Cap. 3

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Passamos a semana inteira treinando, não ligava para o que meu irmão havia dito, treinar é melhor do que ficar de braços cruzados esperando ver quem seria escolhido. Até ele mesmo talvez tenha se convencido um pouco de que eu estava certa já que ele apareceu para treinar nos dois últmos dias.

Cheguei a pouco tempo em casa e sei que esse foi meu último treino. Amanhã é a colheita. Não sei como vou conseguir ficar calma lá. Até porque treinando pude ver o quanto alguns de meus amigos são fracos. A maioria de nós não sabe nada que poderia ajudar em jogos de morte. Faz algum sentido aqui no distrito 1 são poucos os que precisam aprender isso. A maioria tem dinheiro. Claro que sempre tem os que são mais pobres, mas mesmo eles não precisam aprender a usar armas. Eles vão usá-las para que? Não podemos ultrapassar nossa grade como pelo que eu fiquei sabendo o 12 faz. Nossa grade antes mesmo da rebelião já era eletrificada, o que nos dificultou um pouco.

Sei que nos jogos eu talvez tivesse chance. Eu sei lutar e acho que na hora não me importaria de matar.

Vou dormir pensando no assunto e quando me acordam o sol já brilha bem alto.

Minha mãe prepara um almoço especial, comemos e eu vou para o banho. Quando saio minha mãe me leva até o quarto e me mostra a roupa que separou para mim. É uma blusa preta com uma saia de cintura alta rendada. É linda. Coloco e me sinto uma bonequinha. Calço um par de sapatilhas pretas brilhantes que eu tenho e minha mãe arruma meu cabelo. É um penteado que eu adorava quando era pequena. Nunca mais tinha usado. Consistia em um rabo de cavalo alto com várias trancinhas. Sacudo-as e gosto da sensação.

_E o Lucky? -pergunto curiosa sobre o meu irmão.

_Seu pai está o vestindo.

Minha mãe sai do quarto e posso me olhar. Estou fofa. Se eu fosse escolhida hoje acho que não daria medo em ninguém. Rodo um pouco em frente ao meu espelho e minha saia se abre. Um pensamento passa pela minha cabeça. Será que talvez, mas só talvez eu realmente pudesse ganhar? Ao longo desses dias ouvi vários anúncios da Capital falando a honra que os escolhidos teriam, e quanto luxo teriam no futuro. Não que eu precisasse, mas...

Saímos em direção à praça principal em frente ao edifício de justiça, o hospital de meus pais fica a pouco menos de três quarteirões daqui. Ninguém diz uma só palavra o percurso todo e não é necessário. A praça já está cheia. Olho em volta e reconheço todas as lojas e prédios que temos aqui. Os rostos em volta também são familiares, mas não se parecem com os que eu estou acostumada. São feições assustadas. Crianças indo para a morte certa. Meu estomago se remexe de aflição.

_Acho que agora eu sigo por lá. -diz meu irmão me acordando pro mundo real.

_É, e eu vou por aqui.

Nossos pais nos abraçam e sei que eles sentem medo.

Estou me dirigindo a fila onde há uma placa com a minha idade. Mas antes de chegar lá me deparo com uma cena que me faz ter vontade que matar verdadeiramente alguém. Joy, a menininha que eu sempre comprava balas. Ela estava de mãos dadas com sua mãe quando um dos tais pacificadores a puxou dela. Ele chorava tanto e parecia tão indefeso. Mesmo com doze parecia ter muito menos devido à estatura dela. Senti meus olhos se encherem de lágrimas, mas ainda tive que ver a última cena que foi dela levando um tapa na cara e sendo jogada em cima de tantas outras garotinhas de doze anos.

Comecei a correr para a minha fila, não queria ver mais nada estava de bom tamanho por hoje.

Quando cheguei um carinha de branco me levou até uma mesa onde espetaram uma agulha no meu dedo e recolheram sangue. Continuei andando até estar junto com todas as meninas da minha idade, minhas amigas por acaso. Procuro um pouco e logo vejo Larret. Sei que ela luta para segurar o choro. Sempre ri dela por ser fraca, mas agora eu me sentia exatamente como ela. Chego mais perto e seguro sua mão. Nisso em um gesto silencioso, todas seguramos as mãos uma das outras.

Sinto o desespero de cada uma delas. Olho em volta á procura do meu irmão, ele parece tão indefeso, tanto quando um carneiro indo ser morto para se comer a carne. Também vejo a Joy, ela chora incontrolavelmente e não sei se suporto olhar. Não consigo vê-la de jeito nenhum nesses jogos. Ela morreria no primeiro dia. Lembro dela no treinamento mal conseguindo levantar uma espada.

Finalmente as cortinas do palco montado se abrem e uma mulher estranha da Capital aparece. Ela fala seu nome, mas não faço questão de prestar atenção, está usando um visual típico da Capital, peruca verde, corpo meio alaranjado e um vestido que mais parece um vaso de flores. Um curto filme sobre o motivo dos jogos aparece no telão, para mim não passa de besteirada.

_Meninas primeiro. -diz a mulher com uma animação inadequada.

Ela remexe a bola onde posso ver vários papeizinhos e retira um. Tudo acontece rápido demais. Penso em todos, na menininha indefesa, nas minhas amigas, na fama, nas minhas chances e antes que a mulherzinha da Capital tenha chance de abrir o nome eu me voluntario.

_Eu vou! Eu me voluntario como tributa nos jogos. -falo sem fôlego.

Ela parece surpresa, tenho certeza que não esperava isso. Olho em volta e todos estão com a mesma expressão surpresa.

_Olha! Esse sim é o espírito dos jogos!

Subo lentamente no palco, pensando se realmente foi muita loucura. Ela estende a mão para mim, mas eu ignoro, tenho nojo.

_Então minha linda. Qual o seu nome?

_Gemmy, Gemmy Limber.

_Oh, parabéns Gemmy. -ela diz sorrindo. _A que devemos a honra de ter se voluntariado?

Não penso, as palavras simplesmente saem de mim.

_Eu não poderia deixar que qualquer um daqui fosse para lá, eles não teriam chance e eu não conseguiria viver sabendo que podia ter feito algo para protegê-los de alguma forma. Alguns aqui eu ajudei a cuidar no hospital dos meus pais. Eu trouxe de volta a vida e saber que eles iam morrer não era certo.

Há um momento de silencio enquanto todos tentam entender o que aconteceu e então recebo uma salva de palmas e no final as duas palmas no alto para cima, era nosso símbolo para quando precisávamos proteger alguém ferido na rebelião.

Depois de muito tumulto ela retira o nome dos meninos e eu quase desmaio quando ouço.

_Lucky Limber.

Notas finais do capítulo:
Dois irmãos na arena, só um sairá de lá, será que vão ter coragem de matar um ao outro?

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