Uma diminuta voz, quieta como um assovio, tentava convencer a mente de Helena de que tudo naquela noite ocorreria na mais perfeita ordem. Mas ela sabia, profundamente no seu próprio peito, que nada mais estava dentro da redoma segura e previsível de acontecimentos desde o instante em que Clara a propôs uma saída noturna sem maiores compromissos.
Eis o grande paradoxo, o problema original de todas as coisas, não era? Clara e sem maiores compromissos eram termos irrevogavelmente incompatíveis no seu vocabulário.
Mas Helena não pôde conter-se. Aceitou o convite com o mesmo sorriso de criança. Sentiu os próprios olhos brilharem diante da proposição, percebeu as mãos tremerem suavemente naquela antiga e conhecida ansiedade que parecia tão juvenil.
A verdade era muito simples, e, ainda assim, tremelicante e perigosa – aqueles eram sinais de paixão, porque amores vinham demoradamente, mas paixões eram sempre fulgurosas. Vinham como tempestades, arrebatando tudo pelo caminho. Helena conhecia pouco do amor, mas era familiar com a paixão, e o seu medo era explícito.
Clara sempre significaria mais. Cada segundo despendido ao lado dela era um passo adiante em uma escuridão de possibilidades assustadoras. A paixão ficava mais distante. Algo novo, agridoce, suave nos dedos e na língua, tornava-se mais próximo, e ela suspeitava que se parecia muito com a ideia do que seria o amor.
Ela encarou o espelho.
Não devia ser além das oito. Já havia arrumado seu cabelo duas ou três vezes. Sua roupa sempre parecia ter um novo amarrotado a cada vez que tentava deixá-la mais apresentável. Suspirou e desistiu, afastando-se da mulher quebrada ao espelho.
Talvez tudo aquilo fosse uma grande besteira, e esses pensamentos a rondaram durante todo o trajeto. Só foram cessados no instante-chave, naquele segundo em que Helena sentia que coisas grandes aconteciam na vida das pessoas, mesmo sendo momentos tão aparentemente banais. No momento em que a viu e escutou sua voz, tão bonita e promissora e boa, as preocupações dissiparam-se no ar como um sopro esquecido de tristeza.
A noite, no entanto, definitivamente não se deu como o esperado.
Helena ainda sentia o fantasma do beijo de Clara nos seus lábios, muito tempo após sua inevitável separação. O gesto havia acendido algo enterrado na sua composição, deixado de lado e poupado dos desgastes e das frustrações, desde que Paula tinha acontecido na sua vida. Helena havia se protegido, instaurado uma couraça segura e estável. Infeliz, mas quase inteira, vagarosamente juntando os pedaços caídos e grudando-os outra vez.
Todos os pedaços estouraram no momento em que Clara recusou outro beijo, e nunca Helena se sentiu tão pequena, e tão, tão ridiculamente fraca.
— A gente não precisa mais, — Clara a disse, as mãos nas suas, fazendo seus dedos tremerem. — Eles já foram embora.
Mas Helena não via mais ninguém naquele restaurante além delas duas. Talvez não existisse ninguém no mundo inteiro que não fossem elas, naquele momento feliz e certo, onde tudo se alinha de maneira com que as coisas se transformem em algo melhor do que eram antes. Não era?
Helena não sabia do quê ela estava falando.
— Quem foi embora?
— Os caras que estavam aqui, perturbando a gente. — Clara riu, e soltou sua mão. — Ainda bem que pudemos nos livrar deles.
Ah.
— É. Foi ótimo.
— Eu fui impulsiva, não fui? — Clara a perguntou de repente. — Me desculpa. Não consegui pensar em outro jeito.
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Wicked Game · Clarena
FanfictionOnde a noite do primeiro beijo entre Clara e Helena teve um desfecho inesperado. One-shot lésbica. Contém conteúdo adulto.