"Porque todas as fantasias me lembram você. Todos os confetes disfarçados de alegria me remetem a tristeza que é não ter você mais ao meu lado."
O carnaval é quando a alegria do povo é soberana, o amor e a sexualidade se afloram. É onde os vendedores ambulantes ganham seu maior sustento e é onde os donos de agremiações podem demonstrar seu amor pela folia de momo. Lotado de beleza e símbolos, o carnaval é uma festa que vai além dos três dias.
O céu azul e muitas serpentinas e vestígios de jatos d'água cortando o céu e aliviando o calor das pessoas, lá estava eu na calçada observando o empurra-empurra.
É tão lindo ver o bloco passar, o moço carregando o flabelo, o estandarte se balançando no ar, e claro, o boneco dançando e pulando com todos seu esplendor e perfeição de ser e além de tudo os palhaços. Os palhaços me encantavam profundamente com todo o exagero de sua roupa, todo o brilho. Os palhaços me lembram muito a paixão, porque paixão é puro exagero, e por falar em paixão, foi no carnaval que conheci a minha primeira paixão.Mesmo sem saber me apaixonei pelo homem, por acaso não sabia se era homem ou mulher mas já me encontrava apaixonada. Era somente um palhaço amarelo e sua perfeição de ser. Com grande altura, ombros largos e pele morena, ao tirar a máscara descubro que é um rapaz, cujo nome não sei mas fico o amando perdidamente. Ele bebe água, ri para os outros amigos palhaços que também estavam tirando a fantasia para respirar. Me encontrava tão curiosa, queria saber seu nome, onde morava, com quem andava ou o que comia. Queria saber quem amava seu corpo, quem originou ele, sua mãe e seu pai sua família. Me encontrava já tão íntima com uma cadeira e uma mesa de plástico. Em cima do prato rosbife com arroz e feijão que preparei. O homem saindo do banheiro. O sol batendo no seu samba canção ainda molhado do banho. Assim iria ser minha vida casada com o palhaço. Dona de casa e amável, casada com o homem misterioso que se veste de palhaço no carnaval. E os nossos filhos? Teríamos filhos? Não sei se estaria preparada para ver o meu corpo magro e esguio se deformar com manchas e esticados na pele de gravidez. Seria meu maior pesadelo, já pensou se o homem para de me desejar, ou pior, se ele começa a demonstrar que não me deseja. O pior seria a demonstração. me casei com ele pelo fato de ser misterioso, se quisesse alguém expressivo e que fosse mais sentimento, me casaria com uma mulher. Não tolero que ele seja assim, sentimental, a não ser que seja sentimental mas como homem, e eu rígida e bruta como uma mulher. Bobagem, minha mãe nunca permitiria casar com um palhaço de carnaval, e seu emprego!? E a seriedade da família? família é coisa séria, e eu uma moça loira, magra e esguia não poderia frequentar carnaval, muito menos me casar com alguém que fosse dele. Tudo bobagem, tudo raiz da minha mente de mulher virgem e pecaminosa, tudo culpa do meu período fértil e o calor que sai debaixo do meu vestido florido.
Sabe, o corpo quer existir, e preciso da permissão, permissão de ser mulher, fazer o pão, amar o cheiro do meu amado, amar o cheiro do carnaval, amar o cheiro da liberdade. Minha mãe nunca me deixaria ser submissa, também nunca deixaria que eu nunca me casasse.
Se não fosse o palhaço, quem sabe me casaria com o manipulador daquele boneco, ele tem pernas grossas e uma cara indecifrável. Se consegue carregar um boneco consegue carregar o fardo de casar-se comigo. O homem tira a camisa e eu me sinto tão suja. Eu sinto desejo de o ver sem a roupa que o cobre agora na multidão, eu sinto desejo que seu corpo se junte ao meu, mesmo suado, mesmo enfeitado de confetes grudados pelo corpo. Eu me sinto impura, mesmo ardentemente virgem, eu queria poder reclamar para Deus a culpa de ter um corpo e de me apaixonar agora pelo manipulador que usa óculos, tem bigode e usa o cabelo arrepiado. Deus se você pode me ouvir, me diga então, acha que ele pode ser um bom marido? Não importa de qualquer forma, minha mãe jamais permitiria que eu me casasse com alguém do carnaval. Ainda mais depois de descobrir que o moço fuma, ele pede cigarro a um outro garoto que diz não ter, pois não usa tabaco. O fato do outro garoto não fumar me interessa, mesmo que o fato tire a misteriosidade do rapaz, mas não fumar não revela a identidade de alguém. E quem seria esse rapaz que não fuma, talvez minha mãe deixasse que eu brincasse com ele no quintal de casa, aliás ele não fuma. Não ficaria tossindo minha tristeza de mulher casada com o moço que fuma.
—Mamãe, ele é do carnaval, mas não fuma, tá mamãe.
E se mesmo brincando com ele eu ainda desejasse o garoto que carregava o boneco. E se ainda pensasse no seu corpo nu, detrás de minha costas, suas respirações em meus ouvidos, o seu corpo suado e macio, o arranhão de seus pelos pubianos...
Acorda menina, acorda! Não podes pensar tanto nessas coisas se não vai desonrar sua família.
O sonho acabou onde estou agora, sozinha, com saia de flores, e na calçada, esperando que termine de passar este bloco de carnaval. O rapaz que estava vestido de palhaço continua imóvel e a existir no seu corpo de homem, não é fruto do meu sonho e de minha mente de garota sozinha. O menino que carrega o boneco continua com seu corpo de homem tão sedutor. O rapaz que não fuma, no fundo continua me chamando para brincar no meu quintal de pique-esconde. E eu continuo aqui, solteira e virgem, da calçada da casa minha viúva mãe, é que vejo o carnaval.
—Mãe, um garoto me molhou com sua pistola d'água, não quero mais assistir o bloco passar
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Amor de carnaval vai e vem como vendaval.
ContoMesmo sem saber, a menina na frente de casa olhando o bloco passar no seu corpo de mulher, se apaixona pelo homem.