Para: Maraisa.

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Este texto é uma inspiração em cima de cartas trocadas entre Clarice Lispector e Fernando Sabino, retiradas em fragmentos do livro "Cartas perto do coração", contendo referência ao livro "Os sete maridos de Evelyn Hugo".
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Infinito, 26 de abril de 2023.
De: Marília Dias Mendonça.
Para: Carla Maraisa Henrique Pereira.

Maraisa, antes de tudo, como vai você? Ou antes ainda, como fica você? Porque você por dentro não vai bem não, você por diversas vezes já se esqueceu de sorrir quando era preciso.
Acabo de receber seu grito de socorro pela carta em que escreveu e respondo logo: alô, Carla Maraisa, aqui estou também, sua melhor amiga e companheira, sempre me lembrando de você com saudade. Eu sei que você não acreditou que eu leria sua carta, mas o que é a vida sem grandes surpresas?
Há tanto tempo não nos comunicamos que tenho a impressão de estar fazendo uma viagem difícil até atingir você. Maraisa, você não falhou desde o dia em que parti, você tentou viver. Não quero que se culpe por ter faltado em missas de domingo ou bebido mais do que devia. Sendo vidas, nada mais nos resta fazer senão irmos vivendo. Sinto muito pelo seu excesso de cansaço, pelas tentativas de não sentir minha ausência. Eu também sinto sua falta, como a de Maiara. Falta a bagunça que fazíamos de madrugada aqui, e não compreendo algum lugar sem esta certa confusão. Tenho feito muitos amigos e muitas músicas. Tenho ouvido preces sinceras de pessoas que me amam. Tenho visto muitas pessoas procurando uma estrela brilhante no céu, e ao achar, sorrir - eu também sorrio de volta. Eu tento passar conforto quando vejo lágrimas escorrendo por mim. Tenho assistido seus shows e não há um que eu não sinta orgulho. Fico feliz quando sente minha presença. Tenho olhado pelo meu filho, chorei quando ele aprendeu a andar de patinete. Tenho me espantado com a crueldade humana. Não tomo cerveja e levo uma vida plena. Passo o tempo todo pensando - não raciocinando, não meditando, mas pensando, pensando sem parar. Tenho visto seus amores decepcionantes e seu esforço para encara-los.
Maraisa, eu também tenho tanto há questionar. Me diga o que você achou de Las Vegas, se você passou pela Fremont Street e se viu alguma vez a Britney Spears. Se é muito difícil se sentir vazia lá - aqui é impossível. Me diga sobre os novos dvd's, sobre suas novas composições e sobre sua viagem à Portugal. Você pediu para eles devolverem nosso ouro? - eu teria feito essa piada para você rir.
Eu sei que você recebeu flores, mas não eram como as minhas. Eu sei também que sente culpa por não ter nos dado tanta chance, mas como você saberia? - nós nunca vivemos pensando que o amanhã não chegará. Sinto muito por parar de acreditar no sempre, eu não queria que as coisas tivessem acontecido desse jeito. Eu também sinto muito pelas nossas promessas interrompidas. Maraisa, eu também não me arrependo. Não me arrependo de todas vezes que disse que te amo, que sussurrei em seu ouvido, que te pedi calma, em que falei que tudo daria certo. Não me arrependo um segundo sequer. Eu faria tudo isso de novo. E estarei te esperando em outra vida.
Sim, eu ainda dou risada do seu medo de palcos altos. E sinto uma angústia pelos seus outros medos mais profundos. A vida é um constante medo, não deixe que se perca neles.
Eu queria poder responder todas suas perguntas, mas muitas dessas serão respondidas apenas quando completar sua longa caminhada. Maraisa, eu estou bem. Eu ainda toco violão e faço questão de dizer que a Maiara não toca. Eu ainda escrevo rascunhos de músicas que nunca serão ouvidas. Minha risada ainda ecoa pelo ambiente. E claro, eu ainda sou brega. Eu já falei sobre nós.
Às três horas da tarde sou a mulher mais exigente do mundo. Fico às vezes reduzida ao essencial, quer dizer, só meu coração bate. E soube também que você tem escrito outras coisas boas, por que não me manda? Apesar dos pesares espero que você continue contando comigo, se ainda for possível me dê mais um crédito de confiança.
Não pense também que não fico triste, ás vezes fico sim. Eu tenho trabalhado minha vontade de voltar no tempo. Eu tenho chorado para quem me ouve aqui, eu digo: "Eu deveria ter corrido atrás do carro pela rua no dia em que ela saiu da minha casa, deveria ter pedido para ela ficar, e mandado flores, e subido no palco do Rodeio de Barretos pra gritar: eu sou apaixonada por Carla Maraisa Henrique Pereira!, e deixar que me crucificassem por isso. É o que eu deveria ter feito." - eles tem me ajudado a entender que o passado não se modifica e tenho aprendido a não me culpar por isso. Estou evoluindo espiritualmente.
Se dê mais uma chance. Uma chance para você ser livre, livre de verdade.
Você, de certo modo, me dispensa de escrever. Resta o consolo de pensar que se eu fosse capaz, como você, de dizer o indizível, eu teria a dizer certas coisas que você ainda vai dizer. E me limito a ficar esperando.
Maraisa, você ainda pretende se casar?
Ah, quase ia me esquecendo. Eu não acredito em coincidências. Tudo tem um propósito.

Do seu amor, Marília.

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