Oposição

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Nita tinha ido checar barulhos na outrora quieta sala de estar. Eis que, inesperadamente, encontrou Leon sentado no chão, ao lado da porta, com uma caixa de tamanho médio em mãos. O rapaz remexia os dedos na fita adesiva da caixa, tentando removê-la repetidamente, mas falhando em todas as suas tentativas. Sua perseverança, porém, era gigante, e ele continuava a tentar encontrar a ponta da fita.

— O que você tá fazendo? — A irmã indaga, aproximando-se do mais novo. Este, por sua vez, sequer desvia a atenção do objeto.

— Tentando abrir o meu presente... —  Respondeu.

— Presente, é? Quem foi que te deu? Aposto que foi a Jeeessie! — Tentou provocar, mas Leon apenas revirou os olhos e não disse nada.

— Eu que comprei pra mim mesmo, tava sobrando uma grana do último combate. — E persistiu investindo contra a fita, sem sucesso.

— Uiuiu, tá se achando o adultão agora que recebe, hein? Nem parece mais aquele moleque retardado de alguns anos atrás. — Nita tentou mais uma última vez, esperançosa.

— Corta essa, Nita, não vai rolar. Eu tô feliz demais com o presente pra me deixar afetar. — Numa tranquilidade incomum ao garoto, Leon retrucou, pela primeira vez olhando nos olhos da irmã.

— Aff, que saco! Tá, vou te ajudar com isso. — Deixou as provocações de lado, virou as costas e marchou em direção à cozinha. Tal cômodo se encontrava logo ao lado da sala. — O que que é, hein? Tô curiosa! — Gritou para que Leon ouvisse.

— Você vai ver quando tiver aberto! — O mais novo respondeu em mesmo tom.

Enquanto procurava alguma faca, Nita viajava em pensamentos. O que poderia ser? Conhecendo o irmão, talvez algum tipo de arma branca importada? Não, ele fazia questão de sempre usar as mesmas, tanto que dava nomes para suas shurikens. Peças de computador? Improvável, Bo já tinha lhe dado algumas novas de presente. Um voodoo de Sandy para espetar o dia todo? Possível. Familiar, inclusive. Bem digno da fase super protetora.

— Vem cá, você não comprou um voodoo do meu namorado de novo não, né? — Nita, temerosa, perguntou. Havia finalmente encontrado uma boa faca.

— Nita, isso já faz seis anos! É claro que não! — Leon, em tom indignado, respondeu. — Sem contar que aquele nem funcionou, já que eu não pude contar com a Tara... Enfim, aquilo foi só uma fase idiota!

A garota urso voltava da cozinha quando aquelas palavras de seu irmão ressoaram. No momento em que as ouviu, teve um estalo mental, uma epifania. Fases. Leon sempre teve fases! Inúmeras fases! Diferente da irmã, que quase sempre foi a mesma, Leon apresentava constante mudança. Mantinha, claro, seus traços marcantes, como a fama de pestinha (só fama mesmo) e de convencido. No entanto, suas fixações que moldavam levemente a personalidade, sempre mudaram e, por consequência, os presentes de aniversário também!

— Voltou pro vício de pirulitos? Como aquela vez que você roubou uma loja de doces e considerou isso um presente de aniversário. — A ruiva chutou, parada ao lado do sofá.

— Quê!? Qual é, eu tinha oito anos quando fiz isso! E nem me lembre, até hoje sinto a dor do cinto... e nosso pai nem usava cinto! —  Leon se afastou da caixa, abrindo espaço para Nita, que foi caminhando lentamente.

— Hmmm... então é aquela coisa de gente estranha! Qual era o nome mesmo? Manga...? — Nita disse, ajoelhando-se ao lado da caixa. — Quando o pai me falou da sua coleção, eu fiquei uns bons dias achando que você tinha um pé de manga no quarto. Daí, quando entrei lá pra ver, eu encontrei aqueles livrinhos com capas... capas bem... — Os olhos de Nita se tornaram opacos. Sua mente, perdendo-se em memórias traumáticas de guerra.

— E-eu já parei com isso! Há muito tempo! Esquece essa parada, joguei tudo fora!!! — Leon deu um pulo do sofá, nervoso, seu rosto totalmente avermelhado. A fase "otaku" não lhe trazia boas lembranças.

— Três anos não é tanto tempo, Leon... — Nita falava baixo e lento, o trauma pouco a pouco indo embora. — Bem, então deve ser...

A ruiva impediu a própria fala, tomando um tempo para pensar. Leon sentava-se no sofá novamente, respirando fundo. O que poderia ser, afinal? Nita tinha feito uma aposta boba consigo mesma de conseguis acertar antes de abrir. Mas, olhando agora, não tinha mais fases restantes; super protetor; ladrão viciado em doces; otaku esquisito e questionável... todas já haviam sido exploradas. A não ser por...

— JÁ SEI! Você voltou pra aquela fase de "coisas macabras", né não!? Que nem quando você pediu a roupa de lobisomen no aniversário de dez anos!!! — Nita decretou, decidida. Só podia ser aquilo!

— Hmm, do que você tá falando?

— Não se faça de bobo, Leon! Você ficava o dia todo assistindo um tal de "Renato Garcia" no YouTube que eu lembro. E, recentemente, você tem reassistido os vídeos dele! Dele e de uns outros canais de terror! — A voz estridente e rasgada de Nita reverberou alta e animada. Sabia que estava certa, sentia isto!

— Mas Nita, eu só... — Não pôde continuar, impedido pela irmã mais velha.

— Nem mais um pio, amante de terror! Eu já matei a charada. O que pode ser? Mais uma fantasia brega? Um bonequinho de algum assassino de filme? Uma coleção de DVDs do Jason? Uma réplica de uma motosserra??? — Empolgada, a garota terminava de rasgar a fita, abrindo a caixa e enfiando suas mãos dentro da mesma.

Quando puxou o presente para fora, estava de olhos fechados. Seu tato denunciava tecido grosso e felpudo. Havia um cheiro bom de roupa nova, juntamente ao silêncio que ficou na sala. Nita então abriu os olhos, deparando-se com algo que jamais imaginara. Era um conjunto de roupa, moletom e shorts, no estilo que Leon sempre gostou. Havia, entretanto, algo discrepante: as roupas eram cinzentas com listras pretas, tinham pelinhos por toda a parte e simulavam um gato malhado, com direito a orelhinha e tudo.

— É ainda mais fofa do que no site!!! — Leon, de sorriso largo, apanhou as roupas das mãos de Nita e saiu andando, deixando a irmã para trás, pensativa.

A imagem de Leon de dez anos,  vestido de lobisomen e uivando, repetindo diversas e diversas vezes que era o "lobo mau" não saia da mente da garota.

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⏰ Última atualização: Apr 27, 2023 ⏰

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