a cena que via lhe causava certa inquietação.
Pajeú terminava de vestir a jaqueta quando a mulher entrou no quarto, estranhando a cena, ela ficou parada o olhando com expressão de dúvida tentando entender, mas desistiu ao ver que não chegaria a nenhuma constatação sozinha e logo ele iria para sabe-se lá onde.
- Aonde é que tu vai? - ela resolveu perguntar, dessa forma quebrando o silêncio que havia perdurado o dia todo.
- Para minha casa - ele respondeu seco e objetivo, não queria conversar.
- Mas tu tá em casa - ela respondeu como se fosse óbvio. Já fazia alguns meses que o homem e Cirino estavam morando na fazenda Palmeiral junto com ela, desde que a mulher havia conseguido a mesma de volta.
- Não. Eu tô em tua casa - ele deu ênfase no "tua". - Não foi isso que tu me disse hoje mais cedo?
É, realmente, ela tinha dito aquilo, estava nervosa com alguns assuntos e acabou descontando nele.
- Eu disse aquilo no calor do momento, não é verdade.
- Dizem que é na hora da raiva que falamos o que pensamos - ele comentou chateado e começou a andar em direção a porta.
- Não dessa vez, não nesse caso - por mais que falasse, o jagunço não parecia lhe dar atenção, então segurou o braço do mesmo, forçando-o a parar no lugar e olhar para ela. - Homem, pelo amor de Padre Cícero, pare com isso, largue de besteira. Não tem necessidade de tu sair, olha o temporal que está lá fora - ela apontou para a janela que mostrava a violenta chuva e o céu clareando de poucos em poucos segundos devido aos relâmpagos.
- Tenha uma boa tarde Deodora - o homem tirou a mão dela de seu braço e se dirigiu a porta, saindo do ambiente, ignorando o que a mulher tinha falado anteriormente.
Deodora se sentou na cama, apoiando a mão sobre o joelho ela pensava na briga de mais cedo, tinha se exaltado, dito coisas irreais, faladas simplesmente para machuca-lo na hora e não se orgulhava disso agora. Levantando-se rapidamente da cama, ela saia do cômodo e descia as escadas rapidamente, iria trazê-lo de volta, de volta pra casa, de volta pra ela.
Paralelo a isso, Pajeú estava na varanda esperando a chuva diminuir um pouco. Enquanto aguardava ele pensava na discussão de mais cedo. Sabia que a mulher estava nervosa nos últimos dias, fazia tempo que ela tentava recuperar um contato importante da fazenda que Tertulinho havia rompido, mas a outra parte parecia irredutível. Ele tinha consciência disso, mas mesmo assim, não justificava a forma como ela havia o tratado. Talvez isso fosse um sinal para ele se afastar dela, a doutorinha já tinha-o avisado que Deodora não era flor que se cheire, por isso, tomava a decisão de atender ao "sinal", se afastaria dela, ou pelo menos tentaria.
Vendo que a chuva não daria trégua, ele resolveu ir daquele jeito mesmo, colocando o pé no primeiro degrau da varanda ele já sentia os pingos lhe molharem, mas ignorando isso ele terminava de descer a pequena escada.
A chuva forte, o vento, os raios cortando o céu, os trovões barulhentos, o horizonte mais escuro do que o normal, basicamente tudo impedia Pajeú de ir embora. Tinha dado alguns passos desde que sairá da varanda, a tempestade não o deixa andar muito depressa, mas mesmo assim não voltaria atrás, não olharia para trás, sabia que ela era orgulhosa demais para vir até ele e pedir desculpas, então também não faria.
Deodora tinha acabado de chegar na varanda quando viu o homem caminhando para longe da fazenda.
- Pajeú! - a mulher gritou mas o homem continuou caminhando.
Ela não queria se molhar, mas não tinha outra escolha, ou encarava a chuva, ou simplesmente olhava o homem ir embora sem saber se ele iria voltar, é, a primeira opção parecia melhor, então descendo as escadas, ela andava o mais rápido que podia para alcançar o jagunço.
Pajeú pensou ter ouvido a voz feminina, mas logo dissipou esse pensamento, ou estava ficando louco, ou tinha muita esperança, mas tinha que ser realista, ela não viria atrás dele, ela nunca veio.
- Pajeú! - Deodora o chamou novamente, segurando sua mão, fazendo-o virar em sua direção.
É, talvez ela viesse.
- Deodora? - sua voz indicava sua surpresa, não esperava que a dona fosse vir atrás dele.
- Não tem necessidade de tu ir embora, veja bem, sua antiga casa é muito longe e o tempo não está colaborando - ela deu uma pausa, não queria que ele fosse mas também não iria se humilhar - Mas se tu quiser ir - ela deu de ombros.
Ela não queria que ele fosse embora, mas não falava isso diretamente, seu orgulho era maior.
- Pois então eu vou - ele soltou sua mão da dela rapidamente, o ato fez com que o mesmo se desequilíbrasse, e devido a chuva, escorregasse caindo de costas no chão enlameado.
Deodora riu vendo o homem no chão, o universo também não queria que ele fosse embora, tudo estava a favor dela, como sempre.
O homem estava apoiado com os cotovelos enquanto contemplava a mulher rindo de seu tombo, estava bravo com ela mas não podia negar que o som da sua risada era uma das melhores coisas que poderia ouvir.
Decidido a dar o troco, ele segurou a mão da mulher que o encarou confusa.
- O que vo... - não teve tempo de terminar a pergunta, sentiu uma pressão em sua mão e quando viu já estava no chão junto com ele. - Eu não acredito que você fez isso! - ela falou em um tom bravo, dando um tapa em seu peito, em seguida, tentou limpar um pouco da lama que tinha na manga de sua blusa branca.
- Pois fiz - ele respondeu confirmando.
Ela o olhou incrédula por ele ainda responder. Ia xinga-lo novamente, mas simplesmente abaixou a cabeça, começando a rir da situação que os dois se encontravam.
O homem a olhou aflito, não sabia distinguir se ela estava rindo ou chorando por causa do som abafado pela chuva.
- Ei - ele passou a mão pelas costas dela. - Olha pra mim.
Ela o encarou, os olhos marejados de tanto rir.
- Tu tá chorando?
- Tô - ela deu uma pausa, ele a olhou preocupado, não era sua intenção. - De rir - ela voltou a gargalhar. Após o susto ele a seguiu, rindo junto a ela.
Com certeza era uma das cenas mais lindas já vistas, digna de uma pintura. Duas pessoas que se amam, deitadas no chão, gargalhando, no meio da chuva, era algo realmente belo.
O som das risadas foi diminuindo, e o homem agora simplesmente admirava a mulher apoiada sobre seu peito, levantando a mão e levando-a ao rosto feminino, ele acarinhava a pele macia onde as gotas da chuva escorriam sem parar. Ficaram assim por algum tempo, apenas se comunicando pelo olhar, até Deodora quebrar o silêncio pela segunda vez no dia.
- Se continuarmos aqui não vamos levantar da cama amanhã - ele a olhou sugestivo - E não, não é no bom sentido, ficaremos deitados de tão gripados que vamos estar.
Ela se levantou e estendeu a mão pra ele.
- Vem, vamos entrar.
O homem não se moveu.
- Você ainda vai embora? - Sua voz saiu em um tom decepcionado. Achou que já tinham resolvido o problema.
- Claro - ele falou num tom decido se levantando e ficando de frente para Deodora, a feição da mulher já não estava leve como a momentos atrás. - Que não.
Os olhos da madame brilharam de novo e ela se jogou nos braços de Pajeú o abraçando pelo pescoço para não sujar suas mãos da lama que havia nas costas do homem, esse imediatamente levou suas mãos a cintura da mulher.
- Tem uma coisa que eu sempre quis fazer na chuva - ela comentou assim que se afastaram apenas para se olharem.
- O que? - Pajeú perguntou.
- Isso - ela fez uma leve pressão na nuca masculina trazendo seu rosto para o dela, suas bocas colidiram e suas línguas se entrelaçaram, uma mão do homem subiu de sua cintura para seus cabelos, seus dedos se perderam entre os fios molhados, e seus sentidos se embreagaram com o perfume femino.
Se separaram por falta de ar, o sorriso permanecia nos dois rostos, a mulher pegou em sua mão e correu, o puxando de volta para a fazenda tentando não cair.
Subindo as escadas rapidamente, passando pela varanda, ela abria a porta perfeitamente polida, entrando na sala e sentindo o ambiente um pouco mais quente ela se dirigia ao espaço onde haviam bebidas na tentativa de encontrar uma que os pudesse aquecer.
O homem a abraçou por trás, beijando seu pescoço e cheirando seu cangote, tirando toda a sua concentração no que estava fazendo. Desistindo de procurar, ela se virou dentro dos braços masculinos, ficando de frente pra ele.
Pajeú admirou a mulher a sua frente, a blusa branca colada ao corpo devido a chuva, os cabelos molhados, os olhos que poderiam ser comparados a uma galáxia de tão brilhantes, o sorriso largo. Aquela mulher parecia uma escultura de tão perfeita.
A ideia de mais cedo, de tentar se afastar dela, nem passava mais pela sua cabeça, sabia que era impossível. Não adiantava tentar procurar a felicidade em outro lugar, sabia que não a encontraria em outro cheiro, em outro corpo, em outro beijo, em outra risada, em outro sorriso, apenas no dela.
Deodora era como a tempestade, linda porém perigosa, muitos adoravam vê-la, mas poucos queriam senti-la, e era nesse "poucos" que ele se encontrava.
Apesar de tudo, de todas as discussões, de todos os desentendimentos, ela era sua perdição, seu vício, sua coronela, sua mulher, sua felicidade, sua tempestade.

Your Storm - PajDoraOnde histórias criam vida. Descubra agora