Capítulo 2

246 3 2
                                    

Todas as crianças da vila tinham medo dos piratas. Por mais que fossem ensinadas a ser duras e rudes, por mais que tivessem inúmeras aulas de Luta de Espada e Invenção de Insultos, todas tremiam ao pensar nas caveiras e ossos cruzados. E seus pais também tremiam, assim como seus tios, tias e avós. Porque, a cada outono, os piratas chegavam em seus navios à vela, com a bandeira preta ao vento, e atacavam a vila.

Você podia vê-los chegando a quilômetros de distância. O grande navio surgia no horizonte e vinha deslizando, silencioso, como se fosse para detê-los. Era como tentar parar a sua própria sombra. Logo, você conseguiria escutá-los. Os insultos e as lutas a bordo do navio eram suficientes para acordar uma lula gigante no fundo do oceano.

Os piratas não tentavam surpreender a vila. Não havia necessidade. Eles apontavam seus imponentes canhões em sua direção, depois davam um giro por lá - com seus facões e dentes de ouro brilhando - e levavam todos os garotos que haviam completado doze anos.

- Arrebanhem os pimpolhos! - rugiam. - Agarrem os rapazes! Lacem a moçada!

E os meninos eram puxados por enormes mãos cabeludas, um por um, tão facilmente como se elas estivessem arrancando grama.

Fazer doze anos naquela vila era como passar por um terremoto ou nadar contra um maremoto. Porque só depois de conseguir sobreviver dois anos a bordo é que permitiam aos garotos voltar para casa. E poucos conseguiam.

Os que conseguiam voltar contavam histórias espantosas. As crianças cobriam os ouvidos com as mãos para não escutar, e os mais velhos fechavam os olhos. Os homens adultos da cidade queriam esquecer o pesadelo que tinham vivido no mar. O próprio pai de Horrendo fazia de conta que isso nunca tinha acontecido - mas, algumas vezes, era possível escutá-lo gritar enquanto sonhava: "Tira seu chicote de cima de mim, seu criminoso nojento, eu vou enrolar tão apertado esse chicote no seu pescoço que seus olhos vão saltar como ovos cozidos!".

Horrendo se lembrava do ano em que Vira-Lata e Patife voltaram, magros como esqueletos e marcados pelas correiras do chicote. Quando tentavam falar, as pessoas fugiam, mas Horrendo, como não queria ser rude, ficava. Seus olhos se arregalavam e seu queixo caía.

- Você devia ver como era, os homens caíam como moscas por todo o tombadilho - Vira-Lata sussurrava. - Se eles não se levantassem em trinta segundos, o Capitão ameaçava jogá-los aos tubarões. "Uma boca a menos pra alimentar", ele dizia, e dava aquele seu sorriso mau, realmente mortal.

- Isso é verdade - dizia Patife. - Os homens ficavam se dobrando depois das lutas de espada, mortos de fome e cansaço. Sinto calafrios só de lembrar como eles riam quando nós, os novos meninos, chegamos... era a gente que fazia toda a gororoba para eles comerem e a limpeza dos tombadilhos, e ainda subíamos até o cesto da gávea. Sabe, eles só querem os jovenzinhos porque somos mais fáceis de treinar e ainda não sabemos lutar.

Havia sido assim desde quando alguém conseguia se lembrar. A vida de Horrendo, com sua baía abrigada, sempre fora a favorita dos piratas, para os ataques e as pilhagens, e há anos sobravam tão poucos homens na vila que os das ilhas vizinhas eram convidados a virem remando, "por favor", para se estabelecer por ali.

Ninguém se lembrava de um tempo em que o Capitão dos piratas não dominasse o mar. E ele não tinha espiões por todas as ilhas? "Homem diabólico", as pessoas cochichavam, entre si, sobre ele, "um demônio que não se consegue matar".

Os livros da vila estavam repletos dos feito horripilantes do Capitão, mas Horrendo e sua classe não ousavam abrir qualquer um deles, desde que Bombástico leu em voz alta, para eles, o capítulo chamado "Canibalismo: uma dieta humana no mar".

Como todos os outros meninos, Horrendo começou a ir à escola aos quatro anos. As meninas começavam mais tarde, aos seis, só que a escola delas ficava do outro lado da vila. Horrendo, com frequência, olhava tristemente para os grupos de meninas caminhando pela praça. Às vezes, elas olhavam tristemente de volta. Mas as amizades entre os sexos não eram incentivadas na vila, pois as ligações próximas, diziam os mais velhos, depois só causavam sofrimento.

A maldição de HorrendoOnde histórias criam vida. Descubra agora