| 𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐃𝐎𝐈𝐒 |

163 27 11
                                    


QUATRO ANOS DEPOIS.

10 de Março, 2023.


MARÍLIA CAMINHA PELA casa fria e vazia, deixando os dedos dos pés tocarem na madeira áspera e levemente empoieirada do assoalho. Seus olhos castanhos passam pelas paredes recém-pintadas com uma cor creme amarelada, que apesar do cheiro de tinta fresca, ainda traziam um aroma de mofo escondido dentro do concreto.

Ela está sozinha, — ou quase — o que a leva até a varanda do seu quarto no andar de cima, sendo agraciada com o vento frio de uma Espanha gelada e estranhamente amarga. Odiava a obrigação de ter que se adaptar a cada novo país que passava. A cada mês um novo clima, novas pessoas, nova cultura. Um casaco preto e pesado cobre seus ombros, o tecido vinha a esquentando desde o aeroporto. Acabou de chegar em Madrid, mas mal vê a hora de sair novamente.

Seus dedos encontram o bolso fundo e gelado da blusa que veste, e quase como instinto tocam o maço lacrado perdido ali dentro, puxando a caixa de veneno para dentro de suas mãos.

Ela olha de relance para o pacote vermelho, depois para as ruas movimentadas e luzes da cidade, para o pacote outra vez, discutindo com seu alterego para saber se deve continuar o ato e, por enfim Marília rasga o plástico que o envolve, abrindo a tampa de papelão e tirando o canudo de dentro do maço, ascendendo um cigarro e o tragando, sentindo mais um pedaço da sua vida indo embora junto com a fumaça esbranquiçada soprada no ar.

— Gostaria que parasse de tragar sua saúde para o alto enquanto eu estiver aqui. — a voz fria e rígida de Marta soou atrás dela, a fazendo revirar os olhos e apertar os dedos da mão, tomada de uma angústia descomunal.

Mas ela não parou. Continuou tragando como se sua vida dependesse daquilo, com a mão apoiada para fora da sacada, as cinzas do cigarro voando pelo ar.

Ela não se lembrava ao certo em qual momento a relação com sua mãe se tornou tão impessoal e de certa forma dura, reduzindo conversas longas a poucas frases ríspidas, quase profissionais. Pelo menos o cigarro não ficava reclamando o tempo todo, pensou.

— Oi, mãe. — murmurou, batendo com o indicador no canudo, observando uma cinza laranja cair na beirola de cimento. — É bom ver a senhora também.

A voz irônica batia fundo na garganta da mulher mais velha, coberta com panos finos e um grande casaco de pele que tampa seu tronco inteiro. Marília se vira e escora o quadril na sacada, olhando a mãe de cima a baixo, quase deixando um riso de escárnio escapar pelos lábios. Fitou as botas de salto fino e longo, levando o cigarro a boca novamente, soprando a fumaça branca no rosto totalmente apático de Marta.

— Eu vou embora amanhã. — ela diz, cruzando os braços e erguendo o queixo, postura tão impecável que Marta era quem parecia a bailarina da família. — Achei que poderíamos fazer algo... Juntas.

Marília riu, sem acreditar no que ouvia. Sua mãe querendo fazer algo com ela? Que piada de mal gosto. Soprou o cigarro outra vez, jogando algumas cinzas no chão.

— Tenho ensaio de manhã cedo, acho melhor não. — foi o que ela conseguiu dizer, o peito já não ardendo mais pela relação rompida, Marta suspirando fundo e mordendo os lábios vermelhos, assentindo com a cabeça. — Você vai assistir a apresentação?

— Não sei, Marília. — ela responde, já dando as costas para sair da varanda da grande casa da companhia de dança. — Vou ver se consigo voltar de Manhattan no fim de semana, mas não te garanto nada.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Mar 24, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

𝐏𝐄𝐑𝐃𝐈𝐂𝐀𝐎 - 𝐕𝐢𝐧𝐢𝐜𝐢𝐮𝐬 𝐉𝐮́𝐧𝐢𝐨𝐫Onde histórias criam vida. Descubra agora