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BRONYA

Memórias felizes de infância costumam ser um dos bens mais preciosos que uma pessoa pode ter. Elas são um lembrete de como era o mundo através de uma lente de inocência e curiosidade.

Com o passar dos anos, conforme as pessoas crescem, a tendência é que essas memórias aos poucos comecem a se desgastar, assim como as páginas de um livro tendem a amarelar com o tempo, até que um dia, não sobre mais nada. Assim é a vida.

Apesar de tudo, para que não pareça uma sentença tão cruel, alguns momentos acabam sendo preservados. Acontecimentos não necessariamente extraordinários ou importantes, mas que viverão eternamente no coração de uma pessoa até seu último suspiro.

Bronya não se lembrava de praticamente nada de sua infância, além de alguns fatos corriqueiros, mas ela tinha uma lembrança. Ela não conseguia lembrar qual era sua idade na época, mas o evento era muito claro para si: a primeira vez que ela foi para a neve.

Sendo de uma família da Sibéria, era óbvio que era uma memória do início de sua vida, mas mesmo com a pouca idade ela se lembrava da risada de seus pais segurando seu corpo pequeno enquanto ela tentava caminhar, afundando todas as vezes.

Ela se lembrava de rir sempre que escorregava e caía no chão gelado. Apesar do frio intenso e de sua dificuldade para andar sozinha ali, ela sabia que sua família estava consigo para levantá-la.

Em seu último lapso de lembrança, ela estava deitada no chão. Além de um monte de neve, o sol do meio do dia aparecia brilhando intensamente na linha do horizonte. Talvez tenha sido ali que ela sentiu pela primeira vez o sentimento de plena paz.

"Bronya, não se jogue no chão, a neve parece macia mas é muito dura dessa forma."

"Não!" disse a pequena Bronya, fingindo não estar desconfortável com o chão duro "A neve é muito muito macia!"

Infelizmente a vida é imprevisível e momentos são passageiros. Anos depois, tudo aquilo não passava de uma página do passado, desgastada ao ponto de ser quase ilegível.

Quando Bronya entrou para o exército, ela já não tinha mais aquela casa, aqueles dias brincando na neve sendo uma criança, e também não tinha mais sua família. A única coisa que tinha era uma arma em mãos e um suposto propósito para lutar em terras estrangeiras por motivo nenhum além de destruição.

Antes que Bronya pudesse perceber, anos haviam se passado. Anos em que ela não viveu nada de bonito como no passado, mas que, ironicamente, ela seria incapaz de esquecer.

Em meio ao dia a dia sangrento, ela se perguntava quando seria sua vez de se deparar com o fim da linha. Bronya já não sabia responder se seria sorte ou azar e se ela sentiria desespero ou alívio. Tudo era uma incógnita que parecia ter tanto valor quanto as dezenas de corpos desovados todos os dias como se não fossem nada.

No entanto, três anos atrás ela obteve sua resposta em forma de uma onda de balas a atingindo como uma tempestade extremamente violenta. Ao sentir seu corpo cair no chão, ela se lembrou da dor aguda que sentiu nas pernas antes de ser derrubada para abraçar a morte.

O cheiro de seu próprio sangue foi uma das últimas coisas que Bronya sentiu antes de desmaiar. Antes disso, ela teve algum tempo para contemplar o espaço daquela perspectiva.

Os gritos e barulhos de tiros e passos ao seu redor estavam abafados, ela podia ignorá-los tranquilamente. Sua arma estava a alguns centímetros de seu alcance. Se ela se esforçasse apenas um pouco, poderia pegá-la de volta. Mas, havia algum motivo para fazer isso?

Were you crying last night? • bronseele (hi3)Onde histórias criam vida. Descubra agora