Capítulo 1 - Família Feliz

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Não posso me queixar da infância que tivemos, embora papai tenha sido muito conservador com suas filhas e liberal com seus filhos. Passávamos quase todos os dias em casa, brincando no jardim e cantando canções no violão de papai. Éramos quatro filhos obedientes e felizes em uma casa gigantesca. Na verdade, não dávamos a mínima para o dinheiro que papai ganhava. Não saíamos para gastar nada, pois papai não permitia que suas lindas garotinhas vissem o mundo cruel e pecaminoso. Não obstante, parecia que comigo era pior. Papai contratara uma professora velha para me ensinar aos seis anos. Aprendi muito, devo dizer, mas ainda queria poder ir à escola como Jade..

A primeira a chegar à família foi Jade. Ela tinha cabelos louros como o sol da manhã, a pele dourada como o sol da tarde e faiscantes olhos verdes que conseguiam conquistar qualquer coisa. Papai disse-nos que ela era a mais parecida com mamãe, embora eu não tivesse lembrança dela e nenhuma fotografia para olhar. Por isso, e apenas por isso, eles deram-lhe o nome que tem hoje; Jade, que significa joia, a joia mais rara e linda deles.

Dois anos depois que Jade nasceu, veio Jeon Jungkook. Ele tinha cabelos negros como carvão e lisos como o vento matutino batendo em sua face. Sua pele era tão branca que poderíamos confundir com a neve se não fossem suas pintinhas por todo o corpo. E seus olhos eram mais negros que o carvão de seus fios. Jeon era o mais carrancudo, fechado e inteligente entre nós. Papai sempre disse que previu isso, assim como previu que seu filho mais velho seria o juiz da família, por isso deu-lhe o nome Jung, que significa justo.

Eu vim um ano depois da chegada de Jeon. Meus cabelos longos eram negros como os de meu irmão, meus olhos azuis como os de meu pai e a pele tão normal quanto a de qualquer outra pessoa, nem tão branca nem tão bronzeada. O que eu tinha de mais belo, disse papai e escreveu mamãe, eram meus olhos. Papai sempre dizia que era como olhar para o próprio oceano. Ter o próprio oceano. No entanto, meu irmão sempre dizia que o que havia de mais belo era minha face arredondada, tão suave e marcada. Entretanto, eu era a que mais tinha aparência delicada e o rosto de criança. Sempre a mais inocente entre todos, dizia papai. Por isso, me deram o nome de Jane, que significa presente de Deus; porque eu era um presente de Deus, santa e ponto final.

O último de nós, o mais fofinho e pequenino, era Jace. Ele era o mais carinhoso e sempre gostava de cuidar de todos, mesmo tendo agora apenas seis anos. O nome foi escolhido por mim e Jeon, com o significado de curador. Pois, sabíamos que, de algum modo, Jace curaria sempre nossos corações e machucados do mesmo modo que faríamos com ele.

Éramos como uma família normal. Três filhos do primeiro casamento de papai e um do segundo.

Justin, nosso pai, era um homem de negócios. Tinha uma empresa de tecnologia muito grande que nos dava uma fortuna a cada dia que passava. Papai era consideravelmente bonito e carrancudo, sua mente muito fechada, o tornando perfeito para ser dono de um grande negócio.

Entretanto, dizia Jade, ele não era assim quando mamãe ainda estava viva, quando eu ainda não tinha nascido. Jade contava-me histórias românticas e felizes de quando mamãe estava no quarto ao lado. Descrevia cada detalhe com um sorriso que faria o mais lindo dos homens se desmanchar. Era bom ouvi-la, mesmo que à noite os pesadelos de ter nascido viessem como uma surra de cinta. Também era bom quando o sonho acabava e eu, criança, chorava até que papai notava-me novamente. A época dos pesadelos não tinha Jace para me abraçar e tirar a dor do fundo do meu ser, onde ninguém alcançava. Não tinha Jung disponível pois era a época em que estudava mais seus livros e não tinha tempo para mim – embora ele sempre tivesse um livro socado na cara carrancuda. Não tinha Jade, que estava mergulhada em seu sono de beleza e não poderia levantar e ousar ficar feia no dia seguinte – mesmo que isso seja impossível. Papai vinha, então. Vinha e pegava-me em seu colo, acariciando meus cabelos e dizendo que fora apenas um pesadelo. Ele falava o quanto amava sua filha de Deus, aquela que nunca seria maltratada nem olhada. Aquela que seria só sua. Apenas sua.

Traumas - O Labirinto das Sombras (Jeon JungkookOnde histórias criam vida. Descubra agora