LAMÚRIA

31 3 4
                                    

Foi uma simples mariposa que envaidecida pela luz adentrou um quarto todo bagunçado, tocando-a se queimou, e tudo desabou em escuridão...


Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


– De aurora a aurora; a uniformidade pesa os ombros, e cada milésimo de segundo parece importar. Não obstante, para o desgaste físico é designado um tempo de repouso, e esse mesmo tempo apresenta-se insuficiente para aplacar as lamúrias intelectuais. Ponto, reta, plano e espaço. Espaço tem definição. A reta provém do ponto, mas ponto não tem dimensão. É esse o ponto do teu vazio. O teu vazio tem dimensão?

Voz que pareceu sussurro tornava-se cada vez mais nítida conforme o sono dava espaço à lucidez, mas ainda estava eu perdido... Tentava fugir da floresta e dos animais selvagens. Não queria jamais ver faminta pantera. Ardia-me os olhos a presença da primitiva serpente. Era esse o reflexo que vi. De mim e tudo ao redor. Serpentes que se agitavam como algas, e dissipavam-se tal como fumaça.

– Tem bagunça demais nesse espaço. Este é um violão antiquado. De nada lhe serviu nos dias de outrora, também não lhe será útil em dias atuais. Tu deverias atirá-lo ao mar para ser esquecido nas águas. Tornar-se-á o velho violão lar de cracas. As cracas! Gosto das cracas. Elas acham a casa e ficam lá estagnadas enquanto o mundo se transforma. Não são interessantes as cracas?

Minhas pernas começaram a vacilar. A floresta se fechou abruptamente à minha frente, e a tal serpente, animal nu e peçonhento que se ergueu diante de mim, humano fraco e indefeso que assim quando nasce é como será, começou a me encarar. Porém, não canalizei a minha atenção em teu sôfrego olhar, ao contrário, fascinei-me em verdade com o prateado escamoso de esbelta serpente ordinária ao mal. Mas lembrei-me, entretanto, do orgulho que embriaga os homens e só aí percebi... Eram minhas tais escamas! Aquele brilho metálico a mim pertencia, paradoxalmente... Eu, há muito, o cobiçava.

– Naquela sapateira tem uma luva. As luvas deveriam ficar com as meias. Luvas não podem ficar com os sapatos. Aprendi isso uma vez ao custo de um puxão na orelha. Lembro-me da dor, mas... estranhamente tenho me esquecido de quem a puxou.

Ouvi soluços opacos...

– Naquela sapateira tem uma luva importante. Outra está debaixo da cama. Tu deverias guardá-las juntas numa das gavetas. Mas antes, livre-se das aranhas. Por que guardas tu aranhas, e não roupas?

Lançou-se sobre mim a faminta pantera, arrancando-me um grito histérico.

Despertei-me apavorado e estranhamente o espaço parecia uma abstração. Busquei, apesar de tudo, uma fonte de luz...

– Não se exaspere! Poderias ter corrido mais e exceder o limite, e isso também de nada adiantaria. Ela sempre tem fome. Quando a tudo devorar, só lhe restará a si mesma. É irrelevante buscar a luz. Acaso, não te lembras da mariposa? Estava ela iluminada, mas quis para si a luz. Agora está ela queimada nalgum lugar desse espaço. Tem bagunça demais nesse espaço. Deveria arrumá-lo. Ninguém o fará por ti.

ESTERTOROnde histórias criam vida. Descubra agora