𝐍𝐮𝐧𝐜𝐚 𝐌𝐚𝐢𝐬

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   O semestre de férias forçadas acabou, e retornamos a nossa rotina escolar já faz uma semana. Nunca Mais continua sombria mesmo depois de tudo que aconteceu e de todos que ela perdeu. Sua alma sombria e única jamais sairá do concreto de cada parede alta que se ergue por aqui.
   Mas não me sinto a mesma, não sou tão inabalável quanto este enorme lugar. Uma coisa é fato, e impossível de ignorar de dentro do meu coração: Não consigo me esquecer do maldito Tyler Galpin. Essa maldita lembrança vem gritando contra mim desde que separamos nossos caminhos. Não o vejo faz tempo... tempo suficiente para começar a fazer meu coração sentir falta de todos os nossos momentos juntos, dos mais simples aos mais especiais e trabalhados.
   Com tudo isso me vem também a memória de que me deixei ser enganada e feita de trouxa. É algo inevitável, um trem que não tem freio quando abro as portas para meu passado. Desgraça. Como é difícil crescer e começar a ter que lidar com sentimentos amorosos. Esses sentimentos são tão fortes e tão naturalmente incontroláveis! Odeio ser humana e estar sujeita a esse tipo de coisa. Por mais que soubesse que algo desse tipo começa a acontecer na minha idade, nunca havia tido esses padrões como válidos para mim. Eu me achava incapaz de amar alguém, e a prova de que estava errada se concentra no meu interior.
   Estou aqui... Nesta noite umbrosa, na área exterior do prédio Ophelia pensando num garoto. Situação mais ridícula impossível. Sorrio sombria para mim mesma vendo onde acabei, quando meus olhos escuros param no horizonte e observo de longe algo anormal e gracioso se aproximar. Um pássaro, um corvo. Me agito, cerro os olhos para analisar seu vôo melhor e descolo meus braços do concreto que cerca este espaço. A figura dele se torna bem mais visível.
   E ele pousa bem a minha frente. Curioso. O que ele queria? Não tenho comida. Analiso cada parte dele, cada pluma, meu olhar passeia por ele minuciosamente, fazendo um inventário completo de seu corpo rígido e cheio de postura. Parece qualquer ave. Não é diferente de nenhum outro corvo que já tenha visto na vida, o único detalhe em particular era de que ele tinha um aspecto elegante, como se fizesse parte da realeza. Franzo o senho, rodando por aquele animal e tentando olha-lo nos seus pequenos olhos. Logo reparei que ele guardava consigo uma carta ao que tudo indicava... Ele é mensageiro? - era meu primeiro chute.

— Você é uma ave que faz entregas? - à essas horas eu já estava completamente louca. Primeiro penso minutos em um garoto e agora falo com um pássaro! Minha sanidade ia se derretendo aos poucos e senti uma pontada real de preocupação por isso. Mas ela não durou, quando o corvo me respondeu em palavras minhas preocupações perderam o lugar para o espanto.

— Nunca mais.

   Arregalo os olhos. Este corvo fala? Muito interessante... Já devia esperar por encontros sobrenaturais, mas este me pegou desprevenida. Olhei para ele o instigando a falar mais, mas ele só virou a cabeça para o lado num movimento bem animal.
   Por algum motivo estranho, olhar pra ele me lembrava o Tyler. Talvez o que ele represente me faça retornar essas lembranças. Basicamente corvos representam azar, solidão, morte... E eu acabava de passar um tempo torturante com a mente presa à ele, faria sentido. Mas a energia de Galpin era mais potente do que simples significados e memórias... Eu o sentia de um jeito diferente.

— Nunca mais. - disse a ave, de repente.

   Ele também lia pensamentos? Que estranho. Essa resposta foi bem cabida para minhas recordações... Nunca mais, nunca mais Tyler. De tantas coisas que já vi nesta vida, admito que não é tão surpreendente ver um corvo com poderes psíquicos depois de falar em linguagem humana.
   Fiquei olhando para ele tentando entende-lo melhor.

— Nunca mais... - novamente ele falou.

   Aquela sensação cresceu. Suspirei sentindo aquilo me invadir de novo. Fechei os olhos, me torturando cada vez mais. Voltei a olha-lo, decidida a arrancar respostas, vociferei:

— Você tem algo a ver com ele? Sabe alguma coisa do Tyler? - cerrei os punhos e senti minha expressão se enraivecer. De tanto ódio, meus olhos molharam... E o corvo não me respondeu. — Ele é um estúpido... - completei, soltando os dedos, apreciando as manchas brancas nas minhas mãos e tentando regular os batimentos fortes que acabavam com as minhas costelas.

   Vou mais pro lado e escoro minhas mãos no cercado, baixando minha cabeça em completo cansaço comigo mesma. Por que ele não sai da minha cabeça hoje à noite?! Isso está me torturando de um modo profundo que não me agrada em nenhum dos sentidos. Minha cabeça logo vai começar a doer, meu corpo começar a pesar, e meu coração à se apertar como um nó, se eu continuar assim me dando pauladas.
   Silencio meus pensamentos com a ajuda do silêncio do ambiente.

— Nunca mais. - me viro para ele.

   O corvo pareceu dar uns passos em minha direção, como se estivesse me consolando. E de repente me sinto confortável para colocar tudo pra fora, tudo que me fere esta noite, como se uma chave tivesse sido girada com suas garras caminhando pela pedra.

— Eu não aguento mais esse sentimento... Não quero sentir isso que sinto! O tempo passou, e eu só consegui sentir saudade dele. De quando eu ia no Cata-vento e via ele servindo um quad pra mim, de quando ele sorria pra mim. Quando acabava se machucando com alguma coisa, ou batendo em algum lugar, me fazendo sorrir, sorrir! Tantas vezes a gente conversou sobre coisas que estavam me atormentando, que eu estava investigando. Quantas incontáveis vezes eu vi ele fazer aquela cara de surpreso desacreditado, quando eu comentava principalmente sobre mim e minha família... Sempre me oferecia sua ajuda. E tudo isso no fim pra me beijar! Me fazer saber de tudo o que ele fazia enquanto eu não olhava! Traidor. Eu me senti a vergonha da minha família depois disso tudo. Finjo até hoje não ter ficado ferida ou me importado com o que ele fez. Mentira grande. Sentimentos não só são um tipo de passagem que liberam o choro, como também são uma passagem que leva direto para a decepção... Foi o que eu aprendi. Eu o odeio tanto!

   Comecei a sentir que iria chorar... E chorei. Caí no chão como a pessoa mais fraca do mundo, eu era tão frágil. Não estava suportando isso mais. O corvo em resposta, me disse: "Nunca mais".
   Me virei pra ele, e de repente não estava mais lá... Tinha ido embora e nem se quer tinha feito barulho com as asas ao içar voo. Sumiu como a névoa que preenche o céu escuro de hoje. Olhei para minha frente, ainda no chão, e lá estava ela, uma carta caída no chão. Pego a mesma e a leio cheia de receio. Aquele papelzinho poderia ser tantas coisas...
   Abri e li aquelas palavras tão amargas que se cravaram no meu coração machucado como grandes espadas, provocando mais rios de lágrimas dos meus olhos.
   Era uma carta do Tyler, para mim. Falando sobre o sofrimento dele por ter feito aquilo comigo... Não... Não, denovo não. Nunca mais, vou me render ao amor.

Nunca MaisOnde histórias criam vida. Descubra agora