Alice?

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- Cara, o que acha que a gente vai ser quando formos mais velhos? - Alisson perguntou de repente enquanto assistiam um vídeo no celular, coisa que costumavam fazer bastante enquanto os jogos carregavam.
 
- O que quer dizer? Nós já falamos disso, eu quero fazer jogos, e você quer ser estrela musical, e vamos morar em uma casa gigante por que seremos ricos. - Henrique respondeu ao pausar o vídeo, não é como se os planos dele tivessem mudado, mas naquele momento pensou que seu amigo talvez já não quisesse seguir esse caminho.
 
- Tipo, eu sei que é o que queremos mas... E se não rolar?
 
- Bem, eu não me importo muito com isso, eu vou tentar de qualquer jeito... E mesmo se não der certo, bem, ainda teremos um ao outro eu acho... Melhor fracassar com alguém do que sozinho né? - Alisson riu, o que fez com que Henrique corasse um pouco, talvez ele tivesse dito algo bobo e isso o deixou com vergonha. - O-o que? Eu falei algo errado?
 
- Não é só que, fico feliz que independente do que acontecer a gente vai estar juntos.
 
- E isso não é óbvio? Seremos sempre nós.
 
- Sempre nós... Mas agora você tem que acordar...
 
- O que? - Perguntou Henrique confuso com o que acabou de ouvir e de alguma forma, aquela conversa parecia que já tinha acontecido em algum momento do passado, mas agora é como se estivesse um pouco diferente.
 
- HENRIQUE ACORDA - Alice gritou enquanto chacoalha o amigo tentando acorda-lo, até que finalmente se irrita e joga um copo de água em seu rosto.
 
- Eu já tinha acordado... Não precisava disso... - Henrique se senta e olha em volta, percebendo estar no sofá de uma sala que ele não conhecia, nunca havia visitado aquele lugar, sabia que era a casa de Alice, afinal, quando Alisson se mudou para cá, ele lhe passou o endereço para que pudesse continuar enviando cartas, mas nunca foi conversado o motivo da mudança, já que antes disso Alice vivia com os pais.
 
E ao parar pra pensar melhor, Henrique também visitou raras vezes a casa de Alisson quando eram jovens, os pais do amigo eram muito ricos, mas o pai principalmente, era muito estrito, muito chato e colocava muitas regras no que Alisson podia ou não fazer, e por isso, na maioria das vezes passavam mais tempo brincando na rua ou na casa de Henrique.
 
E, parando pra pensar ainda melhor, a ficha de Henrique finalmente caiu, Alisson não era mais Alisson, Alisson é Alice, a mulher que está parada bem em frente ao sofá que ele está sentado com o rosto molhado. Ele então seca o rosto com um lenço que tirou de seu bolso.
 
- Sabe do que não precisava? Você desmaiar na frente de casa pra me obrigar a te carregar até aqui. - Ela bufa e então se senta do lado dele.
 
- Desculpa. - Ele não entendia, mas por algum motivo sentia como se sua mãe estivesse o dando bronca. Coisa que ele não queria, afinal sua cabeça estava doendo como se estivesse tendo três ressacas ao mesmo tempo.
 
- Tudo bem... E ai, como que foi sua viagem? - A moça de cabelos azuis pergunta como se nada sequer tivesse acontecido, ela sorria, mas seu sorriso se desmancha ao ver a cara confusa e até um pouco frustrada de Henrique. - Algum problema?
 
- Como assim como foi a viagem? Eu que pergunto... Como isso aconteceu? - Ele não falava de forma irritada, mas estava clara sua frustração, tanto que ele até dava umas pausas na frase pra que sua cabeça conseguisse organizar as palavras de forma que fizessem sentido.
 
- Como assim?
 
- Você mudou... Por que nunca falou disso nas cartas?
 
- Não é como se eu estivesse mantendo segredo, mas sei lá, não achei que fosse muito importante. - Ela só se encostou preguiçosamente as costas no sofá e ligou a televisão.
 
- É lógico que é importante... Quero dizer... Eu já não sei mais... - Ele a imita e fica calado.
 
O silêncio domina por alguns minutos, quebrado somente pelo incrivel comercia das Casas Bahia, com camas box com 15% de desconto a vista somente naquele fim de semana, mas é claro que nem isso aliviava a leve tensão em que estavam. Henrique principalmente, que nem sequer conseguia falar direito com Alice, por confusão, frustração e por não conseguir falar com mulheres, e nem mesmo com aquela que por muito tempo considerou irmão, nem mesmo conseguia olhar para Alice direito.
 
- Olha Henrique, não é como se eu pudesse só chegar e dizer "Hey, nada novo aqui, e a próposito, cortei meu pau fora." Então, se você só puder parar de ser um arrombadaço eu agradeço. - Ela diz, Henrique então notou, por mais que o nome e a aparencia fossem diferentes, ainda era a mesma pessoa, ele sorriu um pouco antes de responder.
 
- É só que, você tinha um cabelão ruivo, e agora está curto e azul, foi uma mudança muito grande, fiquei até em choque. - Alice ri e então muda de canal e olha pra ele, ambos finalmente pareciam muito felizes de se reencontrarem.
 
- Pois é, foi difícil cortar e pintar sozinha da primeira vez, mas agora acho que peguei o jeito, o que achou?
 
- É... Acho que combinou com você. - Henrique então se levanta, e se alonga fazendo suas costas estralarem e doerem por causa da queda de quando desmaiou. - Eu tenho que voltar pro trabalho aliás...
 
- Já vai? - Alice se levanta também.
 
- Tá meio ultimamente, eu nem visitei meus pais ainda.
 
- Bom... Então que tal você e a Sara não vem aqui esse fim de semana? Assim eu posso finalmente conhecer ela pessoalmente E posso te apresentar a pessoa com quem estou namorando.
 
- Claro, por que não? - Ele sorri, eles saem novamente na calçada da casa e então se abraçam. - Bem, vou indo então, até outra hora.
 
- Até, vai com cuidado. - Alice sorri e então fecha o portão indo pra dentro de casa.
 
Henrique estava feliz por rever ela, não tinha mais um irmão, mas ter uma irmã talvez não fosse ruim também, afinal de contas, de sangue ele não tinha nem um nem outro.
 
O rapaz olhou pra um lado da rua... Olhou para o outro... E então colocou a mão no bolso, só para se lembrar que ele não tinha um celular, não havia nenhuma maneira de ele chamar o Uber pra voltar pro apartamento de Bruno.
 
-ALISS... ALICE.- Gritou no portão.
 
Não demorou muito até que a moça aparecesse, confusa, e rindo um pouco afinal o grito desafinado de Henrique provavelmente foi ouvido pela vizinhança inteira, mas é claro, a maioria pensou que provavelmente só se tratava do canto de acasalamento de alguma ave que migrou para a região, de tão não humano que pareceu.
 
- Siiiim? - Ela perguntou ainda sorrindo.
 
- Será que você pode chamar o Uber pra mim? Eu ainda não comprei um celular novo...
 
- Que tal se eu só te der uma carona? - Ela sorriu, um pouco maldosa, torcendo pra que ele aceitasse a oferta.
 
- Pode ser também.
 
Pobre Henrique, nunca imaginaria que a tal carona seria de moto, Alice tinha uma moto Harley que ganhou de seus pais em seu aniversário de dezenove anos, algum tempo depois de Henrique ter ido para a Alemanha, e é claro que ela conhecia muito bem sobre o medo que Henrique tinha de transportes abertos, motivo pelo qual ele nunca andava em Montanhas Russas ou, é claro, motos.
 
O rapaz se agarrava a Alice com toda a sua força enquanto mantinha seus olhos bem fechados, a moça quase não sentia o aperto, afinal Henrique nunca foi muito forte pra começo de conversa, ela se assegura de que ele está com o capacete, e então coloca seu próprio capacete preto com chamas estampadas, dá partida na moto que ronca fortemente ecoando pelo bairro.
 
- Okay... Se segura firme heim? - E então ela arranca com a moto cortando o asfalto e fazendo com que Henrique grite um pouco e lacrimeje mesmo sem nem ver o que está acontecendo.
 
Após o que para Henrique pareceram décadas de desespero pelas ruas de São Paulo, eles finalmente chegam ao prédio do apartamento que ele passou a dividir com seu chefe.
 
- Chegamos, pode abrir os olhos. - Ela não consegue nem mesmo disfarçar e ri alto enquanto tira o capacete.
 
Henrique desce da moto e quando tira seu capacete, seu rosto está completamente vermelho por vergonha e pela falta de ar de ter gritado tanto o caminho todo, principalmente quando Alice propositalmente acelerava nas lombadas para fazer a moto saltar e dar aquele frio de adrenalina.
 
- É... Hum... Obrigado... ´Você... É... Não quer entrar? - Ele ainda lutava para respirar e recuperar a voz.
 
- Quero, vamos lá, pra eu poder recuperar meu folego também. - Ela ainda continuava rindo bastante, e então juntos eles entram no prédio, com Alice gargalhando e Henrique respirando fundo e envergonhado.
 
Bruno se assusta um pouco quando ouve a voz feminina de Alice ecoando pela casa em gargalhadas, por um instante ele pensou que fosse alguém entrando por engano ou tentando roubar, o pulinho que o rapaz deu na cadeira desencadeou uma nova onda de gargalhadas em Alice que fez com que ela precisasse se abaixar pois estava prestes a desmaiar de falta de ar.
 
- Yo Bruno. - Henrique cumprimentou enquanto entrava tentando ajudar Alice a se levantar.
 
- Essa é a Sara? - Ele perguntou olhando Alice.
 
- Não, é minha amiga, vou pegar um copo de água pra ela na cozinha, okay?
 
- Beleza... Oi, eu sou Bruno, será que eu posso ajudar em algo por toda a vida? - Ele diz sorrindo enquanto gira a cadeira pra poder olhar melhor a moça que aos poucos recuperava o folego.
 
- Ohhhh, que fofo, mas eu tenho namorado tá? - Ela sorri para o rapaz que em silencio só gira a cadeira de volta pra olhar pro computador.
 
- Não é tão grande quanto a sua, mas é um lugarzinho bom né? - Henrique diz enquanto volta com a água, Alice pega o copo e toma um gole antes de responder.
 
- Achei que estaria pior.
 
- Como assim? - Henrique pergunta, agora notando o silencio de Bruno, mas preferiu não comentar.
 
- Sabe, dois homens morando juntos, o dia todo na frente do computador, achei que iria estar cheio de lixo e pedaços de pizza por todo o lado. - Ela diz olhando em volta do apartamento que estava surpreendentemente limpo.
 
- O que? Lixo? Nunca, esse lugar é limpo como as mãos de um medico prestes a operar.- Bruno diz sem virar o rosto pra olha-los.
 
- Que pensamento machista Alice, só por que somos homens isso significa que não podemos ser organizados? - Henrique pergunta, fazendo a melhor voz ofendida que consegue,
 
 Alice para pra pensar um pouco e se lembrar de quando entrava no quarto de Henrique na adolescencia, com a mesa do computador lotada de embalagens vazias de comida e da pilha de roupas que ele deixava acumular em cima da cadeira, que só estava "vazia" quando ele próprio estava-a usando para usar o PC, enquanto todas as roupas ficavam jogadas de qualquer jeito em cima da cama.
 
- Acho sim... Principalmente você. - Alice mandou na lata, fazendo que Bruno se virasse pra olhar Henrique, afinal, foi o rapaz quem o obrigou a passar longas horas da noite arrumando tudo, então era difícil de acreditar que aquele palito de óculos perfeitamente arrumado que era Henrique fosse capaz de ser desorganizado.
 
Mas essa era a dura realidade, PORÉM, após seis anos morando com sua avó, a neura em pessoa, ele foi obrigado a ser pelo menos um pouco organizado, o que para os padrões que tinha até então, era quase como se ele tivesse passado de MORADOR DE RUA PARA O HOMEM QUE ORGANIZA TODO UM HOSPITAL, mesmo que agora ele apenas esteja em um nível de organização normal.
 
O celular de Alice vibra, ela coloca a mão no bolso e então olha para a mensagem que acabara de receber, a moça respira fundo e então se levanta, preguiçosamente se esticando e revelando um pouco de sua barriga quando sua camiseta se levanta.
 
- Tenho que ir. - Ela diz enquanto caminha em direção a porta.
 
- Beleza, quer que eu te acompanhe até lá em baixo? - Henrique se oferece, e então começa a ir junto dela pra porta.
 
- Não precisa, mas... Hey, moço, foi um prazer em conhecer, eu chamei o Henrique pra ir com a namorada dele lá em casa esse fim de semana, você pode vir também se quiser, eu vou cozinhar e acho que vai ser divertido. -  Ela acena e sorri pra ele.
 
- C-claro, por que não? - Ele acena de volta.
 
Em poucos instantes só restam Henrique e Bruno naquela sala.
 
Bruno, é claro, ficou encarando todos os movimentos de Henrique, desde ele trancar a porta após Alice sair, até ele ir se sentar em sua própria escrivaninha onde o computador estava sempre ligado pronto pra continuar o trabalho, o rapaz observou o funcionário trabalhar em silencio por algum tempo antes de dizer alguma coisa.
 
- Não vai me explicar nada? - Bruno pergunta em um tom que talvez tenha sido sarcástico, mas nem mesmo ele sabe dizer se conseguiu reproduzir o que queria.
 
- Eu tenho algo pra explicar? - Henrique nem tira os olhos da tela pra responder, mas é audível que havia parado de digitar. E, Bruno conseguia ver a parte exposta da orelha dele que estava extremamente vermelha.
 
- Você já tem namorada, então quem era aquela gata?
 
- Ah... Isso... É uma longa história...
 
Bruno ainda teve que convencê-lo a contar, fora pelo menos quatro horas de indiretas soltas durante o dia, o máximo que podia fazer para irritar sem parecer muito intrometido, como se algo assim sequer existisse, mas em determinado momento, depois de torcer oito vezes para ser atingido por uma bala perdida só pra não precisar ouvir a voz de Bruno novamente, ele finalmente decidiu contar, e após quase duas horas de explicação, Bruno finalmente entendeu.
 
- Que doideira, nem imagino como deve ter sido quando viu que seu melhor amigo agora era uma gata. - Bruno disse se desescorando da cadeira, havia ficado naquela posição durante toda a história e agora suas costas doiam.
 
- Você parece menos chocado do que pensei que ficaria. - Henrique também se desescorou, e começou a estralar o pescoço.
 
- Bem, é como dizem... Feijoada tem linguiça e é uma delicia. - Bruno sorriu, como se esperasse que Henrique risse, mas isso nunca aconteceu.
 
- Ela cortou a linguiça da feijoada dela.
 
- Ah... Mas ainda assim, continua uma delicia...
 
- Para de falar merda e trabalha que logo o nosso dinheiro acaba. - Henrique perdeu a pacienca e voltou a trabalhar.
 
Alice não demorou a chegar em casa, sua moto roncou pelas ruas de São Paulo novamente até que a moça de cabelos azuis estivesse finalmente no conforto do lar. Ela em silencio se sentou em frente a televisão, no chão mesmo, e então recostou-se no sofá, e ela só ficou assim, sem pensar em nada até que finalmente um homem negro de pelo menos dois metros  e músculos de aço entrasse em sua casa carregando duas sacolas de compras, ele passa por ela e vai em direção a cozinha e então subitamente volta como se acabasse de notar a presença da mulher sentada no chão.
 
- Amor? Tá tudo bem? - Ele pergunta com sua voz grossa e preocupada.
 
- Ah... Pablo, estou sim. - Ela sorri pra ele. - É só que hoje eu reencontrei um amor platônico da minha adolencencia e fiquei pensativa.
 
- Eu tenho que me preocupar? - Ele pergunta já claramente preocupado, apesar de grande, Pablo podia ser um pouco inseguro as vezes, mas ele se preocupava ainda mais com Alice do que com o risco de ser trocado pelo tal "Amor Platonico da Adolescencia".
 
- Não... Isso já é passado... - Ela pensa um pouco e então ergue os braços pra ele como se pedisse colo, Alice já era baixa perto de pessoas de estatura média, perto de Pablo então, ela parecia ainda menor.
 
Ele a pega no colo e ela abraça o pescoço dele, os dois se beijam enquanto ele se senta no sofá, juntos eles assistem a televisão, enquanto Alice evita pensar no passado.
 
 

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⏰ Última atualização: May 02, 2023 ⏰

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