4. Sangue e Mentiras

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Ainda me lembro do dia em que as portas de minha casa foram arregaçadas, homens enormes com roupas escuras entraram armados com facas e machados, e atrás deles, aqueles olhos afiados, em um corpo esbelto daquela mulher cruel.
Ainda me lembro dos invasores tomando meu pai de mim, matando-o sem piedade, e levando minha mãe com eles, me deixando sozinha, chorando, encolhida no canto do quarto escuro.
Ainda me lembro do som dos saltos dela contra o assoalho, como lâminas raspando no aço.
"Se lembre disso, criança, se lembre da dor" ela disse enquanto segurava meu rosto com aquelas mãos congelantes.

Minha cidade é uma criatura cruel.
Cheia de vielas, onde entrar pode ser um caminho sem volta.
Cheia de pessoas cruéis, famílias que usurpam tudo que você tem.
Cheia de segredos e mentiras, que arruínam vidas em poucos dias.
Mas ainda é a minha cidade, e por isso eu a odeio.

A rua do mercado estava lotada, enquanto me esgueirava pelas pessoas, sendo empurrada e jogada para todos os lados, enquanto traçava meu caminho por até a casa de minha patroa.
Uma casa de madame, melhor do que de qualquer um que trabalhasse lá, um bordel mais caro, onde eu era a recepcionista, tardaria o dia que me rebaixaria a funcionária ativa.

Assim que vi a casa bordô, com as portas pretas e decoradas com pó dourado, as abri com pressa, para fugir do trânsito conturbado das ruas.
Madame Elena me esperava impaciente, com os braços cruzados por baixo dos peitos.

_Está atrasada Dhalia!_ ela diz com uma careta imperdoável, com aqueles lábios vermelhos, de batom barato.

_Perdão senhora, está um caos lá fora_ digo já deixando minha ''bolsa'' e casaco surrado no banco detrás da mesa de entrada, meu posto de trabalho.

_Não é de meu interesse o movimento lá fora, só trate de ficar pronta logo! Estamos quase abrindo_ sua voz era irritante, me dava vontade de esgana-la, mas ainda era minha fonte de renda mais fiel.

Logo a madame se perdeu pelas cortinas coloridas da sala, me deixando a sós com o perfume atros que ela sempre espirrava por todo o lugar, dizia a mesma que cheirava a rosas, mas devia ter problemas para acreditar que aquilo era como o cheiro de rosas se parecia.

A tarde começava movimentada, nada fora do normal, homens indo e vindo, pagando pelos minutos a sós com as meninas.
Contabilizei tudo, deixando todas as moedas de prata e ouro separadas, madame me mataria se errasse a conta.

Quando a tarde se ia, assim como boa parte dos clientes que realmente valiam a pena dar atenção, já me preparava para ir embora no soar da meia noite, quando um sujeito estranho entrou.

Era alto, coberto quase inteiramente por uma capa negra, que deixava muito a imaginar de sua aparência, a única coisa claramente visível era a ponta das botas pontudas de salto, era membro da nobreza.

_Bem vindo senhor_ o cumprimentei como sempre, claramente nervosa, muitos senhores e barões vinham nessa casa, mas alguém de tamanho nível social era novidade, normalmente nem se dignavam em descer até essa parte rebaixada da cidade_ Qual de nossas moças deseja? Posso chamar todas aqui.

O estranho me olhou de cima abaixo, antes de fazer sinal e um criado que o seguia lhe estender um saco de moedas.

_Preciso de ajuda para solucionar algo, aceita me ajudar?_ ele diz, a voz mais fina do que eu imaginava, me estendendo saco. Fiquei totalmente pasma, não só não esperava que ele fosse da nobreza, como não esperava ser paga para ajuda-lo.

_Meu senhor, não sei como poderia ser útil.

_Pode ser sim, sei quem é, Dhalia, só aceite, e vá a mansão DelCourt amanhã antes do sol nascer_ ele diz por fim, me entregando as moedas, e sumindo pela porta assim como tinha entrado.

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