O dilema de Helena.

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— Na próxima sessão eu quero que me traga 5 coisas que você gosta em você. — Disse a psicóloga assim que terminou aquela sessão de mais de 1h.

Balancei a cabeça confirmando e me despedi. Meu celular fazia uma grande falta naquele momento, eu queria muito algo para sair de uma situação envergonhada. Após aquela conversa toda, comecei a pensar em mim, no que gostava em mim, porém, não tinha tanta coisa assim. Cinco coisas? Talvez... não, acredito que não, melhor eu pensar depois.

— É sábado à noite, a partir das 19h, terá a grande inauguração do Beer Bar. Não perca, senhorita! — Um homem baixinho e um pouco barbudo me entregou aquele panfleto e esperou alguns segundos para que eu o pegasse. Pisquei algumas vezes e o recolhi, o colocando dentro da minha bolsa. Eu o olhei e sorri agradecendo, em seguida ele sorriu de volta sendo gentil.

Olhei para o rapaz novamente antes de sair e ouvi algumas vozes falando comigo baixinho, não conseguia ouvir, eram vozes atrapalhadas e confusas. Assim que virei e olhei para frente me bati com alguém.

— Desculpa!! — Uma voz masculina ecoou enquanto algo caía no chão.

Reconheci aquele rosto quadrado assim que olhei para ele: Caio, meu colega de trabalho. Me abaixei com ele, vários papéis voaram pela rua.

— Obrigado. — Disse ele agradecendo a uma senhora que pegou um dos papéis.

Eu me levantei e entreguei o restante a ele. Caio estava diferente, com aquele mesmo rosto de sempre, lábios grossos, barba por fazer, cabelo castanho-claro e bem curto dos lados.

— Eu juro que iria te dar um susto assim que te vi, mas era brincadeira, certo? —Caio retrucou rindo.

— Eu me assustei. — Respondi.

Caio estava musculoso, sarado, e sua camiseta estava um pouco mais apertada do quê antes, pois sempre foi magro demais.

— Você só vive assustada, Helena. Mas aí.. — Ele jogou o cabelo para trás com uma das mãos enquanto a outra segurava os papéis — Vai para o seu apartamento? Precisa de ajuda?

— Não, eu não preciso de ajuda. E não, eu não vou para o meu apartamento. — Abaixei a cabeça e pensei no meu celular, precisava de um urgente para sair de situações como aquela. Dei um pequeno passo para frente, porém, Caio me segurou pelo braço com a mesma mão que passou sobre seus cabelos. Não consegui olhar para ele.

O sapatênis de Caio era cinza, um cinza que nem os dois hamsters que estavam com Anie. Quando eu a adotei ela estava com outros dois hamsters, e eu a escolhi por ser diferente e de uma coloração que destoava dos outros e, sendo a única fêmea, ela veio para os meus braços e foi lindo esse encontro. A Anie estava comigo já fazia um pouco mais de 1 ano. E sim, ela sempre foi tudo para mim.

— Não vai responder? — Caio me tirou dos meus pensamentos.

Levantei meu rosto e o encarei me questionando o que poderia ser aquela pergunta. Me desvencilhei e sai daquela situação, caminhando um pouco rápido demais para que ele não viesse atrás de mim, e não veio.

Algumas semanas se passaram, e eu continuava na mesma e nada mudou. Meu trabalho, minha vida, minha mãe... Continuei focada e decidi que não era a hora de comprar outro aparelho celular, estava vivendo muito bem sem. Minha mãe não veio até a minha casa saber o meu paradeiro, como eu estava, se estava bem ou precisando dela, ela apenas ignorou o fato de não conseguir uma comunicação maior comigo que não seja pelo celular.
Após esperar quase 10 minutos pela psicóloga, ela chegou. Só descobri seu nome naquele dia, por conta de seu crachá. Sara. Sara era o nome dela.

— Eu preciso que, de início, para controlar suas crises de raiva e te ajudar em sua mudança de humor, você precise tomar este medicamento. Ele é natural, e pense que ele só vai te auxiliar.

Aquela afirmação só me deixou mais nervosa, eu não estava preparada, não estava. Remédios? Eu era doente por acaso? Como eu iria cuidar da Anie se eu estava doente.

— Por Anie, você faria isso?

Peguei aquela receita em suas mãos e a coloquei em meu colo. Uma lágrima caiu, outra lágrima caiu. Permaneci de cabeça baixa e pensei nela, a única coisa no mundo que precisava de mim.

—Suponho que sim. — Falei por fim.

— Helena, o que eu sei sobre você foi o que você mesma falou aqui nas sessões. Sei que você tem dificuldades de relacionamento com seus familiares e ama de paixão a sua hamster, então eu quero que faça tudo possível para se ajudar e, em simultâneo, você irá ajuda-lá.

— Eu não concordo e não gosto de ter que tomar remédios, mas se for pela Anie, eu faço isso. — Levantei meu olhar e a encarei.

Após alguns minutos longos de conversa, eu decidi que iria fazer aquilo: Tomar aquele medicamento todos os dias, até eu ficar bem e me livrar daquilo em breve.
Depois que sai daquele consultório, procurei uma farmácia e comecei a utilizar aquele remédio imediatamente.

— Anie, cheguei! — Avisei e liguei o interruptor da sala. Fechei a porta atrás de mim e fui direto para a gaiola dela que estava fechada.
Peguei seu potinho de água e coloquei no mesmo que lugar. Ela não comeu muito o dia inteiro, mesmo assim, resolvi trocar a comida.
Me sentei na frente da sua gaiola e puxei a minha bolsa para meu colo, a abri e joguei tudo o que estava dentro dela em meu tapete.

— Que merda! — Minha bolsa estava cheia de porcarias e coisas velhas. Separei as coisas velhas como: chiclete antigo, papéis de bala, entre outras coisas inúteis.
Separei os papéis e olhei um por um, até que encontrei o panfleto daquele bar em que o homem tinha me entregado em um dia qualquer.
— Olha só o que tem aqui. — A Anie se mexeu na gaiola e fez um barulho para subir na roda onde ela gostava de dormir.
Observei o cardápio e algo me chamou atenção: comidas diferentes.

— Talvez eu devesse sair hoje à noite, quem sabe? Isso pode me deixar mais alegre e fazer com que isso me ajude a diminuir nos remédios em breve. O que acha? — Ela continuou na rodinha, mas depois de algum tempo começou a se movimentar.

— Se isso for um sim, eu julgo que devo me ajeitar e tomar um banho. — Me levantei e fui ao banheiro. Depois de 30 minutos eu estava pronta. Coloquei um vestido que ficava à altura do joelho, estilo ciganinha com estampa azul-escuro. Meus cabelos estavam soltos e a minha franja intacta. Adicionei uns brincos e coloquei uma sapatilha simples da cor preta.

Ao sair de casa, percebi que não estava me sentindo tão confortável assim, mas se isso for para me ajudar e eu poder cuidar da Anie, tudo bem, eu tinha que fazer. Peguei o ônibus das 19:05, pelo menos foi o que uma moça me disse quando eu a perguntei dentro do ônibus.


— Eu suponho que eu vou querer... —Pausei a fala enquanto o garçom me olhava com uma caneta e um bloco de notas esperando a resposta. Ele estava muito enfeitado, tinha algumas flores em sua gravata borboleta. Seu terno azul-escuro estava combinando comigo. —De início uma lasanha de queijo, por favor.

— Algo para beber, senhorita? — O olhei. Alguns empregados de mesa passavam de um lado para o outro atrás dele, e todos, sem exceção, tinham aquelas flores em suas gravatas. Abaixei o olhar e escolhi um suco de laranja. Ele pediu licença e saiu.
Aquele ambiente era lindo, com flores ao redor, mesas arredondadas e com um pano que parecia de cetim azul-escuro.
Havia escolhido um lugar aos fundos, onde a música estava mais baixa. A música ecoava pelo ambiente e o fazia ficar mais agradável, não insuportável. Em cima da mesa uma rosa estava dentro de um vaso transparente e fino.
No momento em que toquei na rosa, senti meu corpo vibrar e aquelas vozes em meu ouvido novamente estavam ali, com o som daquele lugar.

— Aqui está. — O garçom parecia ter me acordado. Ele colocou a comida na mesa e me serviu.

— Obrigada. — O cheiro estava delicioso.

— Se quiser levar a rosa para casa fique à vontade. Bom apetite. — O garçom sorriu e saiu.
Me senti um pouco estranha. Ouvi uma voz próxima de mim, era uma voz masculina e grave, então a procurei e encontrei. Um rapaz ao lado da minha mesa dissera algo que não prestei atenção, assim que bati o meu olhar nele, senti algo muito esquisito, aquilo que já acontecera comigo quando eu me envolvi com outros caras.

— A sua bolsa. — O desconhecido falou.

Abaixei meu rosto e percebi que a minha bolsa estava no chão, então a peguei e coloquei sobre a mesa.
Olhei para o rapaz de novo, ele era lindo, parecia um príncipe para mim: olhos claros, tinha uma barba bem média, bigode, estava com um terno preto e a gravata branca. Ele era gordo, apenas gordo. Seu rosto estava um pouco rosado e as bochechas eram levemente grandes.

— Obrigada por me avisar, eu realmente não vira.

— Eu penso que você poderia colocar a bolsa e pendurar em sua cadeira, ao lado. Assim não vai te atrapalhar enquanto come.

Talvez eu tenha feito uma cara de que não entendi, porquê ele se levantou. O desconhecido era bem mais alto que eu, foi até à minha mesa, pegou a bolsa e a pendurou na cadeira ao meu lado.

— Assim. — Ele disse.

Soltei uma risada breve e percebi que havia entendido tarde demais.

— O que acha? — Ele perguntou olhando para mim e depois colocou as mãos em seu bolso.

— Achei interessante, eu não entendera de início. — Minha voz saiu um pouco trêmula.

— Bom, agora você já sabe. — Respondeu antes de se virar e voltar a sua mesa.
Ele estava sozinho, ao que parecia tinha saído de outro evento, eu pensei. Depois que ele se ajeitou novamente na mesa, olhou para mim, e os meus olhos continuaram penetrados nele.

— E o legal é que você pode levar a rosa que está na mesa. — E apontou — Para casa.

Virei meu rosto para a rosa. Ela era linda, mas tinha alguns espinhos no caule.

— Sim, o garçom me avisou. Ela é linda, não é? E o perfume é maravilhoso. — A peguei pela ponta, mas não vira o espinho pequeno, então me machuquei.

— Ai! — Soltei um grito um pouco alto demais e algumas pessoas de outras mesas olharam para mim. O desconhecido se levantou novamente e venho até a minha mesa me socorrendo.

— Cuidado, e calma. — Disse o desconhecido puxando a cadeira ao meu lado e se aproximando de mim. Me senti uma idiota pelo escândalo.

— Eu não tinha visto este espinho.

— Vai ficar tudo bem, só foi na ponta. — Ele puxou um guardanapo e enrolou em meu dedo indicador, onde perfurou.

O garçom se aproximou e perguntou:

— Está tudo bem aqui?

— Sim, ela só se machucou com a rosa. — O desconhecido respondeu.

— Irei pegar e enrolar para você, senhorita. — O garçom recolheu a rosa com toda a calma e se retirou.

O homem desconhecido apertou levemente o meu dedo, tentando estancar o sangue e em seguida retirou o pano que estava com um pouco de sangue.

— Obrigada. Eu fui muito desatenta, eu sei.

Após alguns segundos se silêncio, o garçom volta e põe a rosa enrolada em um papel sobre a mesa e eu o agradeci pela gentileza.
O desconhecido por fim quebrou o gelo:

— Meu nome é Thiago, e o seu?

— Helena. — Respondi.

— Olha, Helena, você precisa ter mais cuidado da próxima vez. — Ele respondeu gentilmente e se levantou. — Qualquer coisa, estou na mesa ao lado. — Concluiu.

O olhei caminhar até onde estava e virei meus olhos para a minha mesa, observei o meu prato, que aquela altura estava um pouco mais frio do quê o esperado.
A noite rolou tranquilamente e o Thiago não veio mais em minha mesa. Ouvi o garçom se despedir dele assim que ele terminou a sua janta, ele disse: "Boa noite. Sr. Alvarenga.", e então eu soube o seu sobrenome.

— Boa noite, Senhorita Helena. — Ele se despediu de mim quando se levantou.

— Boa noite. Obrigada pela ajuda. Sr. Thiago. — Respondi.

Depois que ele saiu, fiquei mais um pouco observando o lugar e pensando naquele homem. O que ele faz? Será que é solteiro? Quantos anos ele teria?
Após pagar a conta, fui embora.
Ao chegar em casa me questionei, eu não era daquele jeito, fui atirada de um jeito que eu nunca fui. Eu não sei se deveria voltar aquele lugar, talvez eu devesse procurar outro e não dá de cara com ele homem novamente, pois fiquei na impressão que ele frequentava aquele ambiente, com isso eu iria me divertir e não pensar mais no acontecido. Isso pode ser uma paixão de verão logo no primeiro momento, mas eu não acredito em paixão de primeiro momento ou amor à primeira vista. Contudo talvez, talvez mesmo eu não me conheça como deveria, interna e externamente. Às vezes precisamos nos conhecer para aprendermos a conviver com o nosso eu interno e verdadeiro.

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