CAPÍTULO TRÊS

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CONTRATO

   Durante todo o tempo em que esperei pelo carro que viria me buscar, fiquei repensando se havia sido uma boa escolha. Como meu irmão havia dito, tomei banho e troquei de roupa. Agora eu estava usando uma camisa azul sem estampa, uma calça jeans azulada e um tênis preto. Arrumei meu cabelo, algo que definitivamente não faço normalmente, mas hoje senti necessidade. Passei até perfume no pescoço, me sentindo um idiota por isso.

   Meu coração parecia uma escola de samba no peito e qualquer barulho de carro na rua me assustava. Tomei mais ou menos um litro e meio de água, até que finalmente me senti satisfeito. Entretanto, foi só um carro parar na frente de minha casa e, algum tempo depois, batidas na minha porta, que minha boca secou completamente de novo. Engolindo em seco, arrumei um pouco a roupa e caminhei até a porta, pegando minha carteira e meu celular que estavam na mesa.

   Estava ansioso; cada passo que eu dava em direção à porta era mais um passo em direção à sentença do meu futuro. Tudo o que aconteceria comigo depois que eu saísse de casa seria por causa dessa escolha. Coloquei a mão na maçaneta, sentindo meu coração dar um salto, e abri um sorriso, pronto para recepcionar Ricardo. Entretanto, não era ele que estava ali.

   Não pude evitar ficar um pouco decepcionado; achei que ele viria me buscar, pelo menos. Mas quem estava parado na minha porta era um homem alto, de cabelos pretos e pele branca. Ele usava óculos escuros, algo que parecia um comunicador na orelha, e um terno preto. Ele parecia ser forte e não havia nenhum sorriso em seu rosto.

   — Sr. Danilo Silva, está pronto? — disse ele, com uma voz grossa e um pouco assustadora. Concordei com a cabeça. — Ótimo, siga-me, o Sr. Bianchini o está esperando em sua casa.

   Tive tempo apenas de trancar a porta antes de seguir o homem. Ele já estava me esperando no carro, com a porta de trás de um Maserati bege aberta. Sentindo-me um pouco intimidado, aproximei-me e entrei. O homem não tirava os olhos de mim, como se algo de ruim pudesse me acontecer. Coloquei o cinto de segurança e, pouco depois, estávamos saindo do meu bairro.

   — É um prazer finalmente conhecê-lo, sr. Silva. — disse o homem no volante, que não tirava os olhos da estrada.

   — Me desculpe, mas como devo chamá-lo? — perguntei curioso.

   — Mil perdões, você pode me chamar de V. Serei seu segurança e chofer particular a partir de hoje. — Segurança e chofer?

   — Eu mal aceitei a proposta e o Ricardo já te colocou para cuidar de mim? — V sorriu, acho que se divertindo com isso.

   — O sr. Bianchini gosta de manter as pessoas que ele gosta em segurança. Obviamente, não seria diferente com o senhor. — Eu me sinto um velho com ele me chamando assim.

   Ambos ficamos em silêncio depois da nossa pequena apresentação. Os vidros do carro eram escuros; passávamos pelo meu bairro e por pessoas conhecidas minhas. Eles pareciam confusos, pois não era normal um carro desses aparecer por aqui. A essa hora, meu irmão já deveria estar na rodoviária pegando um ônibus para ir até nossa cidade natal no interior de São Paulo. Enquanto isso, eu estava indo assegurar que nossa família jamais passaria por problemas de novo.

   V me levou para lugares da minha cidade que eu não conhecia. Estávamos em um bairro chique, próximos a um condomínio de luxo. Não havia estabelecimentos por perto, apenas casas que cresciam de tamanho conforme íamos passando. A maior delas era a última, uma que ficava em uma colina um pouco mais afastada.

   Era difícil acreditar que havia um lugar assim em São Paulo. Havia árvores, praças bonitas, apesar de vazias, e um pequeno lago. Não havia pessoas na rua e o máximo que vi foi um carro de entregas dos Correios. De resto, eram apenas carros cujos nomes eu mal sabia, mas de longe dava para ver que eram caros. Eu me sentia um pouco estranho estando em um lugar desses.

   Estávamos indo em direção à mansão na colina, que era protegida por um extenso muro e um alto portão de ferro com a sigla PB, que deduzi ser de Pastore Bianchini. O portão se abriu automaticamente para o carro e, quando passamos por ele, vi que havia um homem em uma pequena cabine.

   Ainda havia mais alguns minutos de percurso até a mansão, e a decoração variava entre árvores e estátuas. Uma delas, a maior, era de dois homens em armaduras romanas, de mãos dadas e de costas um para o outro. Uma pequena fonte circulava a estátua, e jatos de água a mantinham cheia.

   Havia outras estátuas, menores e sem grande impacto, mas bonitas. As árvores pareciam variar de tipo: algumas eram de flores e outras, árvores frutíferas. Havia roseiras, macieiras, amoreiras e tantas outras que eu mal conseguia acreditar. Se eu não estivesse vendo, seria difícil acreditar que havia um lugar assim em São Paulo, onde a poluição e o cinza não haviam dominado.

   Quando chegamos à entrada da mansão, o carro mal havia parado e V saiu para abrir a porta para mim. Como eu havia dito a mim mesmo, não seria difícil me acostumar com essas coisas. Eu não sou hipócrita e gosto do dinheiro e do que ele é capaz de me fornecer. Respirei fundo e saí do carro, pronto para transformar minha vida e salvar meu pai.

   A entrada da mansão era magnífica. A porta era enorme, devia ter uns três metros de altura. Um pouco acima da porta havia três janelas de vidro, e havia desenhos em espiral na porta. Eu me senti na entrada de um palácio. As paredes da mansão eram brancas, com enormes janelas de vidro fumê e colunas em estilo romano.

   Havia uma pequena escadaria de uns dez degraus até a porta e um corrimão feito de gesso branco, muito bem cuidado. Havia arbustos em vasos de decoração, além de mais algumas roseiras. Fiquei tentado a olhar para mim mesmo e me imaginar como um intruso nesse lugar. V me indicou a porta, mas ficou parado no mesmo lugar com a porta do carro aberta.

   Assim que dei alguns passos em direção à escadaria, ouvi o barulho da porta do carro bater e então V saiu com o carro. Eu estava sozinho, meu coração novamente batendo com força contra meu peito. Cerrei os punhos, sentindo a ponta dos meus dedos doerem com a força. Respirei fundo e subi os degraus, um por um, parecia uma eternidade.

   Quando cheguei à porta, sentia minhas pernas bambas e, com a maior delicadeza do mundo, a porta deslizou para dentro, se abrindo. Um homem de cabelos brancos, de terno e gravata pretos, usando um par de luvas brancas, sorria para mim. Ele tinha o nariz empinado e um jeito esnobe, mas parecia estar sendo simpático comigo.

   — Seja muito bem-vindo, sr. Silva! — disse o homem, indicando a entrada com as mãos. — Levarei o senhor até o sr. Bianchini!

   — Obrigado! — respondi, um pouco envergonhado.

   Assim que entrei na mansão, senti que podia finalmente respirar normalmente. O homem, provavelmente o mordomo, passou por mim ao fechar a porta e andou em uma única direção. Tratei de segui-lo, notando o quão linda era a entrada desse lugar. O hall era bem grande, com um enorme lustre de cristais no teto. Vários quadros pendurados nas paredes e uma enorme escada dupla que levava para duas direções diferentes. Um lindo tapete vermelho e dourado, além de algumas poltronas e sofás também vermelhos.

   Continuei seguindo o homem, que devia ter uns cinquenta anos e uma postura de alguém que realmente sabia etiqueta. Ao invés de irmos para a escadaria, fomos em direção a uma porta de madeira parecida com a da entrada, mas sem os desenhos em espiral. O homem deu três batidinhas na porta e então a voz de Ricardo surgiu.

   — Potresti entrare.

   O homem abriu a porta e nós entramos. Primeiramente, eu me assustei com o que vi e depois abri um sorriso maravilhado. Era uma biblioteca particular, cheia de livros, vários sofás, poltronas, abajures, uma mesa de escritório e uma cadeira preta estofada. Sentado em uma das poltronas, com um livro na mão, estava Ricardo. Ele usava óculos, o cabelo meio úmido jogado para trás, e a camisa de botões estava com os dois primeiros abertos, revelando parte do peitoral dele.

   — Trouxe o sr. Silva como havia me instruído, sr. Bianchini. — disse o homem, fazendo uma pequena reverência a Ricardo.

   — Obrigado, Renato. Já tem suas próximas ordens. — Renato concordou com a cabeça, fez mais uma reverência para Ricardo e outra para mim, depois saiu fechando a porta atrás de si.

   — Sei più bello di quanto ricordassi, ragazzo mio.

   — Será que você poderia parar de ficar falando essas palavras difíceis? — disse, ficando envergonhado, porque sei o que “bello” significa.

   Ricardo abriu um sorriso, parecia estar se divertindo. Ele fechou o livro, colocando-o em uma das mesinhas, e se levantou, caminhando na minha direção. Ele ainda continuava bonito e estonteante. Os olhos verdes cravados nos meus, os passos lentos, mas constantes. Assim que estava próximo o suficiente, Ricardo me estendeu a mão, parando de caminhar. Olhei para ele e fiquei um pouco indeciso se aceitava ou não. Quando ele pareceu decidir desistir, me apressei e agarrei sua mão. Ele abriu um sorriso e me puxou para atravessarmos a biblioteca.

   O toque dele era gentil, a mão macia, mas maior que a minha. O lugar era muito bonito, tinha um ar antiquado e rústico. Ricardo me levou até a mesa de escritório e me colocou sentado em uma das cadeiras. Ele se sentou do outro lado, apoiando a cabeça em uma das mãos.

   — Bom, mesmo que eu tenha deixado bem claro como será sua vida depois de tudo, tem alguma dúvida sobre o que vamos fazer? — Ele sempre me olhava diretamente nos olhos, o que às vezes me deixava bastante intimidado.

   — Eu vou poder mesmo namorar quem eu quiser durante esse… casamento? — perguntei, tentando pescar alguma mudança na expressão dele, mas ele parecia calmo.

   — Se for isso o que você quer, sim. Só peço para que espere um ano ou um ano e meio para isso e que seja bastante cauteloso com quem você escolher. Se minha família descobrir que foram enganados, eles não vão ficar nem um pouco contentes. — Concordei com a cabeça. Não acho que vou ter estômago o suficiente para sustentar a mentira do casamento e um “amante”.

   — Quando você disse que iria me ajudar com dinheiro, estava falando sério? — Agora Ricardo parecia ficar um pouco curioso.

   — Então foi esse o motivo de você ter aceito o casamento, meu dinheiro? — Arregalei meus olhos.

   — Por favor, não pense que eu sou algum tipo de interesseiro ou algo do tipo. É que eu… — Parei de falar quando vi que Ricardo estava rindo.

   — Va bene ragazzo, calmati. — Ele ainda estava rindo um pouco. — Tá tudo bem se for pelo dinheiro. Estamos os dois usando um ao outro.

   Bem nesse momento, a porta da biblioteca se abriu e novos passos surgiram. Olhei para trás, curioso, e vi Renato e V caminharem na nossa direção, junto com um homem usando um terno azul-escuro. Renato segurava uma pasta na mão e V tinha aquele semblante sério de quando nos conhecemos.

   Renato colocou a pasta na mesa e ficou parado atrás de mim, ao lado de V. Ricardo pegou a pasta, tirando alguns papéis de dentro e os colocando à minha frente. Agora ele também estava sério, me olhando com um olhar determinado.

   — Estes papéis são contratos que ambos iremos assinar, garantindo a segurança um do outro. Você pode ler quantas vezes precisar. — Concordei com a cabeça e peguei o primeiro papel.

   Eu li todos os papéis umas três vezes, até ter certeza de que não seria passado para trás. Aquele maldito do Celso me deixou muito traumatizado com isso. No contrato, Ricardo garantia que iria manter minha vida financeira caso nos separássemos e que minha família teria um lugar para viver, bancado pelo próprio Ricardo.

   Da minha parte, se eu assinasse, eu concordava em me casar com ele e manter segredo sobre o casamento ser meramente falso. Iríamos nos casar de verdade, mas a mentira era que nos conhecíamos há pelo menos um ano e que teríamos que permanecer casados por no mínimo três anos.

   Fechei os olhos, soltando um longo suspiro, e quando os abri, Ricardo me olhava curioso.

   — Então, você pode colocar as cláusulas que quiser, além, é claro, de que não precisamos agir como um casal quando não tiver ninguém vendo. Eu não vou te tocar, mas precisaremos dormir no mesmo quarto enquanto estivermos na casa dos meus pais. — O português dele era tão bom que às vezes nem parecia que ele era italiano.

   — Acho que isso é o suficiente, podemos assinar. — Ricardo sorriu, pegando uma caneta e me entregando.

   — Júlio é um tabelião de notas, ele vai garantir que tudo isso seja legalizado, apenas para que você se sinta seguro com o que estou pedindo. Sei que meu dinheiro não é nada comparado à sua vida, por isso quero que você esteja confortável com tudo isso. — Concordei com a cabeça, sorrindo para ele e pegando a caneta de sua mão, nossos dedos tocando por poucos segundos.

   Então, na frente do tabelião, ambos assinamos o contrato de fidelidade. Senti que ganhei um peso a mais nas costas agora que assinei esses papéis. Tenho uma responsabilidade enorme e preciso me tornar um ator renomado para fazer com que todos acreditem que eu amo esse homem que está na minha frente.

   Júlio disse que mandariam cópias para mim e para Ricardo e, após isso, depois de um aceno de cabeça, o homem saiu da biblioteca seguido por Renato. V ainda estava no mesmo lugar, os óculos escuros agora estavam no bolso e podíamos ver seus olhos. Eram castanhos, assim como os meus.

   — V vai te levar para…

   — Antes, eu gostaria de falar com você sobre o motivo de ter aceito sua proposta.

   — Já falei que está tudo bem. Ambos estamos usando um ao outro, não precisa se preocupar. — Suspirei.

   — Por favor, preciso te pedir algo importante. — Ricardo pareceu preocupado e acenou com a mão para V, mandando-o ir embora, mas sem tirar os olhos de mim.

   Assim que a porta se fechou, Ricardo se levantou e me estendeu a mão de novo. Dessa vez, não relutei em segurá-la e juntos fomos para um dos sofás. Sentamos um pouco perto um do outro e ele voltou a me olhar nos olhos, o semblante preocupado ainda ali.

   — Então? — disse ele, me tirando de meu devaneio

   — Confesso que eu estava bastante indeciso se aceitava ou não sua proposta. Eu havia sido demitido e o dinheiro do trabalho iria ajudar a pagar as contas de onde moro com meu irmão e o aluguel dos meus pais. — Ricardo concordou com a cabeça, me indicando para prosseguir. — O dinheiro que você iria dar iria ajudar, mas não sabia se valia a pena me vender dessa forma. Meu irmão disse que eu iria arranjar um emprego logo e eu estava me segurando nessa ideia.

   “Então eu saí para procurar emprego, sei que passaram só quatro dias, mas não parecia que eu iria arranjar um emprego tão cedo. — disse, e novamente Ricardo acenou com a cabeça. Agora ele parecia um pouco mais preocupado. — Eu estava em uma lanchonete quando meu irmão me mandou uma mensagem dizendo que eu tinha que voltar para casa. Geralmente ele não me manda mensagens assim e ele deveria estar trabalhando.”

   — Danilo, diga de uma vez! — disse ele, quando percebeu que eu não parava de fazer rodeios.

   — Meu pai está com câncer de fígado e precisa de transplante, não temos o dinheiro para isso. Foi então que eu pensei na sua proposta e soube o que eu precisava fazer. Eu iria arranjar o dinheiro para salvar meu pai. — Meus olhos estavam cheios de lágrimas e eu virei o rosto, me escondendo de Ricardo.

   — Eu sinto muito pelo seu pai, vou dar o dinheiro que você precisar para resolver tudo. Posso mandá-lo para um hospital particular se você quiser, ele vai receber o melhor tratamento, nem que eu tenha que trazer o melhor médico do outro lado do mundo. — Ricardo colocou a mão no meu joelho e eu o olhei espantado.

   Ele pareceu perceber onde estava com a mão, mas eu não me importei. Pulei nele, abraçando seu pescoço e o agradecendo várias e várias vezes. Ricardo se assustou de início, mas depois colocou a mão na minha cintura e me puxou para um abraço mais apertado.

   — Qualsiasi cosa per te, ragazzo mio. — disse ele em um sussurro próximo à minha orelha, me arrepiando a espinha.

   Eu consegui o dinheiro, vou salvar meu pai e não me arrependo de nada que vou ter que fazer para retribuir o Ricardo. Talvez conhecê-lo tenha sido uma das melhores coisas que me aconteceu na vida.

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CONTRATO COM BENEFÍCIOS (Romance Gay) REVISADOOnde histórias criam vida. Descubra agora