Cascão

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Quando eu era criança, aprendi um truque. Conte até dez e depois respire fundo. Isso faria você se acalmar e ver a situação de outra maneira.

Não podia garantir que ajudaria a todos, mas sempre funcionava comigo, me ajudando em momentos difíceis e complicados. Bom, quase sempre. Agora por exemplo, essa técnica não estava dando muito certo. Já estava no número 58 e ainda sim me sentia furioso. Talvez fosse porque Cascuda tinha o incrível dom de me tirar facilmente do sério.

Ela estava sentada a minha frente, abrindo e fechando a boca com rapidez, cuspindo palavras que entravam em um ouvido e saiam no outro. Eu escutava, mas não entendia. Minha mente estava em outro mundo... meu corpo em órbita. E a única coisa que conseguia pensar era;

"Por que eu fui sair de casa?"

— Você está me ouvindo?— Infelizmente sua voz aguda me trouxe de volta à realidade. Forçado, levantei as vistas para encarar um par de olhos azuis furiosos.

— Não.— Murmurei com sinceridade, enquanto tomava um gole pequeno do meu energético. Eu não gostava muito do sabor dele, mas aquela era a marca que patrocinava meu time de parkour, então reclamar não era muito viável.

— Eu estou cansada de ser sempre a sua segunda opção!— Olhei para a garota loira e suspirei. Haviam lágrimas escorrendo pelas suas bochechas vermelhas e mesmo que ela as limpasse rapidamente eu ainda conseguia as ver. Um nó se formou em minha garganta e meu peito se apertou. Apesar de tudo, eu amava Cascuda e à ver daquela forma partia meu coração.

— Tive um dia ruim.—Expliquei, em um tom mais amigável.— Desculpa.

— Esquece.— Ela se levantou da cadeira.

— Ei, onde você vai?— Segurei gentilmente sua mão para que ela não fosse embora.— Nós não iamos passar a tarde juntos?

— Iamos... até você vim e estragar tudo!— Cascuda respondeu friamente, pegando sua bolsa e saindo da padaria. Me deixando com cara de bobo. Sozinho.

Ok. Estava certo que às vezes eu era meio descuidado e até um pouco irresponsável... mas isso, de modo algum, significava que eu gostava de magoar as pessoas. Principalmente a minha própria namorada. Sim, eu deveria ter prestado mais atenção na hora para não me atrasar... e sim, eu admitia, boa parte da culpa de brigarmos tanto era minha, mas... todo aquele escandalo que ela havia feito em público foi realmente necessário?

Não. Claro que não foi. Ela só fez aquilo para me irritar, pois sabia o quanto eu odiava aquele tipo de atitude.

Nos primeiros dez segundos que se passaram cogitei ir atrás dela, mas logo dispensei aquela ideia. Estava cansado daquele "chove e não molha". Se fosse para fazermos as pazes, que fosse mais tarde, quando nos dois estivéssemos de cabeça fria.

Sem muitas opções, continuei sentado na mesa, mechendo no celular enquanto terminava de comer meu X-bacon. De jeito nenhum o deixaria ali. Depois das aulas eu ralava muito na oficina do meu pai, por isso sabia valorizar o meu dinheiro. Ao contrário de Cascuda, que mal havia provado do seu... o que era um desperdício, pois eu teria que pagar por algo que ela sequer comeu.

— Quer mais alguma coisa Cas?— Ouvi uma voz meiga perguntar e não precisei levantar a cabeça para saber de quem se tratava. Só existia uma pessoa em todo o Bairro do Limoeiro que me chamava de Cas, e essa pessoa estava bem na minha frente, com o sorriso simpático estampado no rosto angelical.

— Não.— respondi, devolvendo o sorriso.— Quanto deu mesmo?

– 40.— ela informou, mudando drasticamente a expressão do rosto.— O que aconteceu com o seu braço?

Amizade Quase PerfeitaOnde histórias criam vida. Descubra agora