4 - Toca do Coelho

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   Um zumbido insistente se meteu em seus ouvidos...

   Era alto, estridente e doloroso de se ouvir, como o ruído da TV quebrada, lá no orfanato. Velha demais até para os padrões menos exigentes. Stella não conseguia dizer onde estava, ou como diabos viera parar alí, até porque, ela estava aterrorizada demais para sequer cogitar a ideia de abrir os olhos. A cabeça doía, como se estivesse recebendo marteladas constantemente, alternadas entre uma batida e outra do seu coração apavorado.

   Queria chamar por Emmily, a que sempre sabe o que fazer, talvez Billy, e sua lógica irrefutável, ou, na pior das hipóteses, chamaria até por Joe, nem que precisasse aguentar as piadas, os apelidos e as pequenas discussões bobas. No entanto, Stella sabia que ninguém viria, não importa o quão fervoroso fosse o seu clamor. Então, só lhe restava permanecer encolhida sobre si mesma, com os olhos bem fechados e o medo assombrando os cantos mais obscuros da sua mente.

   Isso não é real... Isso não é real... Não é!

   Estalidos estranhos disputavam espaço com a estática, alguns distantes como o ladrar dos cães na madrugada, outros tão perto quanto passos pelo piso imaculado. Pouco a pouco, conforme os minutos passavam, as memórias de Stella começavam a se fundir ao ambiente decadente, misturando-se em uma sinfonia de desesperança e abandono. Ela podia sentir o frio tomando conta do corpo, paralisando os músculos e tomando cada uma das suas lembranças, percepções e anseios.

   Isso não é real... Não é real... É real?

   Já não sabia dizer há quanto tempo estava de olhos fechados, ou se algum dia voltaria para a luz novamente. Ser criança não importava mais... Ser órfã não importava mais... Estar viva não importava mais...

   —Stella, está me ouvindo? – Um sussurro chegou aos seus ouvidos, algo que parecia ser a voz de Emmily, embora distante e abafada. – Stella, acorde!

   Motivada pela ordem, a garota finalmente abriu seus olhos...

   —Emmily? – Disparou, em desespero.

   Mas ninguém respondeu desta vez...

   Stella arfava, sentindo um frio de arder os ossos, enquanto lutava para compreender o que estava, de fato, acontecendo. Diante das suas pupilas dilatadas, a sala da senhora Delfins se desenhou perfeitamente; exibindo o mesmo papel de parede engordurado, maneki nekos nos mais diversos tamanhos e cores, todos eles exibindo o mesmo sorriso felino doentio, e o aceno incansável de uma das patas dianteiras. Até mesmo a poltrona era a  mesma. Levemente torta para a esquerda, berrando em verde limão e o odor pungente de perfume vencido. Revistas, pôsteres, prateleiras, a coleção de selos do falecido senhor Delfins...

   Tudo igual... Com a única excessão de que, alí, o ar era mais parado, taciturno e gélido. Transmitindo a mesma morbidez de uma foto polaroide antiga.

   —Mas o que é que eu estou fazendo aqui? – Stella se perguntou, estranhando a própria voz.

   O som da estática continuava a dominar o ambiente, vindo da mesma TV velha, cujos botões estavam todos arrancados e a tela brilhando em uma profusão de pixels enlouquecidos. Stella ainda se sentia dormente, duvidando dos próprios pensamentos e se perguntando se aquilo era algum tipo de sonho esquisito.

   —Isso não faz sentido... – Voltou a falar, enquanto girava sobre si mesma.

   Agora que já estava desperta e um tanto quanto curiosa, a garota se aventurava pelo espaço deserto. Caminhando com uma certa lentidão, pois seu corpo parecia não responder aos comandos do cérebro. Após alguns segundos de confusão, ela finalmente lembrou-se de olhar para a porta. Já que estava no orfanato, bastava apenas sair da sala e buscar por Emmily, onde quer que ela e os outros estivessem.

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