O Arbusto

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Hoje cedo descobri, pelo do jornal local, que Dona Eunice está desaparecida.
Isso me chocou, pois passo em frente a sua casa diariamente a caminho do trabalho e todas as vezes ela me dá um bom dia caloroso, sempre serena e amigável.
Eunice é uma senhorinha de uns setenta e poucos anos que mora sozinha numa rua próxima da minha. Ela é bem gentil e adora plantas, principalmente o arbusto que cresce na fachada de sua residência. A velhinha sempre fala sobre como as flores dele são lindas e exuberantes, "Deslumbrantes até!", (nas palavras dela), mas eu mesmo nunca as vi.
Nas ultimas semanas algo estava diferente no jardim de Dona Eunice.
Após a chuva preta, a chuva do incêndio, ela passou a cuidar do arbusto todos os dias, regando, aparando galhos, mexendo no solo. Ela dizia que a planta estava fraca e precisava de um adubo melhor, um "alimento mais nutritivo", mas, pesar dessa suposta fraqueza, o arbusto crescia cada dia mais, suas vinhas cada vez mais enroladas umas nas outras como um denso novelo de arame farpado verde. 
Há alguns dias, andando pela rua, ouvi um sonoro "Ai Ai!" e, enquanto procurava por sua origem, pude ver Eunice saindo de trás do arbusto, que nesse ponto já tinha coberto quase toda a fachada da casa, ela tinha um pequeno corte na bochecha de onde escorria uma diminuta gota de sangue rubro. Ela então limpou o rosto dizendo:
- "Ah, é só um cortezinho de nada, foi só o susto mesmo." Então riu suavemente e voltou a se enfiar naquele emaranhado de folhas e espinhos.
Essa foi a ultima vez em que a vi.
Quando soube de seu desaparecimento decidi ir até a casa da senhora para checar como estavam as plantas sem os cuidados de sua dona. Ao chegar, fui mediatamente confrontado com a imagem ilógica e gigantesca do arbusto, ainda mais frondoso, ainda mais denso do que antes, tão grande que quase escondia a pequena casa de madeira. Seus galhos encaracolados, como longos tentáculos contorcidos, se espalhavam pela calçada e as enormes folhas cor de musgo assemelhavam-se a mãos deformadas esticando-se em todas as direções, como se estivessem prontas para agarrar qualquer coisa que chegasse perto.
Porém, o que mais me chamou a atenção foram as flores.
Eram lindas e exuberantes, deslumbrantes até! Tinham uma beleza selvagem e violenta, bem difícil de explicar. A sensação era parecida com a de ver um tigre de perto: lindo, chamativo e completamente assustador.
As pétalas eram rubras e tinham as bordas serrilhadas. Elas me faziam pensar nas muitas bocas de um predador, cheias de pequenos dentes, agora tingidas com sangue fresco após uma caçada bem-sucedida.

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