O Inicio... Literalmente

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Essa é uma história que imagino que você nunca pensou em ler, e imagino que talvez, que tal qual como uma formiga nem sequer imagina as grandes doçuras presentes em um pote de açucar, você nunca nem sequer chegou a imaginar que um dia estaria aqui, ou que eventualmente veria essa dentre tantas outras histórias que com certeza são melhor escritas e por livre e espontânea vontade, ainda assim escolheu essa para ler.
 
Assim como você e as formigas, um simples garoto de São Paulo, mais especificamente um chamado Henrique Edmund, descentente de Alemães, imaginou que aos seus 6 anos iria conhecer seu melhor amigo de toda a vida e logo em seu primeiro dia de aula. Nem ninguém sequer imaginou o quão diferentes eram esses dois garotos. Enquanto que Henrique sempre foi um garoto estudioso e reservado, sempre com dificuldades pra falar até mesmo bom dia para as garotas de acordo com que ia crescendo, Alisson Del Passo, apesar de sempre ter sido baixo pra sua idade, era extremamente temperamental e as vezes chegava a ser bem explosivo, ainda mais quando aos seus 12 anos conheceu o que corria nas veias de sua familia há gerações: o Rock n' Roll, ele deixou o cabelo crescer e passou a andar sempre com camisas de banda, até mesmo aprendeu a andar de skate mas acabou desistindo de vez quando caiu ao descer uma ladeira.
 
Mesmo assim, com tantas diferenças eles eram inseparaveis, nenhum deles tinha irmãos de sangue, mas isso não importava, pois o laço de irmandade dos dois era mais forte do que qualquer relação sanguinea. A única coisa que tirava ambos do sério eram os bullys.
 
- Ih ala, os namoradinhos andando juntos de novo. - Zombava Kaíque, que tal qual você, as formigas, Henrique e Alisson, não imaginaria que ele próprio quando chegasse aos 26 anos se assumiria homossexual, mas essa história não vem ao caso agora.
 
- Vai se fuder Kaíque do carai, quer resolver na saída otário? Tenho medo não. - Respondia Alisson, já erguendo os punhos, e normalmente as brigas realmente aconteciam e apesar de Alisson levar bastante e ficar bem roxo, na maioria das vezes ele ganhava os tais "resolver na saída"
 
O que importa aqui é, devido a proximidade dos dois, muitos outros garotos mais dominantes acabavam os usando de degraus para sua "popularidade", era bem fácil afinal, um era extremamente timido e o outro o defendia a qualquer custo apesar da baixa estatura, no começo Henrique era a suposta namorada, mas quando chegaram ao ensino médio, a suprema corte da ZOAÇÃO, Alisson acabou assumindo o posto da feminilidade durante as longas tirações de sarro de seus colegas, era o alvo perfeito afinal, era baixinho com longos cabelos ruivos e uma barba que se recusava a crescer enquanto que seus colegas já tinham alguns bigodes aparentes, Henrique por outro lado, com seus óculos, cabelos penteados e roupas bem arrumadas era um exemplo perfeito de "Marido" aos olhos de adolescentes que não sabiam nada sobre a vida adulta.
 
Ainda assim, sua amizade nunca se abalava, eles aprontavam de tudo juntos, desde virar três dias acordados jogando o Playstation de Henrique, até mesmo explodirem telhas no terreno baldio do bairro com bombinhas, arte essa que rendeu que pela primeira vez Henrique conhecesse o terror dos chinelos voadores maternos, e, por mais que em sua cabeça ele imaginasse que naquele dia tinha corrido mais rápido do que um carro de formula 1, ele ainda não sabia do fato comprovado cientificamente que ao se tornarem mães, todas as mulheres aprendem automáticamente a arremessar mais veloz e precisamente do que o melhor arremessador de Baseball que já jogou profissionalmente, o pulso delas fazem um efeito estilingue tão anatomicamente perfeito que seus chinelos voam em arco direto no alvo.
 
É claro, todos inclusive as mães riram muito daquilo anos depois, porém chegou o dia de se separarem, e não foi fácil, Henrique queria fazer uma boa faculdade e seus avós na Alemanha se dispuseram a pagar, DESDE QUE ele fosse para lá pra estudar, e é claro que ele tentou negar, mas quando até mesmo Alisson disse:
 
- Você tá louco? Se negar essa oportunidade eu juro que nossa amizade morre aqui.
 
O rapaz acabou aceitando, nas últimas semanas antes da partida os preparativos pra viagem foram tantos que eles sequer tiveram tempo para se verem ou conversarem, apenas trocando poucas mensagens pelo celular, e então, no último dia eles apenas deram um abraço no aeroporto antes de Henrique embarcar para a Alemanha.
 
Eles até pensaram que poderiam se ligar com frequencia, mas os avós de Henrique moravam no campo, onde não havia sinal de nada e nem sequer a televisão funcionava direito, e a única forma de se comunicar era através do velho telefone fixo, que era fora de questão considerando o preço absurdo que deveria ser ligar da Alemanha pro Brasil e vice-versa, então os únicos momentos em que conseguiam conversar era nos intervalos dele na faculdade onde ele usava o wi-fi do campus. Claro, até seu celular trágicamente cair dentro da privada durante um emocionante duelo em Pokemon Firered emulado e morrer pra sempre. Sem trabalho, dinheiro ou boa vontade de seus avós, com muito custo o rapaz teve que aprender a sobreviver sem um telefone móvel.
 
Levou cerca de um mês até que ele finalmente tivesse a idéia de se comunicar como os antigos e já pré-históricos criadores da roda e colocasse uma carta escrita a mão no correio, com endereço direto para a casa de Alisson, e assim, como os guerreiros que viveram antes da tecnologia eles começaram a relatar o dia dia um pro outro, ambos sempre muito ansiosos pela próxima visita dos correios.
 
Até que, cerca de um ano depois de chegar na Alemanha, as cartas de Alisson pararam de chegar. Henrique desesperadamente mandou cartas e ficou sem resposta por meses, até que finalmente uma nova correspondencia de Alisson chegou, como se nada tivesse acontecido e sem nenhuma explicação, e eles voltaram a se falar. Com o tempo Henrique começou a namorar uma garota da faculdade que também era do Brasil, Sara Fritz, e como todo bom garoto com sua primeira namorada ele mandou uma carta relatando tudo pro seu melhor amigo, que mais uma vez, ficou algum tempo sem responder, até que em uma carta disse "Legal cara, parabéns, eu meio que também estou saindo com uma pessoa, talvez a gente possa apresentar nossos pares um pro outro eventualmente", Henrique não perdeu tempo e já escreveu sua resposta logo após passar os olhos pela última linha da carta do amigo, finalizando sua própria carta com um: Mesmo que agora namoremos seremos sempre amigos né? Para sempre nós?" e em menos de uma semana recebeu a resposta, uma carta estranha, só com uma folha de papel em branco exceto por uma única frase bem centralizado escrita em letras garrafais: PRA SEMPRE NÓS.
 
Finalmente, os anos da faculdade passaram e chegamos ao presente, Henrique acorda com o sol como sempre, ele mal acredita que finalmente se formou em programação e que estará indo com Sara para o aeroporto pra irem pro Brasil, seu coração palpita e ele sente o suor enxarcar suas mãos, ele levanta da cama, pega seus óculos na cabeceira e então com passos cambaleantes e ainda bêbados de sono ele vai para o banheiro tomar seu banho.
 
- MENINO, VAMOS, O CAFÉ ESTÁ PRONTO. - Sua avó grita da cozinha, abafada pelo som do chuveiro, isso até mesmo deixa Henrique com uma dorzinha no coração, depois de seis anos ouvindo ela gritar pra ele acordar, ele vai sentir falta dela, mas ele mal pode esperar pra ver seus pais e seu amigo novamente,
 
- SÓ UM MINUTO. - Ele grita de volta e ri.
 
Com um banho tomado, seus dentes escovados, vestido e com suas malas perfeitamente montadas por sua avó ele finalmente está pronto pra tomar o café da manhã e partir, ele até mesmo desce as escadas cantarolando e dançando.
 
- Ora ora, olha, come, vai lá saber o que eles vão te dar naquele avião, não não não, aquilo não é comida. - Ela resmunga enquanto se recolhe perto da pia, Henrique olha em volta sem ver o avô.
 
- Eu vou ficar bem vó, olha só, estou comendo. - Ele diz depois de se sentar e dar uma mordida em uma torrada.
 
- Eu só estou preocupada. Ah menino, já faz tanto tempo que por um momento eu até esqueci que uma hora você ia embora. - Por um segundo ela parecia que iria chorar, mas ela é de uma outra época, dona Franziska Edmund trabalhou nos campos desde os sete anos de idade, e desde aquele tempo aprendeu que não havia tempo pra chorar, mas não significava que ela não estava triste pela partida do neto. - Mas come, come come, que seu avô tá ajeitando o carro pra levar você e a menina Sara pro aeroporto.
 
A viagem até o Brasil algo que se pode descrever como uma dor na panturrilha muito forte que te acordou durante uma noite de sono confortável, extremamente incomoda, cansativa mas nada que se pudesse fazer a respeito, mas enfim eles chegaram, Sara foi direto pra casa dos pais, enquanto que Henrique foi deixar sua bagagem no apartamento que dividiria com seu mais novo chefe, Bruno Oliveira, dono de uma pequena desenvolvedora de jogos Indiem que agora contava com incriveis dois funcionários, incluindo ele próprio.
 
- E ae? Cadê ela? - Perguntou o homem que era no máximo um ou dois anos mais velho do que Henrique.
 
- Quem?
 
- A namorada gata que você comentou quando disse que já estavam vindo pro Brasil. - O homem até mesmo tentou olhar atrás de Henrique, como se o rapaz por algum motivo pudesse estar escondendo ela em suas costas como um assassino que esconde sua faca, só pra depois voltar a se sentar no computador claramente decepcionado.
 
- Ela foi ver os pais dela, mas depois ela deve aparecer aqui, sabe... - Henrique olha em volta e então percebeu, nem mesmo quando sua excurção da sétima série o levou até o aterro sanitário mais próximo ele viu um lugar com tanta sujeira, lixo e restos de comida. - Provavelmente... Depois que eu arrumar esse lugar...
 
 - E então, o quão longe já foram? Vocês já fizeram muita coisa? - Ele pergunta, de forma bem incomoda e intrusiva, mas Henrique gostava tanto de falar sobre da namorada pra todo mundo que conhecia que ele nem sequer considerou o quão intrometido Bruno estava sendo.
 
- Bem... Quando a gente estava no avião a caminho pra cá, ela segurou minha mão e...
 
-E?
 
- E nós ficamos de mãos dadas até o Brasil.
 
-Cara, que selvagem. - Bruno da um assovio impressionado enquanto Henrique ficava bem vermelho.
 
Claro, dar as mãos era o básico e nada impressionante, mas não apenas era o mais longe que Henrique foi com a primeira namorada, como Bruno nem sequer já teve uma, então para os dois era a coisa mais incrivel que se podia fazer, afinal de contas, ambos eram o que Piracicaba poderia muito bem chamar de O Puro Creme do Nerd.
 
Claro, Henrique visitou os próprios pais, mas apenas alguns dias depois de se estabelecer no apartamento de Bruno, e resolveu adiar ainda mais a visita ao seu bom amigo Alisson... Mas apenas uns poucos dias, ele pensou, esses dias foram acumulando, acumulando até que se tornaram semanas, e essas semanas passaram...
 
- Cara... Cê não vai lá não? - Bruno perguntou eventualmente enquanto escrevia um código com uma mão e tomava café com a outra.
 
Henrique respirou fundo e parou de escrever em seu próprio computador antes de responder.
 
- Claro que vou, por que não iria? - Ele responde sério e então volta a digitar.
 
- Quando?
 
 
QUANDO, era uma pergunta mais especifica e difícil de responder, a verdade é que Henrique estava completamente apavorado, seis anos longe, apenas se comunicando por cartas, ele, apesar de sentir que não mudou nada, sabia o quanto as pessoas podiam mudar só em alguns dias sem encontra-las, agora anos? Ele tinha muito medo de que quando se reencontrassem estivessem tão diferentes de antes que nem sequer conseguissem mais ser amigos... Mas, NÃO, ele pensou, ele levantou da cadeira, andou até a porta e saiu do apartamento.
 
E ENTÃO, ele imediatamente pediu um uber para a casa de Alisson, afinal, não tinha como ele ter mudado tanto, né?
 
Henrique desceu do carro e caminhou até a campainha no muro da casa do amigo e a tocou.
 
Ele esperou algum tempo e então uma visão que ele nunca esperaria, uma garota que ele nunca havia visto na vida abre o portão, uma garota bem baixa de cabelos azuis que iam até os ombros, de shorts jeans e vestida com uma camisa surrada do Mettalica que Henrique conhecia bem de tanto ver o amigo a vestindo quando eram adolescentes, imediatamente o pensamento óbvio surgiu "Essa é a namorada que ele comentou que tinha nas cartas. Que linda...".
 
- É... O... A-Alisson tá em casa? - Ele gagueja um pouco, afinal, para ele ainda era muito difícil, até mesmo impossivel as vezes falar com garotas, isso incluia a Sara que ele já namorava há anos. - E-eu sou amigo dele...
 
- Eu sei cara. - Ela respondeu, sua voz era aveludada e segundo a mente de Henrique "Fofa", quase como as vozes das personagens dos animes que ele assistia. - Mano, sou eu... E, bem... Não é mais Alisson... Eu meio que me chamo Alice agora.
 
Aquela foi a primeira vez pra Alice que ela viu Henrique ficar tão branco, o rapaz simplesmente caiu para trás, duro como uma pedra.
 
- HENRIQUE? - Gritou ela desesperada enquanto tentava acudir o amigo, mas infelizmente, sem querer ela o nocauteou pelo choque... E  apesar de o HP de Henrique ter chegado a 0, nada foi conquistado com isso além de uma dor de cabeça fisica e figurativamente para ambos.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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