One

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Enid sentia que estava entrando pelos portões do inferno quando o Jeep passou pela placa gasta de madeira na entrada da pequena cidade que com os dizeres "Jericho; 15 mil habitantes". Queria poder acreditar que aquilo era um pesadelo, acreditar que em poucos minutos seu despertador tocaria pocketful of sunshine e lhe levaria daquele lugar a fazendo acordar em meio a seus lençóis de seda em seu quarto espaçoso em Manhattan. Mas Enid sabia que isso não iria acontecer, aquela era sua realidade agora, não importava o quanto estivesse sendo duro deixar para trás a vida que viveu por dezessete anos.

Odiava seu pai mais do que tudo por lhe colocar naquela situação, todas as vezes que via sua mãe chorar baixinho no quarto desejava em seu coração a morte do homem que tanto amava, ou quando se lembrava o quanto foi humilhante  ter que encaixotar apenas coisas íntimas já que tudo que existia de valioso dentro da mansão luxuosa agora estava confiscado para pagar pelos pecados de sua família. Esther, sua mãe, sempre havia sido uma mulher forte e imponente, cheia de hábitos e nariz empinado mas agora estava em frangalhos, com olheiras, cabelos e unhas por fazer. Tinham apenas a roupa do corpo e aquele carro que estava no nome de Enid, qual ela havia ganhado quando completou dezesseis e finalmente pode tirar sua habilitação, não que dirigisse com frequência já que sempre teve um motorista particular para isso ou simplesmente carona de um de seus amigos.

Seis meses antes daquele dia Murray Sinclair chegou em casa atônito, a empresa qual era diretor por quase dez anos havia aberto uma investigação por conta de um grande rombo, milhares de dólares estavam sendo desviados há anos dos cofres robustos. O Sinclair pai ainda não era suspeito, mas estava atolado de culpa até o pescoço e ele sabia que logo chegariam ate seu encalço. No momento em que tudo veio átona, Enid estava na sala com seu namorado  estudando álgebra para as provas finais do segundo ano quando ouviu a campainha soar, observou a mulher idosa que trabalhava como governanta em sua casa a abrir com cara de espanto; era a polícia pronta para levar Murray Sinclair e amarrar o destino de sua família a miséria e vergonha pública.

E foi ali que seu mundo começou a desabar, primeiro precisou sair da escola cara de elite que custava na casa de quatro dígitos ao mês, viu todos seus amigos se afastarem por ela ser filha de um criminoso de colarinho branco e logo em seguida Ethan também lhe deixou. Ninguém da elite de Nova Iorque queria estar associado aos Sinclair, então abaixava a cabeça sempre que passava por qualquer canto do bairro esnobe que morava, ouvindo fofocas sussurradas seguindo o nome de sua família, seu sobrenome amaldiçoado até mesmo foi manchete de uma revista meia boca sobre negócios, mas o fim mesmo foi quando a casa e todos os bens foram confiscados. Enid sentia que poderia morrer a qualquer momento de tanto desgosto.

— Querida, isso é apenas temporário— A voz de Esther era calma enquanto mantinha seus olhos na estrada úmida — Nós vamos dar um jeito. Ele vai dar um jeito nisso tudo. Você sabe.

Enid sentia que a mulher falava mais para si do que para ela. Sua mãe estava em negação desde o acontecido, sempre dizendo que aquilo terminaria bem e que logo estariam indo para Monaco para os feriados de fim de ano como sempre faziam, mas mesmo que tentasse manter seu nariz, perfeitamente escupido por uma cara rinoplastia, erguido e a pose de forte e destemida aos olhos julgadores de todos naquela maldita cidade, nos últimos meses ela esvaziou a adega de vinhos caros que tinham em casa, bebia na sala na companhia da grande lareira flamejante quando achava que Enid já estaria dormindo, mas ela podia lhe ouvir do alto das escadas o choro amargurado de alguém que não fazia a menor ideia e se para a garota aquilo estava sendo difícil, para a mulher estava sendo muito pior, ser uma esposa troféu era sua única vocação e agora tudo que ela tinha era uma adolescente reclamona em seu encalço e um carro que ela detestava por achar suburbano demais. Sabia disso, mas nada disse, não existiam palavras que pudesse amenizar aquela situação, então apenas encostou sua cabeça no vidro da janela e observou a paisagem verde da cidade que parecia não ser nada além de asfalto negro, árvores, e algumas fazendas de gado vez ou outra.

K.I.D.S - WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora