I) Cabo 013

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  A claridade batia sobre o rosto do garoto, iluminando parcialmente o livro que residia sobre a palma de sua mão. Pequeno e com diversos contos, falantes sobre magias e paixões, uma imensidade de assuntos, todos com o mesmo desfecho, o felizes para sempre. Amado por crianças que acreditavam que tudo sempre se resolvia facilmente, onde se você beijar um sapo, ele pode ser o amor de sua vida e até mesmo um príncipe.  Descobrira cedo demais que não passavam de histórias, servidas para entreter aqueles de coração vazio ou aventureiro, principalmente para aqueles que sonhavam em viver uma história épica, digna também de um conto de fadas.
   Olhar para aquele pequeno livro, o fazia se sentir como um garoto cheio de sonhos, essa ideia lhe era engraçada. Como toda criança,  sempre ansiara por aventuras e por encontrar a pessoa destinada a ficar consigo, ansiava pela liberdade e pela realização de todos os seus grandes sonhos. No mundo, contos de fadas eram uma mentira, nunca existiram de verdade, o mundo era na verdade mais cruel do que se poderia imaginar. E ele não era mais uma criança.
   Ainda muito pequeno aprendera a se virar sozinho, crescendo mais rápido do que deveria decorrente do vírus e de suas consequências. O livro que mantinha escondido era a única lembrança que possuía dos pais, lembranças essas que pareciam perdidas em sua memória, flashes desconexos que compunham os poucos momentos com seus progenitores. Não se lembrava do que ocorrera com estes, mas também não se importava, de qualquer forma não os veria mais.
   Escondeu o livro em seu lugar embaixo de seu colchão e vestiu-se de sua costumeira farda branca, olhando-se brevemente no espelho para conferir se sua aparência estava de acordo com as regras. Arrumou a postura e saiu de seu compartimento, dando de cara com o mesmo corredor sem graça de sempre, dirigindo-se para o refeitório calmamente e entrando na fila de medicamentos. Todos recebiam um coquetel com vitaminas fornecidas pelo governo diariamente para ajudar na saúde dos cabos que estariam na linha de frente, como no caso do garoto de cabelos e olhos pretos. Recebeu o copo da mulher esguia no balcão, esta que lhe encarava esperando que ele engolisse as pílulas corretamente.
   Devolveu o copo em cima do balcão após engolir as cinco pílulas ali presentes e seguiu até a próxima fila para pegar uma das suas refeições costumeiras. Pegou uma bandeja e serviu-se da pasta nutritiva, barrinhas de cereal e água, sentando-se em uma mesa afastada para fazer sua refeição, que não era lá muito gostosa mas era o suficiente para manter-se vivo. Comeu calmamente, observando o pouco movimento daquele local e a falta de conversa, o silêncio ensurdecedor que o deixava louco. Raramente ouvia-se conversas por ali, devido a proibição de relacionamentos, para não se criar vínculos ou quaisquer outras coisas que fossem prejudiciais para seu desempenho para com o governo. Viviam exclusivamente para servir e exterminar quaisquer ameaças ao futuro da raça humana.
  Observou um rosto conhecido se aproximar, esbanjando a simpatia costumeira e o sorriso com covinhas características em sua face. O rosto já conhecido sentou-se em sua frente sem dizer uma palavra, tratando de abocanhar a refeição com gosto e logo começando a mastigar, o sorriso dando lugar a uma careta de nojo.
  — Por Deus, sinto que isso consegue ficar ainda pior em cada refeição — murmurou irritadiço, servindo-se de água para tentar tirar o gosto desagradável da boca. Encarou o garoto a sua frente, vendo que este sequer lhe dava atenção, era como se não existisse à seus olhos. Não deixou de sentir certo incomodo, odiava quando era ignorado           
  — Não vai dizer nada, cabo 013?
O garoto que atendia pelo código 013 acabara sua refeição, limpando o canto dos lábios com um guardanapo de papel e erguendo os olhos, finalmente dando atenção ao outro que se encontrava em sua frente, embora continuasse com o rosto impassível, ainda sem demonstrar qualquer menção de responder o rosto conhecido à sua frente. Organizou as coisas sobre sua bandeja e dirigiu o olhar uma última vez para o garoto de cabelos pretos, que ainda aguardava sua resposta, levantando-se e indo até a lixeira mais próxima. Era sempre assim, sem respostas, uma breve troca de olhares e o mais novo se levantava, indo embora sem dizer uma palavra, poderia ser considerado uma pessoa muito tímida, mas na verdade não via porque ir contra às regras e criar laços com outras pessoas. Deveriam fazer seu trabalho e apenas isso, tudo e quaisquer diversões eram insignificantes para si.
   Descartou o lixo de sua bandeja e se dirigiu até o compartimento onde deveria deixá-la. Arrumou sua farda e se dirigiu até o campo de treinamento, onde hoje aprenderia a atirar os dardos tranquilizantes. Ali, não eram treinados para exterminar ninguém e sim para capturar os fugitivos, os experimentos que não deram certo, os infectados, os Renegados. Pegou uma das armas tranquilizantes dispostas ali e seguiu para uma das fileiras repletas de pessoas, todas aguardando instruções para que o treinamento enfim tivesse início. Correu os olhos por algumas pessoas dali, alguns rostos novos porém com aparências similares a sua.
   Observou a garota de número 106 à sua frente com o cabelo preso em um rabo de cavalo milimetricamente calculado, com os fios negros caindo em cascatas em suas costas. Correu os olhos até a forma que ela segurava a arma em sua mão, com a postura bem feita e olhar sério, ela era bonita. Sentiu-se tolo por estar observando a garota que sequer conhecia e que parecia mais velha que si, já que não teria tempo para coisas bobas desse tipo. Desviando o olhar e arrumando a postura, percebeu que o garoto ao seu lado — identificado como 942 — também de cabelos negros,  o encarava fixamente com um olhar de desdém, como se o julgasse internamente.  Engoliu em seco e manteve o olhar impassível, vendo o instrutor e Tenente finalmente dando as caras para iniciar o treinamento.
  — Bom dia cabos, eu sou o Tenente Adam e vou iniciar o treinamento de vocês hoje — o homem de estatura mediana e olhar carrancudo começou sua fala, olhando atentamente para cada um dos garotos que aguardavam suas instruções — Como vocês sabem, nosso objetivo aqui é capturar e conter os Renegados infectados pelo vírus para restaurar a paz mundial. Nesse exato momento tenho os melhores cabos treinados por mim na linha de frente, com a missão de capturar o líder desses ratos, Min Yoongi.
    O homem indicou com um menear de cabeça um telão onde a imagem de um garoto de olhos pequenos e cabelos verde água era mostrada para o batalhão. Observaram os traços do garoto que lhes era mostrado atentamente, ao lado se podia ver uma classificação de cor Vermelha, que indicava o grau de perigo e o poder que o líder dos Renegados possuía.  O Vermelho indicava a cor mais perigosa e rara do vírus, eles detinham o poder de destruir tudo o que tocassem, eram um grande perigo para a humanidade.
   — Acredito que todos vocês saibam o que aquela cor significa, então darei continuidade ao treinamento — desligou o telão, pegando em uma das mãos uma das armas idênticas a de todo o batalhão, começando a dar as instruções — Este é o gatilho que é usado para atirar. Neste compartimento de traz vocês destravam a arma e conseguem inserir o dispositivo de carregamento que foi entregue a vocês — ele segura uma placa branca reluzente e fina, que contém todos os dardos da arma, o insere no compartimento da arma e aperta um botão no canto inferior. Automaticamente a arma branca ascende algumas luzes em seu entorno, indicando que está carregada e pronta para disparar.
   Conforma instruído, todos do batalhão repetem seus atos para recarregar corretamente as armas que foram dispostas, seguindo para filas onde aguardariam serem chamados para o dispositivo de treino. Foram chamados em ordem numérica, como condiziam suas identificações. Jungkook aguardou como todos na fila, observando a pontuação de todos que iam antes de si, vendo que alguns possuíam bons reflexos e outros sequer sabiam segurar a arma. Limpou as mãos suadas na calça, tentando não transparecer o nervosismo. Era o próximo.
   Entrou na cabine de vidro e apertou o botão tecnológico que dava início ao treino. Com a arma em punho observou as luzes serem acionadas e começarem a produzir formas. Observou a forma de uma pessoa correndo em sua direção e atirou. A segunda atirou em sua direção, fazendo com que se jogasse para a esquerda e lhe desse um tiro certeiro na cabeça. Várias outras jogavam objetos em si ou atiravam em sua direção, fazendo com que ele tivesse que fazer um esforço a mais para desviar dos projéteis antes de acertar tiros certeiros em cada um. Encerrou o teste ofegante e arrumou a postura antes de sair e ser parabenizado pelo Tenente. Tinha conseguido a pontuação máxima.
   Continuou observando os outros cadetes nos treinos, alguns sendo repreendidos e outros parabenizados pela ótima pontaria. Receberam mais algumas informações e dicas de sobrevivências em caso de tiroteios ou se cada um dos Renegados tentasse utilizar os poderes em si, o que o levou a crer que estariam ferrados se topassem de cara com qualquer um deles.
   — Como vocês sabem, além do Vermelho nós temos alguns outros graus de periculosidade que nós devemos nos atentar. Por exemplo, temos o Dourado onde eles podem controlar eletricidade, são bem perigosos se alguns de vocês estiverem com objetos eletrônicos, por isso nossas armas são projetadas sem essa tecnologia para não corrermos riscos — ele projetou uma imagem no telão de uma explosão em uma de nossas usinas, ocorrida alguns meses atrás — O Verde são aqueles de inteligência suprema, geralmente são os comandantes dos inúmeros ataques que levamos. O Azul é aqueles com telecinese, são  capazes de movimentar, abalar ou exercer força sobre algo com o poder da mente, são igualmente perigosos aos Vermelhos, mas não tão destrutivos. E por último — passou a imagem no telão para um garoto ruivo com a boca em formato de coração, que encarava a câmera com um olhar opaco, sem vida. Abaixo da sua imagem continha as letras garrafais escrito "Procurado" — os Laranjas. Esses são os mais raros e perigosos. O único que temos ciência é esse garoto, Jung Hoseok. Ele é o único que tem o poder de controlar a mente dos outros, por isso estamos atrás dele.
   Observou atentamente a imagem de garoto à sua frente. Ele parecia uma pessoa normal, um adolescente normal que buscava apenas a liberdade e não ser um rato de laboratório, um peão em um esquema de outras pessoas. Sentiu pena dele, afinal, não era a liberdade que todos buscavam? Ele não tinha culpa de nascer uma aberração . Jeon sentiu-se estranho por sentir compaixão por uma imagem de alguém que deveria capturar, nunca parou para pensar que a ameaça que enfrentavam era na verdade outros humanos. Ele era um monstro, não era? Era isso que fora levado a crer desde que nasceu, mas por que tudo isso lhe parecia errado por um momento? Não sabia.
   Após o treino com o Tenente, fora dispensado no fim da tarde pelo resto do dia e dirigiu-se para a parte dos alojamentos para trocar de roupa. Entrou em seu compartimento e removeu a farda costumeira, entrando em seu pequeno banheiro para tomar um banho. Sentiu a água morna descer por suas costas e suspirou cansado, suas costas doíam. Ensaboou o corpo com seu sabonete neutro e permaneceu mais um tempo embaixo da água, apenas sentindo os músculos relaxarem.
  Saindo do chuveiro, vestiu-se com uma das roupas confortáveis e padrões dos oficiais: uma calça de moletom cor musgo e uma camiseta preta. Secou o cabelo com a toalha indo até o display de informações que estava na parede ao lado de sua cama, este que tocava a música característica do governo, o que indicava uma notícia de última hora. Sentou-se sobre o colchão e aumentou o volume, os olhos dobrando de tamanho ao se dar conta da notícia.
  — "Parece que finalmente o líder dos Renegados, Min Yoongi foi capturado. Temos notícias de que hoje às 14h30 as unidades ao sul de Busan interceptaram o grupo e mesmo com algumas perdas dos Alfas do batalhão, conseguiram fazer a captura…" — a imagem do garoto de cabelos verde água era mostrada no display, cortando depois para a imagem de seu batalhão no dia de hoje, cerca de algumas horas atrás, quando ainda estavam em treinamento — "... O Tenente Adam irá dar um pronunciamento daqui alguns instantes para falar sobre o sucesso do seu esquadrão Alfa. Quem diria que nós finalmente teríamos algum motivo para comemorar depois de tantos meses? Finalmente estamos a um passo da vitória e…"
   Desligou o display sem saber como raciocinar as informações. Por isso sua aula fora interrompida e todos dispensados, Min Yoongi havia sido capturado. Era finalmente uma vitória dos Esquadrões que lutaram bravamente todos esses anos contra a ameaça que os Renegados eram para a população. Permitiu-se soltar um suspiro de alívio, relaxando os ombros enquanto encarava seus pés descalços dispostos no chão branco e gélido do quarto. Decidiu que iria até o refeitório, ver se alguma comemoração seria feita e se conseguia ver o local onde Tenente Adam faria o pronunciamento, estava ansioso.
  Calçou os coturnos pretos e levantou-se às pressas até a porta, parando instintivamente e franzindo as sobrancelhas incomodado. Dirigiu o olhar até a cama, onde escondia o livro que fora herdado de seus pais e sentiu o peito apertar com uma sensação ruim, caminhando apressadamente até ele e levantando-o. Pegou o livro com uma das mãos e o enfiou no bolso da calça, sabendo que isso era a maior loucura de todas e torcendo para que não fosse revistado por ninguém. Saindo do quarto com o coração a mil, passou apressadamente pelo corredor, encontrando metade de todo o batalhão ali conversando entre si enquanto observavam o pódio onde Adam faria seu pronunciamento.
  Sentou-se em uma das mesas ao lado da janela e observou as pessoas se reunindo. No meio da multidão,  reconheceu o garoto de covinhas andando novamente em sua direção para sentar consigo. Sabia que ele tentaria uma proximidade novamente e suspirou pesaroso, não gostava mesmo de conversar.
  — "013" eu estou tão animado! — disse ao que se sentava a sua frente, olhando animadamente para onde estavam as câmeras apontadas para seu Tenente, aguardando o pronunciamento — Essa é a maior conquista que temos em anos, dá pra imaginar? Eu sei que o governo é corrupto mas eles capturaram o cara mais perigoso de todos, isso é doideira!
   — Pare de dizer besteiras — bufou irritadiço,  desviando o olhar para a janela. Aquele garoto devia estar brincando consigo. Onde já se viu duvidar do próprio povo que só tentava protegê-los?
  — Você falou! Ok que pareceu muito puto por eu fazer aquele comentário, mas você falou! — exibiu um sorriso enorme, que fez muitos a sua volta lhe olharem estranho e cochicharem entre si — Você quer ser meu amigo?
  — Não seja idiota — revirou os olhos outra vez, mantendo seu olhar nos muros ao lado de fora da janela, sentindo um formigamento no peito.
  — Amigos e amigas de toda a Coreia do Sul! — os auto-falantes irromperam com a voz autoritária de Adam iniciando o discurso — tamanha a vitória que tivemos hoje! Estamos a mais um passo da nossa libertação, mais um passo para exterminarmos o mal que todos os Renegados nos fizeram durante todos esses anos — foram ouvidas comemorações de todo o batalhão, mas Jungkook ainda mantinha os olhos fora das janelas enquanto ouvia — Tenho orgulho em dizer que os garotos treinados por mim foram os responsáveis por essa vitória. Tamanho orgulho é o que sinto dos meus garotos, de meus Alfas! Nosso próximo passo agora é usar o líder para atrair os outros infectados como forma de os capturar e utilizar para estudos. Creio que encontraremos a cura para que nenhuma de nossas crianças nasça com esses malditos genes que…
  Os olhos de Jungkook encaravam a visão da janela, desligando-se do mundo a sua volta e encarando a cena a sua frente embasbacado, enquanto todos continuavam alheios ao que acontecia. Uma pessoa de cabelos loiros flutuava acima da muralha de sua instalação, com um brilho dourado lhe cercado de todos os lados. Raios eram lançados a sua volta, como uma dança que envolvia todo o seu corpo.
  Levantou-se rapidamente do banco e atravessou a porta, indo até o lado de fora observar a cena. Os raios agora aumentavam de tamanho e alcançavam os fios de alta voltagem e os equipamentos da muralha que compunham a segurança da instalação.
  — Dourado…. Se ele controla eletricidade então ele vai… — arregalou os olhos e ao que se virou para gritar alertando aos demais, todas as luzes se apagaram.
  Todos soltaram sons alarmados devido a escuridão repentina, ao que as luzes de emergência foram acionadas, e então as sirenes começaram a soar. Isso indicava que o sistema de segurança estava comprometido, indicava que qualquer um poderia entrar ou sair da instalação. E então um som alto se sobressaiu a sirene que tocava estrondosamente, chamando a atenção dos outros até o lado de fora, ao que o vermelho de fogo tornasse presente próximo ao que restou do muro da instalação. Eles haviam explodido o muro, eles iam entrar. O pânico passou pelos olhos negros quando vislumbrou figura atrás de figura começando a adentrar pelo buraco da muralha. Continuou estático enquanto o caos de instalava à  sua volta.
  Os Renegados haviam invadido.
  Os Renegados haviam ido buscar seu líder.

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⏰ Última atualização: May 07, 2023 ⏰

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