Ana Luísa — Casa da vovó, 2009
Meu lugar preferido no mundo todo, eu sentia o cheiro do bolo de cenoura que minha avó assava no forno, o rádio dela tocava baixinho alguma música do Caetano Veloso. Chico, seu gatinho obeso, estava deitado encolhidinho no tapete de crochê que vovó fez para ele.
Vovó cantarolava enquanto mexia o brigadeiro, eu secava sua louça olhando aquela cena. Seus cabelos tingidos de um vermelho borgonha, o cordão com uma bonequinha, eu. A única neta da Dona Elvira.
— Vovó.- chamei sua atenção, vendo ela desligar o fogo do fogão e abrindo o forno.— Como a senhora conheceu o vovô?- vi ela sorrir e espetou um palito no bolo, logo tratou de tirá-lo.
— Aí, minha filha... já fazem tantos anos. Seu avô sempre foi um homem batalhador, tínhamos a sua idade quando nos conhecemos. Edgar trabalhava para meu pai, era um faz-tudo. Mas era muito inteligente e adorava poesias, quando papai saía, ele lia várias em minha homenagem. Eu, ainda uma moça, caí nos encantos.
— E o seu pai, vovó?- acabei de secar a louça e me sentei, apoiando meu queixo em minha mão direita, ouvindo curiosa suas histórias.
— Papai não gostou nenhum pouco, disse que eu estava ficando louca de querer um serviçal. Edgar saiu corrido de minha casa, mas não adiantou de nada, né? Taí, casamos, tivemos filhos, vários netos.
— A senhora fugiu?- vi vovó derramar a calda de chocolate no bolo e senti meu estômago roncar.
— Fugi.- falou de uma forma engraçada.— Claro que fugi, eu governo minha vida, menina. Nem papai e nem Edgar nunca me impediram de nada, quando fugimos eu logo tratei de trabalhar também.— colocou meu pedaço em um prato para esfriar.— Seja independente, minha filha. Ame, ame muito. É maravilhoso amar alguém, mas não deixe que te prendam e nem prenda também. O amor é pra ser uma liberdade, é igual correr livre em um campo bonito. Amar não é prender, menina. Mamãe sabia bem disso, tanto que me ajudou muito escondida de papai, mas aí com os netos, meu pai baixou a guarda.
— A senhora ama muito meu avô ainda? É como antes ou o amor diminuí?
— Eu amo esse velhinho, ele já está gasto, enrugado, tadinho. Mas é o meu amor, sim. Sempre que olho pra ele, é como se ainda tivéssemos 16 anos.- vovó olhava pela janela da cozinha, vovô regando as rosinhas dela.
Comecei a comer o bolo, pensativa nas falas de Dona Elvira. Eu amava as histórias deles, vovô era um tanto mentiroso e aumentava as histórias só para fazer a gente rir. Estava distraída em meus pensamentos quando meu celular tocou.
— Luísa...- uma Fernanda ofegante do outro lado da linha tentava falar.— Você não vai escapar, cara. Você disse que ia comigo comprar as flores.- senti vontade de rir.
— Fernanda, hoje é sábado e eu tô na casa da minha avó.- vovó sorriu quando soube com quem eu falava.
— Eu sei, Luísa!- ela quase gritou no meu ouvido.— Você queria me dar um bolo, mas não vai rolar! Eu tô chegando aí e você vai comigo.- iria responder mas ela desligou na minha cara. Alguém não está de bom humor.
— É a sua amiga?
— Sim, ela quer ir no centro comprar uns... presentes.- me senti constrangida em falar que seria um pedido de namoro.
— E por quê você não vai? Vai, filha. Acompanha ela.- vovô entrou na cozinha mostrando como os girassóis estavam crescidos, eles engataram um assunto sobre plantas e saíram para o jardim.
Cerca de 20 minutos depois Fernanda chegou, suada e cansada em sua bicicleta vermelha que ela não usava a anos. Minha mãe logo convidou-a para entrar e lhe serviu água e o bolo de cenoura com chocolate.
Meus avós tratavam Fernanda como neta também, já que crescemos juntas e eu sempre levava Fernanda para meus passeios e vice-versa. Quando finalmente íamos saindo, vovó ofereceu dinheiro para o táxi. Disse que era muito perigoso irmos de bicicleta no centro movimentado. Aceitamos e partimos rumo ao nosso destino.
— Lulu, eu pensei em comprar uma cesta sabe, aí eu coloco várias besteirinhas e um urso. Ah, uma rosa também.- eu não queria ser a amiga chata e negativa, mas eu tinha receio de que as coisas não saíssem como ela esperava. Será que eu estava sendo uma amiga ruim por não avisá-la? Ou eu estava sendo negativa mesmo? Ou pior, e se ela achasse que eu estava com inveja ou algo do tipo? É melhor eu não falar nada.
— É, vai ficar lindo mesmo. Ela vai gostar.- quando saímos do táxi, entramos em várias lojas, pesquisamos preços e comparando uns com os outros.
Até que em uma das lojas, achei um ursinho bege de tamanho médio, sua pelúcia tinha alguns brilhos e ele segurava uma cartinha escrito “eu te amo”, os olhos eram muito fofos e brilhavam, tinha um cheiro de bebê e o diferencial dele, era a frase personalizada com a própria voz que ele emitia ao apertar o peito dele.
— Fernanda, olha aqui.- mostrei o ursinho.
— Ele é perfeito, quanto custa?- procurou a etiqueta.— 60,00 reais? Tá maluca, cara. 60 reais é o valor que eu tenho pra tudo. Não dá, Luísa. É lindo, mas deixa aí.
Dei mais uma olhada e senti o cheiro dele mais uma vez, fomos embora com tudo que precisava e Fernanda ficou com a gente para almoçar com a minha família. Arrumamos a cesta lá em vovó mesmo, organizamos tudo e na hora de ir embora, meu pai conseguiu colocar a bicicleta de Fernanda na parte de fora da mala e fomos todos juntos no carro.
No fim da tarde, eu estava com ela em sua casa organizando seu quarto. Mariana iria para a casa de Fernanda, onde ocorreria o pedido. Aquilo era tão estranho. Eu estava estranha.
— Fefe, eu já vou indo, tá? Daqui a pouco ela chega.- Fernanda estava com uma camisa branca, estampada nas costas, vestia uma bermudinha de linho e os cabelos soltos. Ela estava muito cheirosa.
— Aí, Lulu. Você é a melhor, cara.- me abraçou e seu perfume forte grudou na minha pele.— Tô te devendo uma. Eu te amo, obrigada por me ajudar.- alisei suas costas e nos afastamos, fui embora e como minha casa era do lado da dela, enquanto trancava o portão vi a chegada de Mariana. Vestido tubinho preto, tênis, unhas feitas e cabelo perfeitamente arrumado.
— Oi, meu amor. Já chegou? Pensei que iria dormir por lá.- já era noite e meus pais assistiam tv na sala.
— Fernanda está com visita, mãe.- minha mãe me olhou confusa. Sentei ao lado de meu pai e assisti com eles o programa de música que passava aos sábados.
Uma garotinha cantava magicamente, a música do filme crepúsculo, o preferido de Fernanda. Ela cantava a música que eu sempre falava que iria ser tocada em meu casamento um dia, Turning Page do Sleeping At Last.
Cheguei até a me emocionar um pouco, eu imaginava ansiosa por esse dia. Eu queria casar na primavera, um jardim lindo e um pôr do sol de fim de tarde, o laranja do céu ornando com o branco da cerimônia e as flores. O sim, o beijo, o buquê, a chuva de arroz.
Meu celular vibrou, não visualizei, apenas li pela barra de notificações.
“Lulu, ela aceitou!!!!!”
É, eu estava errada e ela estava certa.
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Ligadas por um fio
FanficO significado de amor na forma adaptada, se fosse um cheiro seria um café recém passado, a grama molhada pela chuva, cheiro de alho e cebola refogados. Se fosse um gosto, seria chocolate quente em um dia frio, seria o bolo de fubá da vovó, seria...