II

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Depois de três dias e três noites à deriva pelo céu, Lia finalmente parou.

Sua bolha se desfez numa ilha deserta, que ela bem conhecia. Era a ilha que outrora foi sua casa. Onde passou os primeiros anos de sua vida e onde experimentou o pior que o mundo tem a oferecer… a miséria e a solidão.

A ilha estava coberta de névoa, na verdade, sempre foi assim. Lia sempre se lembrou do lugar como um local vazio e opaco. Sem qualquer brilho do sol, frio e deserto. Se lembrava da lenda que assombra a ilha: "todos os usuários que consumiram a fruta da névoa, estão destinados a morrer em Norta!" — Talvez ela esteja ali para morrer…

Apenas as sombras e almas perdidas de pessoas sem pecado algum, que morreram pela ignorância do Governo Mundial habitam a ilha. Elas vagam pela neblina densa, e são impossibilitadas de descansar em paz.

Andando por ela, vendo as ruínas que restaram, Lia encontrou sua antiga casa— não há nada lá, apenas alguns móveis desgastados pelo tempo.

Lia não conseguiu conter o enorme desejo de entrar no quarto e encontrar sua mãe dormindo. Seu coração ficou devastado ao se lembrar que nunca mais a encontraria lá, que não mais sentiria os braços aconchegantes de sua mãe após um pesadelo terrível. Ela queria que ainda fosse como antigamente, que não tivesse feito o que fez, queria que nada tivesse acontecido…mas infelizmente, havia acontecido.

Ajoelhada ao pé da cama, Lia chorou sentindo a falta da mãe. A agradeceu mentalmente pelo seu sacrifício e berrou como um recém nascido.

- Por que aqui? Por quê?!- Ela gritou para as paredes que fizeram eco.

Repetiu diversas vezes até sua garganta doer, e seu grito ecoar pela pequena ilha. Até os pássaros nas copas das árvores se agitaram e levantaram vôo.

A habilidade que antes ela achava servir apenas para ludibriar as pessoas, se tornou uma máquina de destruição. Lia perdeu completamente o controle e a consciência. Começou a  desmatar árvores, destruir as ruínas que já estavam acabadas, matou diversos animais que corriam em desespero, implorou aos deuses que a acalmassem e a impedissem de se machucar e acabar com a ilha, mas de nada adiantou. Ela só parou quando estava completamente exausta e não aguentava mais se mover de tantos machucados.

Lia percebeu que seu corpo absorvia névoa, e não apenas liberava. Ela nunca havia ficado dentro de um nevoeiro tão denso e grande, por isso nunca percebeu tal ato. Agora, Lia tinha névoa suficiente para ferir alguém, e proteger também! Mas a que preço isso foi conquistado?

Lia se arrastou até a praia com grande dificuldade. Ela se sentou na areia e começou a observar o mar e a esperar alguém vir buscá-la.

Na manhã seguinte, Lia voltou a entrar na ilha e perdeu o controle novamente. Seu corpo consumia mais névoa do que ela podia controlar, e novamente, ela só parou quando se cansou. Cada vez que ela entrava na ilha, ela absorvia mais névoa.

———

Passou-se um mês que ela havia chegado à ilha. Um mês acumulando toda a névoa do lugar. Um mês relembrando toda sua dor. 30 dias entrando na ilha para buscar mantimentos e perdendo o controle.

Estava acabada. Não consegui dormir direito por conta dos pesadelos, não comia direito pois tinha medo de entrar na ilha, não bebia água direito pois era impossível achar água potável além da água da chuva, e sempre estava ensopada e gripada por conta da maldita chuva que caia frequentemente.

Estava desidratada, doente, com feridas profundas e provavelmente infeccionadas, e gripada também. Não tinha controle do seu próprio poder e todos os dias acabava destruindo um pedaço da ilha. Lia sentia sua vida acabando e nenhum navio tinha aparecido ainda.

𝐁𝐋𝐔𝐄 𝐑𝐎𝐎𝐌- 𝑖𝑚𝑎𝑔𝑖𝑛𝑒 𝑇𝑟𝑎𝑓𝑎𝑙𝑔𝑎𝑟 𝐷. 𝑊𝑎𝑡𝑒𝑟 𝐿𝑎𝑤 Onde histórias criam vida. Descubra agora