PRÓLOGO

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CAIDEN

O som da terra caindo sobre a lona atormentava cada um dos meus sentidos enquanto uma fina camada de suor cobria inteiramente meu corpo com todo o trabalho braçal. A floresta, no entanto, tratava de ocultar cada um dos nossos passos entre seus pinheiros e carvalhos, cobrindo o chão de folhas e galhos secos, onde também tínhamos nos encarregado de escolher o local para enterrar o corpo.

O que nós tínhamos feito?

Eu não sentia ódio, muito menos culpa. É, talvez eu fosse um monstro, mas enquanto Tristan me ajudava a preencher o buraco que havíamos cavado para esconder o cadáver, milhões de sensações e pensamentos dominavam a minha mente.

Nunca tinha matado alguém na minha vida, talvez até chegado perto, mas jamais ultrapassei a linha tênue entre a vida e a morte de alguém. Por outro lado, também não importava quem havia apertado o gatilho, tudo já havia sido feito e estava disposto a carregar aquilo comigo pelo resto da minha vida.

Meus amigos pareciam ter essa mesma coisa em mente. Tristan se certificou de alugar um carro antigo, bem diferente do habitual que sua família costumava usar e estacionou bem mais ao sul da reserva, perto de uma trilha usada por caçadores ilegais, tudo para não levantarmos suspeitas, mas, enquanto se ouvia apenas o sibilo da copa das árvores balançando ao vento e o som das pás penetrando na terra uma risada contida e solitária irrompeu no ar gelado.

Zack começou a rir. O semblante contorcido pelo sorriso largo, os olhos escuros espremidos sob as pálpebras e as mãos pálidas, quase congeladas depois de horas no meio de uma floresta densa e penumbrosa escorregaram para dentro dos bolsos da jaqueta de couro.

Aquele cara me assustava, mas não de uma forma física. Apesar de termos crescido juntos, por fora ele aparentava ser uma pessoa comum, mas diferente de mim, Daniels não se dava ao trabalho de esconder os seus demônios e talvez eu também fosse assim se deixasse que os meus saíssem.

— Não acredito que o desgraçado morreu mesmo. — Ele respirou fundo, recuperando o ar depois de sua crise de risos e permaneceu encarando a cova diante dos seus pés. — Acha que alguém vai procurar por ele?

Tristan e eu trocamos um rápido olhar, mas nenhum de nós aparentava estar apreensivo com essa possibilidade. Até onde sabíamos, aquele corpo não tinha esposa ou filhos. Qualquer parente vivo na cidade ou amigos. Mas era um policial, e não demoraria até todos suspeitarem do seu desaparecimento, isso se alguém realmente se importasse com um velho alcoólatra e arrogante ao ponto de sentir sua falta.

Minha respiração condensou em uma névoa esbranquiçada no ar da manhã assim que soltei um suspiro e finquei a pá no chão. Talvez fossemos para o inferno por causa daquilo, não que eu fosse do tipo religioso, mas pelo menos teríamos levado aquele velho na frente, mesmo que nada daquilo tivesse feito parte do plano.

Depois de assentarmos a terra e camuflarmos o local com alguns galhos e folhas, por sua vez, olhei para o céu cinzento e pedi a Deus que fechasse os olhos; Se existisse um cara lá em cima ele não iria querer ver o que ainda tínhamos de fazer naquela cidade.

— Certo... — Com as mangas do suéter de linho arregaçadas e os sapatos de couro sujos de terra, Tristan limpou a garganta, atraindo nossa atenção — Não preciso explicar para vocês o porque não podemos falar sobre isso com ninguém. Não é?— Alternando seu olhar impassível entre nós dois cerrei os dentes.

— Que merda de pergunta idiota é essa? Sabe que não.

— Isso é óbvio. — Daniels deu de ombros e em seguida, tirou um maço de cigarros do bolso e me ofereceu. Neguei com a cabeça. — Mas e quando a polícia começar a fazer perguntas?

— Temos um álibi. —  Tristan afirmou com os olhos fixos em um ponto fora de foco. — Eles não tem como nos ligar a esse crime. E irá continuar assim, mas da próxima vez, sem corpos. — Com as mãos cobertas retirou uma das luvas e correu os dedos pelos fios claros e alinhados.

Encarei a cova que tínhamos feito esperando que aquele segredo realmente ficasse apenas entre nós quatro. Eu, Zack, Tristan, e o policial que havia levado nossos nomes para aquele túmulo, pesando nas nossas consciências tanto quanto os segredos que aquela cidade nos obrigava a carregar desde a infância.

— Sabe...— Daniels baforou a fumaça de seus pulmões, formando uma nuvem densa ao redor de seu rosto dando-lhe um ar sombrio. — Pelo menos corpos não contam segredos.

Não. 

Corpos não...

ATRÁS DE VOCÊOnde histórias criam vida. Descubra agora