Capítulo I - Taverna Fogo de Palha

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A taverna Fogo de Palha não era das mais populares da cidade de Harikon. Suas bebidas não eram as melhores, o ambiente tinha um leve cheiro de vômito de unicórnio e as brigas entre gnomos embriagados eram relativamente frequentes. De vez em quando alguém também era esfaqueado, mas o mais comum era que a vítima retornasse na semana seguinte e continuasse o ciclo de caos que imperava naquele lugar. Ainda assim, Fogo de Palha se sustentava como a taverna mais tradicional da cidade, sendo mantida de geração em geração por uma família de orcs reservados.

Aquela noite fria, no entanto, guardava ares diferentes para a taverna. Roggie, o orc dono do estabelecimento, estava extremamente agitado. Já havia quebrado oito copos e assustado meia dúzia de clientes com sua exasperação. Poderia ser muito mais, se sua esposa, a humana Marrie, não tivesse chamado sua atenção. Na prática, era Marrie quem verdadeiramente conduzia aquele lugar.

Toda essa agitação se devia ao número de clientes mais alto que o normal. O mesmo acontecera no final de semana anterior, e derivava de um acordo estabelecido com uma tiefling recém-chegada à cidade. Ninguém sabia exatamente quem era ela, mas sua voz agradava até mesmo os drácons locais, que costumavam não se agradar com nada. Seu nome era Blue Satana. Roggie e Marrie lhe ofereceram acomodação no pequeno hotel que sustentavam na mesma estrutura da taverna, pedindo como pagamento apenas o uso de seus dons musicais aos finais de semana. Já fazia dez dias que ela estava no local, e não havia nenhum indício de que sairia tão cedo.

O horário do show daquele sábado se aproximava, e o salão principal estava cada vez mais lotado. A única garçonete do estabelecimento corria por todos os lados, anotando pedidos, entregando bebidas e evitando pequenos indícios de brigas. Sem dúvidas, trabalho demais para uma pessoa só. Mas Marrie e Roggie a julgavam efetivamente capaz. Eles gostavam da jovem tiefling Morrigan. Como muitos de sua espécie, a moça teve muitas dificuldades em arrumar um emprego quando se mudou para Harikon com sua família. Já conhecera alguns tieflings que ocultavam seus chifres com uso de magia, na busca por maior aceitação em sociedade. Em casos mais extremos, dos quais a garçonete apenas ouvira falar, alguns tieflings os decepavam. Morrigan não os julgava, visto que conhecia bem o tipo de exclusão a que seres como ela eram submetidos. Mesmo assim, considerava tais atos horripilantes. Além da dor física, ocultar ou acabar com os próprios chifres era sinônimo de apagamento de identidade, na visão da família de Morrigan e de seus ancestrais. A garçonete se considerava muito sortuda por ter encontrado Roggie e Marrie e, assim, possibilitar uma qualidade de vida mínima para seus pais e seu irmão.

A relação que os patrões possuíam com ela era parecida com a estabelecida com Blue: trabalho em troca de acomodação. Mas, no caso de Morrigan, eles também cediam uma porcentagem patética como pagamento. Ela e sua família pernoitavam no local havia alguns meses, e não tinham muitas perspectivas para sair de lá.

Na porta da taverna, outra tiefling apareceu. Não era necessário muito esforço para se compreender que ela não era de Harikon. Os símbolos tatuados em seus antebraços visíveis eram fortes indicativos de que ela viera das Colinas do Sul, onde os povos costumavam se identificar por esse meio. Ela também usava alguns braceletes que eram de comum confecção nas Colinas.

A tiefling logo se dirigiu ao bar, onde Roggie limpava fragmentos de mais um copo espatifado no chão, antes que Marrie aparecesse. A cliente precisou pigarrear para que o orc notasse sua presença.

- Oh, me desculpe, éh... pois não? - ele disse, escondendo a vassoura atrás do corpo. - Aceita um de nossos pratos fantabulosos? Ou então algo para beber?

- O que tem para beber? - perguntou a tiefling.

- Éh... vejamos... nossas opções são várias!
- isso parecia ser a única coisa que Roggie sabia. - Bem, eu lhe recomendo muito o vômito de unicórnio. É uma bebida muito rara, já que não é obtida à força nem com nenhum tipo de exploração animal. Apenas esperamos que um dia um unicórnio cruze nosso caminho e magicamente vomite na nossa frente...

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