Capítulo dois

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   Ao chegar no prédio grande do museo, Elísia pode ver seu chefe suspirar. Tentou, mais uma vez, ignorar tudo isso que acontecia com ela e, claro, mais uma vez, foi em vão.

— Elísia, você está atrasada e pior! — o tom rispido dele em sua direção a fez dar um pulo — você está um bagaço!

A jovem não pode evitar uma risada alta e escandalosa, com direito até a som de porquinho.

— Você não é o primeiro a me dizer isso, senhor Filipo! — o homem já havia suavisado seu semblante, até mesmo acompanhando suas risadas.

— Eu imaginei. Realmente esta acabada.

— Ei! Isso é maldoso!

— Tenho certeza de que aquele seu amigo concordaria comigo. Qual era o nome dele mesmo? — pensou o homem.

— Victor! É Victor o nome dele! — a jovem tentou ajudar.

— Isso! Viu, eu lembro!

   Elísia riu mais uma vez e o seguiu, passando pelas grandes portas de madeira para dentro do antigo prédio em tom rosé desbotado que outrora fora a maior e mais luxuosa construção da cidade, residência de um influente médico e politico que dera nome a cidade, agora o lar de antiguidades inestimaveis da história de BonTempo e, claro, local de trabalho de Elísia. Sinceramente? Ela adorava aquilo. Gostava como se sentia mudando de épocas e conhecendo cada vez mais a cultura que seus antepassados deixavam de riqueza para ela.

— Mas me diga, o que aconteceu? — pergunta Filipo, demonstrando sua preocupação.

   A jovem suspirou antes de começar a contar tudo o que havia passado desde a noite anterior. Seu chefe, o senhor Filipo, era como um pai para ela, sempre cuidando e se preocupando, algo que jamais vira do seu próprio pai, uma vez que este era emocionalmente distante. Quando estava triste ou enraivecida, era Filipo quem estava lá e ela não poderia pedir alguém melhor.

­— Eu não posso acreditar nesta barbaridade que fizeram contigo, Lia! — exclamou o senhor.

   "Lia" era um apelido carinhoso que o senhor havia lhe dado, uma vez que o mesmo sonhava em ter uma filha demoninada assim. Uma pena que a vida e, mais especificamente, a sociedade, tinham outros planos. Acontece que Filipo era assumidamente gay desde seus quarenta e cinco anos, um anuncio e tanto que abalou e muito seus laços familiares, não que ele se arrependesse, obvio. As piadinhas sobre nunca ter se casado com uma mulher e constituido sua própria familia rapidamente se converteram em insultos homofobicos, os quais sempre eram muito bem rebatidos pelo homem com algum ataque recheado de fofocas e assuntos internos do agressor.

— Poisé! Eu gravei e tirei algumas fotos mas não sei muito o que fazer... — dizia Elísia em meio a um suspiro, que foi seguido da tentativa de segurar o riso ao ver a cara que Felipo fez.

— Ora, você pode me mostrar as fotos e depois vemos juntos o que fazer.

— Velho fofoqueiro! — exclamou a jovem gargalhando.

— Ei! Não esquece que sou eu quem pago seu salário, mocinha! — ele tentou mas acabou cedendo e rindo junto a ela.

   A manhã se passou melhor, entre muitos estudos e xingamentos direcionados a Eduardo e Vanessa. Era hora de descanso, Elísia estava sentada em um dos degraus da escadaria que dava a entrada principal do museu quando um caminhao estacionou no meio fio exatamente em frente ao portao principal, em sua reta. Estranhando, a jovem largou sua caneca de "funcionária do mês" no mesmo degrau que sentara e travou o video sobre o caso criminal norte americano de Elizabeth Short — mais conhecida como Dália Negra após a tragedia que até hoje não obteve respostas. Enfiou seu celular no bolso de trás de sua calça jeans e seguiu com curiosidade até o homem que descera do caminhão. Ele era gordinho e calvo, com uma cara de poucos amigos, carregava uma prancheta, a qual tinha sua total atenção.

— Com licença? — Elísia tentou chamar a atenção para si.

— Entrega para o museu nacional de BonTempo. — disse o moço em um tom monótono.

— É aqui sim, o que seria? — Elísia não poderia dizer se havia amaldiçoado a si mesma por ter perguntado ou ao homem por te-la olhado daquela forma.

— São os quadros do Soares. — disse depois de um suspiro.

— Soares? — perguntou confusa.

— É, Soares, Santos, Silva, sei lá! Aquele pintor com S-alguma coisa! — falou com mau humor.

— O quadros de Caio Souza! — a voz de Filipo soou animada logo atrás dela.

O rosto de Elísia se contorceu perante tamanha ignorancia.

— Desculpa, filha, eu esqueci de avisar. — disse Filipo sem ao menos olhar para ela.

    A jovem só pode rir pela animação dele enquanto o mesmo corria ate a parte de trás do caminão, agora aberta pelo motorista, para ver as obras de arte que o governo decidira expor em seu museo. 

— Vamos levar lá pra dentro! Andem! — dizia Filipo quase pulando.

   Com uma risada, Elísia nem imaginava o caos que ia ser até o som de vidro se quebrando soar no meio das escadas. Filipo foi o primeiro a chegar, juntando um dos cacos com uma parte dos dizeres.

— A minha caneca... — a tristeza de Elísia era mais que notória, era a sua caneca favorita.

— Eu sinto muito, Lia... — tentou o senhor.

— Por que você deixou essa merda aqui no meio? Não é nossa culpa! — o mesmo cara de antes soltou de forma grosseira antes de seguir para dentro.

   Elísia iria partir para cima dele se não fosse Filipo a segura-la.

— Não vale a pena, tá bom? Ele só está tendo um dia ruim.

— Eu também tô! E nem por isso agi dessa forma!

— Vamos respirar fundo, tá bom? Daremos uma nota ruim sobre eles no app depois e tudo ficará bem.

   Uma nota ruim em um aplicativo idiota não mudaria a fúria da garota, mas por agora, para alegrar Filipo, ela tentaria se acalmar. E o que se pode garantir é que não foi, de forma alguma, um trabalho fácil, pelo contrário, fora uma longa hora de palavras grosseiras, respirações e inspirações e muitos, muitos números.

— Resposta fundo... Um, dois, três... — Elísia fazia pela décima oitava vez.

— Essa foi a última! — gritou Filipo propositalmente para ela ouvir — Já paguei seus serviços e já dei meu fee.. Feed...

— Feedback, Fil, feedback. — o lembrou.

— Sim, Lia, isso aí.

   O motorista confirmou para seu colega que o pagamento foi feito e, com um aceno apenas entre eles, se viraram e partiram para fora.

— Pronto, minha guriasinha, passou, os homens maus foram embora. — Filipo dizia de forma carinhosa e risonha.

— Para! Eu não sou uma criança! — respondeu manhosa.

— Eu sei, eu sei! Vem, temos trabalho a fazer.

   Elísia o seguiu até o laboratório sem contestar. Particularmente? Ela estava ansiosa por isso.

— Então, o que vamos fazer? — perguntou e a resposta que teve a levou aos céus.

— Ué? Restaura-los e arruma-los para exposição, claro!

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⏰ Última atualização: Apr 19, 2023 ⏰

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