"E eu pensando em ficar
A vida a te transcorrer"
Quarta-feira. Simone Tebet acordou com um sorriso bonito. Espreguiçou-se sob o edredom com cheirinho de lavanda e um toque de capim limão, sem pressa alguma. Gostava daquele ritual cotidiano em que acordava cinco minutinhos antes apenas para ter o mesmo tempo de preguiça consigo mesma, na cama. Levantou fazendo no fundo da garganta uma melodia que sua mente insistia em lhe sussurrar e sorriu ainda mais aberto, mesmo estando sozinha.
Na cozinha, pôs a água para esquentar e pegou a caixa de madeira bonita, feita à mão, e com divisórias para armazenar as ervas que usava para o chá, presente recebido em seu último aniversário de suas Marias. Preparou também uma refeição leve, com torradas, queijo e geleia para acompanhar. Apenas quando estava devidamente acomodada à mesa posta somente para si, o chá lhe aquecendo o íntimo e os sentidos, é que pegou o celular para verificar as tantas mensagens que já naquele horário aguardavam sua leitura.
Desejou o bom dia costumeiro a suas meninas, a sua mãe, e então foi ver se já havia demandas do governo. Claro que havia. Mas não abriu nenhuma delas. Correu os olhos e encontrou o remetente que procurava.
"Bom dia, bom dia, ministra! Dormiu bem? Agenda de hoje cheia, né? Não se esquece de comer, tá? Até depois... ah, e essa música é pra você ouvir enquanto toma seu café da manhã ;) Um beijo e um sorriso"
Logo depois da mensagem, tinha o link para um aplicativo de música que os dois usavam. Simone já sorria para a tela do telefone só por ler a mensagem, mas quando ouviu os primeiros acordes de "A Sua", canção de Marisa Monte, precisou respirar fundo. Mordeu o lábio, mexeu no cabelo e se deixou lembrar daquela noite, daquela agenda fora da agenda, daquele show no Rio de Janeiro, quando os dois tinham se encontrado.
E ela fez como o namorado havia escrito, ouviu a música inteira, revivendo na lembrança momentos que eram só deles e que às vezes ela se perguntava mesmo se tinha vivido. Sim, tinha. Quando terminou a primeira xícara de chá do dia, ele já estava lecionando para sua primeira turma, ainda assim, ela escreveu a resposta.
"Bom dia, meu bem. Também estou com saudade e pensando em você. Muito. Até logo mais."
Simone esboçou outro sorriso quando clicou na playlist que ele tinha feito, Pierrot & Colombina, em que os dois colecionavam as canções que queriam dividir um com o outro. Por conta da data, escolheu "Ainda bem", dentro do repertório da mesma cantora, e mandou após a mensagem já enviada. Só então a ministra iniciou a leitura relacionada a suas agendas de trabalho.
Quando retornaram para Brasília, depois do carnaval e daquela surpresa bonita e singela que ele fez no aniversário dela, seguiram combinando de se verem sempre às quartas-feiras, pois era o dia que os horários dos dois mais combinavam e nem sempre eles ficavam na capital federal aos fins de semana. Simone ia com regularidade até São Paulo ver as filhas, Alessandro, com menor frequência que ela, ia até o Rio de Janeiro ver a família, os amigos e surfar, como gostava tanto.
Em uma semana, se viam no apartamento dela, na outra, no endereço dele. Naquele dia 15, era a vez da ministra ir ao encontro do professor. Encerrou a última agenda do dia com um sorriso e uma expressão leve, organizou a mesa de trabalho, deixando tudo pronto para o primeiro compromisso do dia seguinte, que seria com sua própria equipe, se não houvesse nenhum atravessamento.
"Acabei de passar no Marzuk, já a caminho de casa, te espero!"
Leu a mensagem enviada já há algum tempo após trancar a porta de seu gabinete. Pelos corredores, foi se despedindo de quem encontrava, conversou com os servidores com quem dividiu o elevador e seguiu até o carro onde o motorista a aguardava. Confirmou com ele o endereço, que ficava na Asa Norte, era lá também que deveria buscá-la na manhã do dia seguinte.

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Portas
Фанфик"Nesse corredor, portas ao redor Querem escolher, olha só Uma porta só, uma porta certa Uma porta só, tentam decidir a melhor Qual é a melhor? Não importa qual, não é tudo igual Mas todas dão em algum lugar E não tem que ser uma única Todas servem p...