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SEELE

Embora não gostasse de admitir, Seele era uma pessoa insegura. Sua imagem de psicóloga gentil e calma era uma projeção que ela havia conseguido desenvolver ao longo dos anos, mas nem sempre foi assim.

Ser doce e gentil era parte de si, mas por muito tempo ela teve dificuldade em transmitir segurança. Não era fácil fazer isso quando não conseguia assegurar nem a si mesma.

Eram poucas pessoas que sabiam disso, mas Seele não havia tido apoio de sua família em sua graduação. Para eles, ela não era inteligente o bastante para fazer algo, na visão deles, mais relevante e diziam que a psicologia era apenas uma fantasia para tirar dinheiro de idiotas.

Por alguns anos, Seele acreditou nessas palavras. E acreditou que estava fadada a viver daquele jeito para sempre.

Sendo a filha mais nova de três irmãos, eles a criaram a vida inteira da forma mais reclusa e tradicional possível, incluindo castigos físicos e muitos gritos. Consequentemente, seu futuro pessoal romântico estava tão condenado quanto o profissional.

Por fora de sua compostura calma e resguardada, seu coração guardava grande mágoa. De seus pais, de seu passado e de si mesma. Sua relação com os dois primeiros nunca foi boa, e isso acabou contaminando a terceira. Quando ela conseguiu sair de casa, após conseguir uma bolsa de estudos em outra cidade, foi como colocar um pequeno curativo numa ferida profunda. Não era a solução do problema, mas ao menos era uma tentativa.

Anos haviam se passado e Seele finalmente poderia dizer que estava orgulhosa de alguma coisa relacionada à si mesma. Ela tinha um lugar para chamar de seu e era muito elogiada enquanto psicóloga, e, acima de tudo, tinha paz. Mas ela sabia muito bem que, algumas feridas sempre se abrem, e sua insegurança com si mesma nunca foi embora completamente.

Quando ela percebeu que estava apaixonada por Bronya, ela sentiu que havia falhado com ela. Falhado em manter seu profissionalismo e falhado em cuidar dela corretamente.

No dia em que Bronya a agradeceu pelo último ano, ela percebeu que seu coração já estava fora de controle. Ela percebeu que seu profissionalismo realmente não poderia coexistir com esse sentimento estranho, não quando ela se sentia completamente desestruturada por qualquer mínimo gesto de afeto que Bronya tivesse.

Mesmo que ela fizesse isso apenas de forma platônica, seu corpo e subconsciente não interpretariam assim. E ela se odiava por isso.

Sem conseguir organizar esses pensamentos tão rápido quanto gostaria, ela acabou rejeitando o convite de Bronya logo após aceitar. Apesar de saber que teria que encaminhá-la para outra profissional independente disso, no fundo, ela não queria pensar que tinha alguma chance. Não quando ela não se sentia suficiente para isso.

Pela primeira vez em anos, Seele passou a noite inteira chorando. Ela estava com medo de Bronya ficar brava e decepcionada por ela ter estragado tudo. Ela sentiu raiva de si mesma, por não conseguir controlar o que sentia. Aquele sentimento horrível de falha havia voltado para assombrá-la.

"Você não serve pra nada e adora perder tempo com bobagens. Não me impressionaria se você acabasse morrendo sozinha" foram as palavras que uma vez sua mãe disse, durante uma discussão.

Na metade de sua graduação, Seele voltou para casa para o recesso de final de ano. Como sempre, a convivência na casa não era nada agradável. Após seu pai ficar doente e morrer, um ano atrás, sua relação com sua mãe estava ainda pior.

Aqueles meses longe de casa foram como o paraíso para Seele. Estar de volta era como um lembrete amargo de que algumas poucas coisas nunca mudam.

Were you crying last night? • bronseele (hi3)Onde histórias criam vida. Descubra agora