A rotina da morte?

Era só mais uma visita naquele hospital, eu me sentia como um animal indo para o abatedouro, eu não estava doente, não estava com dor, mas os policiais e a justiça estavam decididos a me fazer confessar o crime, eu disse muitas vezes que eu era inocente e que eu era apernas uma pessoa na hora errada no lugar errado. Aquelas correntes em minhas mãos e meus pés pesavam toneladas, eu não entendia, minha palavra não tinha valor, mas se eu confessasse o crime teria? Dois policiais me levaram até a sala da terapeuta, era uma senhora, de pele morena e cabelos grisalhos, me lembrava até minha avó, usava uma roupa azul e um óculos na ponta do nariz, sentada numa poltrona, estendendo a mão para que eu me deitasse no divã, ali ao lado dela.
  Eu não me sentia nem um pouco à vontade com aquilo, era o quarto consultório de terapia que eu visitava em duas semanas. A terapeuta pediu que os dois policiais saíssem “para que ficássemos mais à vontade”, como não havia o que fazer me deitei no divã e suspirei, não disse nada apenas olhei para o teto, aquela situação era constrangedora, ela não falava nada, eu também não, estava tão estranho que eu conseguia ouvir o meu coração pulsar, e para vencer aquele silêncio. Decidi falar, mas a voz saiu trêmula.
-Eu não cometi esse crime... a terapeuta anotou algo em seu caderno e olhou para mim.
-Ora, eu nunca disse que fez. Mas eu preciso saber o que aconteceu naquele dia, caso contrário, os cães de guarda não sairão do seu pé... disse a mesma, se referindo aos policiais que esperavam armados do lado de fora.
Estranhamente eu me senti à vontade para falar do acontecido. Desde que ocorreu eu não havia falado a respeito daquilo com ninguém.
-Era um dia comum, eu acordei, fui para o trabalho, mas fiquei com um aperto no peito o dia todo. Eu saí do expediente era cerca 17:30, e depois de quase 10 anos, eu liguei para minha mãe, fazia tempo que eu não falava com ela, da última vez que falei com ela, eu e meu meio irmão discutimos muito e ela ficou do lado dele, eu fiquei irado, e prometi nunca mais falar ou mandar quaisquer notícias para minha família, porém minha mãe atendeu chorando, eu não entendi bem o que havia acontecido, afinal eu não mandava notícias, nem se quer uma simples mensagem. Eu perguntei o motivo, e ela dizia entre soluços que o meu padrasto havia desaparecido. Eu não gostava nem um pouco dele, na verdade ele foi o motivo da briga que tive com o Mateus, para não ser um imbecil com minha mãe da qual eu sentia muita saudade, eu disse que sentia muito, e que eu viajaria para lá, para ajudar nas buscas e desliguei o telefone. Eu fui o mais rápido que pude para casa, arrumei uma mochila com algumas peças de roupas e viajei quase 200 km chegando na casa da minha mãe pela manhã. A casa era a mesma, tudo como eu me lembrava e antes de eu tocar a campainha, um homem abriu a porta, ele era mais alto que eu e até tinha mais barba, mas aquela carinha de neném chorão do Mateus, era irreconhecível, ele me deu um abraço forte e disse que sentiu saudades do tempo que passei fora, eu o abracei também e logo adentrei vendo a minha mãe na sala segurando um teço próximo a boca, balançando para a frente e para trás, eu não sabia como me aproximar dela, meu irmão me deu um tapão nas costas, que chamou a atenção dela, que me viu, os olhos dela brilharam, ela se levantou e correu até mim, me abraçando forte, me encheu de beijos e disse que não havia acreditado que eu viria pois eu não gostava muito do meu padrasto, eu me calei, pois era verdade, eu havia ido até lá pois sentia muita saudade da minha mãe.

O Mateus, a mamãe e eu, tomamos café na mesa, que ainda era a mesma, aquela mesinha redonda pequena que fica no meio da cozinha, parecia pra mim que meu padrasto nem fazia falta, mas eu não disse nada afinal era o marido da minha mãe e pai do meu irmão.  
Depois do café, todos se levantaram e fomos para cada canto diferente da cidade para ver se encontrava algo, eu fui para o sul, pois era um lugar mais calmo, e minha mãe não queria que eu me perdesse ou algo assim, eu sabia que ele era um bêbado sem vergonha, mas o que eu poderia fazer? Eu entrei em cada bar, supermercado, loja e perguntei se alguém havia visto o Marcos e mostrei foto, mas ninguém conhecia, eu bati em várias casas, mas nenhuma dica, parecia que ele nunca havia existido, já estava indo para casa, quando uma mulher me reconheceu e me perguntou se eu era filha da Jaqueline, eu disse que sim, e essa mulher me entregou uma localização dizendo que o Marcos estava lá escondido com a amante dele, eu não decidi se acreditaria ou não mas liguei pro meu irmão e fomos juntos, chegamos lá, parecia que ninguém morava lá a décadas e a vista não era nada agradável, então entreguei um apito pro meu irmão caso ele encontrasse algo, ele assoviasse, então nos separamos e começamos a procurar, eu fui para o leste e o Mateus para o oeste, eu procurei qualquer coisa, pano, celular, sapato nada, sé achei uma faca mas nem encostei pois poderia ser arma de crime ou sei lá, o meu irmão soprou o assovio e eu fui correndo ao encontro dele, e ao chegar, vi uma mulher com um tiro na testa e o Marcos com várias facadas por todo o corpo, eu fiquei em choque e não consegui me mexer. Levei a mão no bolso, tremendo e liguei para a polícia, mas ao virar para o Mateus ele tinha sumido e eu comecei a procurar por ele, e eu o vi com a faca na mão, não poderia ter sido ele, eu acreditava com todas as minhas forças que não era ele, eu fui enfrentar ele pra perguntar o que ele estava fazendo com uma faca na mão mas ele olhou pra mim, riu, cortou o rosto e gritou na hora eu só senti o cano de uma arma gelada nas minhas costas, o Mateus havia jogado a faca longe antes, mas ele gritava com se eu tivesse o ferido, eu nunca machucaria meu irmão mais novo, eu não seria capaz daquilo, mas o cano gelado era a polícia que mandou eu erguer as mãos e sem resistência ergui e me levou para a viatura. Eu estava perdido, era uma armadilha pra mim? Meu irmão estava por trás disso o tempo todo? Minha mãe sabia disso? Ao chegar na delegacia algemado eu tentei me explicar ao delegado, mas levei uma coronhada na testa que me desmaiou, quando acordei estava algemado e com uma focinheira, como se eu fosse um cão, eu não conseguia falar, sentia medo, frio e eu realmente não fazia ideia do que estava acontecendo. E agora eu estou aqui, bom esse é o resumo da minha semana.
A terapeuta olhava em meus olhos, e eu sentia um calafrio subir pela minha espinha, ela tinha anotado alguma coisa sobre tudo que eu disse. Eu levei um susto ao ouvir um alarme, e logo ouvir um soco na porta e de novo colocaram a focinheira em meu rosto me puxando novamente. A terapeuta me surpreendeu quando se levantou e disse em alto tom.

-Esse homem é inocente! Ele não fez nada.
Infelizmente as palavras dela não valeram de nada pois fui levado de volta para a cela, como um cão, algema nas mãos e nos pés, focinheira como se eu fosse um perigo para a sociedade. Alguns policiais viram até a minha cela.
- Você tem visita, aberração.
Eles me tiraram da cela e me levaram até o pátio, e minha mãe estava segurando uma bolsa, e dois policiais novamente ficaram atrás de mim por alegarem que sou perigoso demais. Eu não podia falar pois eles não haviam tirado a focinheira, apenas observava a minha mãe, eu pude ouvir os outros presos dizerem que meu olhar era de um psicopata, e que a senhora seria minha próxima vítima, e claro eu os ignorei. A minha mãe me olhava com lágrimas nos olhos.
- Meu filho como você pôde fazer isso comigo? Eu sou sua mãe.
Sinceramente, eu estava a 200 km e viria aqui para matar alguém, com certeza. Mas ao olhar para o lado vi meu irmão encostado na cerca, o ódio me consumiu e eu fui até ele, segurando na cerca, pois ele estava do outro lado, minha boca espumava como um demônio sedento por sangue enquanto passava a mão no pescoço imitando uma faca e apontava pra ele. Eu queria mata-lo ali e agora mas fui impedido pelos policiais que colocaram um taser em minhas costas me fazendo desmaiar. Fui jogado na cela novamente, mas agora eu não pensava em sair, eu pensava apenas em me vingar. O julgamento seria amanhã e eu torcia para que ele fosse. Meu sangue fervia de ódio e tudo que eu pensava era como matar ele.
Era 7:00 da manhã e eu estava sentado na cama com os olhos vermelhos como o ódio tivesse conseguido me dominar. Os policiais me levaram até o tribunal onde eu teria certeza que seria acusado injustamente. A defensoria até chamou algumas testemunhas, mas não era minha liberdade que eu queria naquele momento, eu olhava em volta procurando meu irmão, e o avistei ao lado da terapeuta, ele ria como se já tivesse vencido, quando tiraram a focinheira para que eu pudesse tentar me livrar das acusações, eu fiz minha nota de suicídio.
-Eu sei que sou inocente, mas vocês não acreditam nisso, e o culpado está aqui entre nós, rindo como uma hiena, mas é com felicidade que o levo pro inferno comigo.
Eu havia pegado a arma do policial que me segurava, ele estava tão chapado que nem percebeu, apenas guardei a arma esperando o momento, e era aquele o momento, arranquei a arma dando um tiro certeiro na testa do Mateus.
-Nos vemos no inferno, irmãozinho.
Após isso, encerrei minha vida com um tiro no ouvido.
                                                                       ~Hemanuely Silva
                                                                              29 de março de 2023

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⏰ Última atualização: Mar 30, 2023 ⏰

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