✈︎ 1. Prólogo

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Eda desceu as escadas do avião, exausta e sem paciência depois de um voo longo demais para o seu gosto. Mal tocou o chão de Istambul e já sentiu o peso da semana puxando seus ombros para baixo. Serkan estava lá, no portão de desembarque, com aquele sorriso que ela conhecia bem. Mas Eda, sem nem tentar esconder o cansaço, apenas acenou de forma rápida e continuou andando, sem muita vontade de conversa.

— Oi, Eda — Serkan tentou, acompanhando seu ritmo apressado pelo corredor. — Tudo bem?

— Tudo, obrigada! — respondeu ela, quase sem olhar para ele, focada em chegar logo na sala de descanso.

Serkan soltou um suspiro, sentindo aquele gelo de sempre. Sabia que Eda estava cansada, mas não conseguia entender por que ela sempre parecia tão distante, especialmente com ele.

Eda Yildiz cresceu em Mardin, uma cidade antiga e cheia de histórias no sudeste da Turquia. Desde pequena, tinha uma conexão forte com a terra e as tradições da sua região, mas também sabia que seu futuro não estava lá. Com o desejo de explorar o mundo, decidiu partir para Istambul e se tornar comissária de bordo, uma escolha que lhe daria a chance de ver o mundo além do horizonte que conhecia.

Serkan Bolat, por outro lado, era o oposto. Crescido no ritmo frenético de Istambul, no lado europeu, sua paixão sempre foi a música. Passava horas com a guitarra, compondo suas próprias canções e sonhando com novas melodias. Decidiu ser comissário de bordo não só para viajar, mas para se inspirar nos sons e cores dos lugares que visitava.

Os caminhos de Eda e Serkan se cruzaram pela primeira vez na academia de comissários de bordo, mas foi só um ano atrás que acabaram na mesma companhia aérea, a SkyLife, onde, desde então, trabalham juntos em muitos voos. Mas, apesar das coincidências e do tempo juntos, a relação entre os dois era tudo menos harmoniosa.

Depois de um voo cansativo de volta a Istambul, cada um vindo de rotas diferentes, Eda e Serkan estavam exaustos. Ele só queria chegar em casa depois de uma semana puxada ao lado de Özge, sua parceira nos voos recentes. Já Eda, apesar de ter voos mais curtos, estava irritada porque isso significava mais horas de trabalho acumuladas.

Quando passaram pela placa que indicava a sala de descanso da SkyLife, não pensaram duas vezes antes de entrar. O espaço, levemente iluminado e com um ar pacífico, oferecia camas separadas por cortinas, um canto com cacifos e uma área para tomar banho. Ali, o ambiente era feito para relaxar, mas a tensão entre os dois não demorou a aparecer.

da e Serkan se afastaram para lados opostos da sala, cada um tentando encontrar seu próprio espaço naquele ambiente carregado de cansaço e frustrações. Ele estava ali só para pegar suas coisas e sumir, enquanto ela ainda tinha horas de voo pela frente. Mas antes que pudesse sequer começar a relaxar, Eda lançou um olhar cortante na direção de Serkan.

— Por que você tem que estar em todo canto que eu vou? Já está virando perseguição! — soltou Eda, a voz carregada de uma irritação que parecia ter se acumulado por semanas.

Serkan ergueu o olhar, mantendo a calma, mas com uma sobrancelha arqueada de leve. — Se eu soubesse que você estaria aqui, talvez tivesse escolhido outro lugar para pegar minhas coisas. Mas não sou vidente, Eda.

Eda cruzou os braços, encarando-o com desdém. — Ah, claro. Sempre tem uma desculpa pronta. É incrível como você consegue fazer o seu trabalho e, ao mesmo tempo, achar um jeito de ficar no meu caminho.

Serkan suspirou, mais cansado do que realmente irritado. — Não é o meu objetivo te incomodar, Eda. Só estou aqui para fazer meu trabalho, como você. Se isso te incomoda, talvez o problema não seja exatamente comigo.

Eda deu um passo em direção a ele, os olhos faiscando com uma mistura de raiva e algo mais que ela não queria admitir. 

— O problema, Serkan, é essa sua arrogância. Você se acha tão acima de tudo, sempre com esse ar de superioridade... Eu não suporto isso!

Serkan a observou por um momento, seus olhos fixos nos dela, quase como se estivesse a desafiando a continuar. — E o que você quer que eu faça? Me preocupe com o que você pensa de mim? Sinto muito, Eda, mas sua opinião não vai mudar o que eu sou. Estou aqui para trabalhar, não para agradar alguém, muito menos alguém como você.

Eda soltou um suspiro pesado, como se tivesse tentando expelir a frustração junto com o ar. — Claro, claro. Mas isso não significa que eu vá deixar de te odiar.

— Não espero que você mude de opinião. Se odiar faz você se sentir melhor, vá em frente. Não vou tentar te convencer do contrário — disse Serkan, sua voz carregada de uma calma perigosa, enquanto se dirigia ao cacifo para pegar sua mochila.

Eda balançou a cabeça, uma mistura de raiva e uma estranha sensação de alívio tomando conta dela. 

— Talvez eu deva mesmo procurar outro emprego, só para não ter que olhar para a sua cara o tempo todo — murmurou, com ironia na voz, mas sem conseguir esconder o leve tremor que denunciava sua exaustão.

Serkan, com a mochila agora nas costas, lançou-lhe um último olhar, um meio sorriso curvando seus lábios. 

— Pode ser uma boa ideia. Mas quem sabe, no fundo, você até sentiria falta dessa nossa dinâmica, não?

Eda abriu a boca para responder, mas a única coisa que conseguiu foi revirar os olhos, tentando disfarçar o tumulto de emoções que borbulhava dentro dela.

Ele soltou uma risada leve.

 — Não precisa exagerar. Acho que posso aguentar você por mais um tempo — respondeu, provocador.

Eda revirou os olhos e se jogou numa cama, tentando ignorar Serkan, mas então Özge entrou na sala, trazendo consigo uma energia diferente. Alta, loira e de olhos claros, ela era a parceira de Serkan na última semana, e parecia sempre segura de si.

Serkan sorriu ao vê-la, pronto para ouvir as histórias do voo. Mas a descontração logo foi interrompida por Eda, que, deitada na cama, falou sem rodeios:

— Desculpa cortar a diversão, mas eu preciso descansar.

Özge, com um sorriso forçado, respondeu: — Até a próxima, Eda.

Eda apenas murmurou um "Até", antes de sussurrar para si mesma, em tom de desdém: — Um babaca e uma sem noção...

Serkan percebeu a tensão no ar e se aproximou de Eda. — Tá tudo bem? Você parece tensa.

— Só quero um pouco de paz. Essa sala está barulhenta hoje — respondeu ela, tentando manter o tom neutro.

Serkan, sem querer prolongar o clima, apenas deu um aceno educado e saiu, deixando Eda para trás. Enquanto ele e Özge saíam juntos, Eda os observava, tentando ignorar o incômodo que sentia ao vê-los assim, tão próximos.

Por que ela se importaria com quem Serkan andava? Por que esses pensamentos idiotas estavam passando por sua cabeça?

Decidindo que não valia a pena pensar nisso, Eda se ajeitou na cama e, finalmente, deixou o cansaço vencê-la, adormecendo antes de seu próximo voo.






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