Capítulo XVII

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"Não é que eu queira reviver nenhum passado
Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída
Acabo entrando sem querer na tua vida"

(Ana Carolina)

Durante o percurso de Safira até o centro de Kamgrel, por um bom tempo, os dois permaneceram calados. Normalmente, Maverick sentiria-se desconfortável com o silêncio e tentaria, ansioso, quebrá-lo com qualquer conversa boba, mas ele estava distraído demais para sequer notar.

Esteve distraído desde que descobriu em que ano estavam, pelo restante da manhã, pelo horário do almoço e pelo início da tarde, até arrumar suas coisas e entrar na carruagem. A viscondessa dirigiu-lhe mais atenção durante o almoço, mas ele não ouvia as perguntas por estar perdido em pensamentos e, na terceira vez que ela teve que repetir, desistiu de interrogá-lo. Ao menos, ela evitou a acidez ao despedirem-se, e Melina, como sempre, foi muito bem educada e dirigiu-lhe um sorriso lindo ao dizer que ele seria sempre bem-vindo.

Emmanuel cumpriu o que falara e o acompanhou até a casa dos Pellegrini, frente a frente na cabine da carruagem.

— Você acha que eu tô fazendo a coisa certa, voltando pra lá?

Emmanuel demorou a perceber que Maverick havia quebrado o silêncio, como se nem mesmo o Pellegrini percebesse que esse mesmo silêncio durou mais de quinze minutos, os quais ele passou inteiramente com os olhos na janela.

Por algum motivo, os olhos castanhos puxados pareciam vulneráveis, como se realmente quisesse saber a resposta.

— Tendo em vista suas opções, acredito que seja o certo a se fazer — apontou, embora ainda houvesse uma nota de incerteza em sua voz. — Caso contrário, para onde o senhor iria? — Maverick suspirou, em silêncio, os olhos novamente na janela. Emmanuel pigarreou, desconfortável, como se sentisse que estava levando uma criança a um lar abusivo e o convencendo de que seria o melhor para ele. — Acredito que eles tenham plena capacidade de entender que o senhor não será um problema e que sua cabeça "oca" está funcionando muito bem; inclusive, penso que anda funcionando melhor do que um dia funcionou.

O sorriso de Maverick pareceu começar nos olhos e logo espalhou-se para a boca, bastante lisonjeado - porque, conhecendo um pouco do visconde, sabia que aquilo era um elogio gigantesco. Queria dizer que ele gostava mais dessa versão sua do que a anterior, o que Maverick gostaria de levar em conta, de coração, porque queria mesmo ser diferente das histórias que ouvia sobre si.

Seu sorriso deixou o visconde ainda mais desconfortável, então ele se remexeu no assento e completou, mais firmemente: — Ademais, estará com sua família e poderá ter o apoio deles para que volte a trilhar seu caminho como deveria.

Maverick assentiu, digerindo as palavras.

— Tem razão...

Ele havia colocado mesmo as informações na balança e pensou que não seria tão má ideia ficar com os pais por um tempo. Apesar deles não passarem nenhuma certeza com relação à dedurá-lo enquanto dorme, eles ainda preservavam muito a imagem da família: se Maverick garantisse que não a poria em risco, e ainda se fizesse de bom moço sequelado, então eles não tinham motivos para não abrigá-lo. Ele também podia persuadi-los ao garantir que não beberia e que não precisaria do dinheiro deles - que eles podiam guardar para si próprios, já que Maverick só queria comida e moradia por um tempo determinado.

— Quanto ao dinheiro... — apontou, subitamente, ao lembrar da dívida.

Emmanuel suspirou, entendendo de imediato onde ele queria chegar com aquilo. — Antônio pode ser um tolo, mas sabe muito bem o que faz — afirmou, firme. — Se ele inventou de meter-se nos seus problemas, então deve ser capaz de livrar-se deles sozinho.

Amanhã eu fui memóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora