Este texto é uma inspiração em cima de cartas trocadas entre Clarice Lispector e Fernando Sabino, retiradas em fragmentos do livro "Cartas perto do coração".
————————————————————Goiânia, 27 de abril de 2023.
De: Carla Maraisa Henrique Pereira.
Para: Minha maior saudade, Marília Dias Mendonça.Marília, custei a acreditar que realmente recebi uma carta sua e ainda não faço ideia de como recebera a minha, mas ao medo de questionar demais e perder essa dádiva, prefiro somente aceitar que tenho uma chance de falar com você novamente - e você não imagina o tamanho da minha felicidade. E como eu sei que aquela carta realmente é sua?
Eu apenas sei. E não contei à ninguém.
Poderemos sempre nos falar assim? Por meio da escrita? - seria tão mais fácil continuar a vida. Porque a vida não tem sido fácil e você sabe disso, pois me conhece. Como é que suportam esse buraco vazio? Como é possível ir até o fim da própria vida sem perguntar ao menos: por que é que estou vivo? - é tão difícil seguir um caminho sem ter um propósito, mas com sua carta algo despertou em mim. Caí inteiramente e não via um começo sequer de alguma coisa nascendo. Até agora eu mesma me ergui, mas é um esforço muito grande e naturalmente estou bem cansada. Porque viver apenas não basta. É preciso uma convicção, certa ou errada, mas uma convicção, e conscientemente escrever, falar, brigar, viver por ela. A gente podia ser assim, Marília, viver apenas, aceitar o momento como essencial e nascer de novo entre dois cigarros, entre o brinquedo e o edifício, entre a palavra e a curva. Mas é preciso saber se lá fora faz dia ou noite. É preciso ter paixões - só assim veremos sentido na vida. E você é uma apaixonante apaixonada. Mostrou toda vida sua paixão pela música, pela família, pelos amigos, por todos os amores - que derem errado ou não. Você fez isso de uma forma magnífica, da forma mais apaixonante que alguém poderia fazer.
Marília, até Las Vegas sentiria sua falta se te conhecesse. As ruas iluminadas, os edifícios luxuosos, o grande prêmio do Grammy Latino, nada, nada é tão bonito sem você. Eu queria ter visitado a Fremont Street com você, queria dizer que te amo na High Roller, e encontrar a Britney Spears. Vegas seria pequena diante de nós. Eu fui á Portugal e não perguntei se iriam devolver nosso ouro, mas lá eu lembrei que você falaria isso e sorri. Eu tenho vivido muito mais pensando que o amanhã pode não chegar. Eu tenho trabalhado muito em cima dos dvd's, me esforçado para orgulhar quem acredita em nós.
Saber agora que você está bem, me alivia a alma. Não há um dia que eu não sinta o luto como uma faca no peito - que eu não morra mais um pouco. Eu sempre me pergunto se podíamos ter feito algo para impedir tudo isso, mas a resposta é sempre não. Não podíamos, não tínhamos como saber, assim como você.
Marília, refleti sobre sua última pergunta. Após sua partida, a ideia de me casar e formar uma família começou a parecer muito distante. Mas esses dias revirei uma gaveta em busca de um objeto e nela encontrei o livro que você me deu. Na dedicatória, sorri ao ler o que você havia escrito: "Maraisa, que você nunca perca a coragem de amar verdadeiramente e lutar por isso...amo você, amiga. Com carinho, Marília Mendonça." e não é isso o que você deseja para mim? Nunca perder a coragem de amar mesmo que eu tenha que lutar muito para isso? - talvez seja o certo a se fazer, afinal, o que seria a vida sem altas doses de coragem?
Ouvi um grande amigo dizer: "Se você deixa um trauma da sua vida te travar de viver uma história nova, você está morto em vida." - então por que não tentar? - mesmo que eu tenha que buscar em todos os amores do mundo. Talvez um dia eu consiga.
Fico feliz por você estar tão presente e sinto muito pelos últimos acontecimentos. Tenho pensado muito no mundo atualmente, mas infelizmente não sai nem um pensamento aproveitável. Sinto falta de você que sabe dizer coisas tão boas que animam e põem a pessoa de novo no centro das coisas. Tenho uma grande, uma enorme esperança em você e já te disse que você avançou na frente de todos nós, passou pela janela, na frente de todos. Talvez compreendia coisas que ninguém mais compreenderia e eu me pergunto se o mundo um dia te mereceu.
Eu sorri e lágrimas teimosas escorreram em meu rosto com a cena de você gritando por mim em cima do palco de Barretos, mesmo que essa cena não tenha existido e também não vá existir. Quem sabe quando nos encontrarmos novamente? - não se esqueça de mim.
E, sabe, tem algo que eu possa fazer para amenizar a tristeza que te visita às vezes?
Marília, realmente preciso me dar mais uma chance. Uma chance de recuperar um olhar que um dia eu já tive.
Eu também não acredito em coincidências. Hoje mais cedo tocou uma música em que me fez lembrar de você. Ela dizia:
"Sem você não vivo nem um segundo,
sem teu amor fico perdido no mundo,
como era bom, amor, te ver sorrindo..."
Me escreva mais, Marília.Do seu amor, Maraisa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Carta ao infinito.
RomanceInspirado em cima de cartas trocadas entre Clarice Lispector e Fernando Sabino, retiradas em fragmentos do livro "Cartas perto do coração".